terça-feira, 27 de janeiro de 2015

UECE Vest 2015

O curso Pré-Vestibular (UECEVest), da Universidade Estadual do Ceará (UECE), prorrogou as inscrições até o dia 30 janeiro. As matrículas devem ser feitas na Coordenação do Cursinho, no Campus do Itaperi, no horário das 8h às 20h. As aulas terão início no dia 02 de fevereiro.
Mais informações pelo telefone 3101.9658 ou no site da UECEVest.

BOLETIM ELETRÔNICO DA SBQ

1. XI Escola de Verão em Educação Química (EVEQUIM) e IV Seminário Integrador Iniciação à Docência: Ações do PIBID Química na Educação Básica encontra-se com as inscrições abertas.
De 25/03 a 27/03 será realizada na Universidade Federal de Sergipe/Campus de São Cristóvão a XI Escola de Verão em Educação Química (EVEQUIM) e IV Seminário Integrador Iniciação à Docência: Ações do PIBID Química na Educação Básica. Na XI edição da EVEQUIM serão realizadas oficinas temáticas; Temas de Debate; palestras; minicursos e oficinas pedagógicas. As inscrições de trabalho ocorrem de 10/01 à 16/02/2015. Todos os trabalhos aprovados serão publicados em CD com ISSN 2237-8731. Até 20 trabalhos completos com melhor avaliação poderão ser publicados na Revista Scientia Plena.

Para informações detalhadas acessem este link ou entrem em contato conosco.
E-mail: escolaveraoeducacaoquimica@gmail.com / tel.: 2105- 6824
Fonte: João Paulo Mendonça Lima (UFS)


2. ISACS 17: Challenges in Chemical Renewable Energy
8 - 11 September 2015, Rio de Janeiro, Brazil

International Symposium on Advancing the Chemical Sciences

ISACS17, Challenges in Chemical Renewable Energy

This conference will bring together leading scientists from across the world to share scientific developments in renewable energy generation and storage.

More information


Fonte: Elizabeth Magalhaes (Royal Soc. Chem.)


3. 4th World Conference on Research Integrity
Registration going global: 104 universities, 33 countries and counting!!!

See updates on the website, including hotel reservations! www.wcri2015.org/hotel-accommodation.html

Other accommodation options near the Convention Center will be posted soon.


Fonte: 4th World Conference on Research Integrity






FICHAMENTO: Vicissitudes e perspectivas do direito à educação no Brasil: abordagem histórica e situação atual / Demerval Saviani


Edneide Silva

TEXTO:

VICISSITUDES E PERSPECTIVAS DO DIREITO À EDUCAÇÃO NO BRASIL: ABORDAGEM HISTÓRICA E SITUAÇÃO ATUAL

Dermeval Saviani

 

De modo geral, é possível dizer que o presente texto parte da caracterização do significado do direito à educação como direito social proclamado e considerando-se que a cada direito corresponde um dever, examinam-se as mudanças decorrentes do conflito entre o direito à educação e o dever de educar na história da educação brasileira. Durante seu desenvolvimento, o autor faz uma análise da persistência do referido conflito na situação atual para, sob pretexto de conclusão, considerar-se as perspectivas de solução, o que põe em foco o problema da organização do Sistema Nacional de Educação.

 

Educação: direito proclamado versus direito real

Conforme a classificação de Thomas Humphrey Marshall (1967), distinguem-se os direitos civis, os direitos políticos e os direitos sociais.

 

Segundo
Marshall

Século XVIII foi a era dos direitos civis

Século XIX vicejaram os direitos políticos

Século XX, chegou a vez dos direitos sociais



 

 

No âmbito da referida classificação, a educação figura como um direito social, sendo mencionada no enunciado do artigo 6º da Constituição Federal de 1988, atualmente em vigor, como o primeiro dos direitos sociais: “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (VITA, 1989, p. 111).

No entanto, é preciso considerar que essa classificação tripartite dos direitos individuais resulta um tanto formalista, não espelhando a realidade em suas múltiplas determinações, articulações e contradições. Com efeito, a educação, para além de se constituir em determinado tipo de direito, o direito social, configura-se como condição necessária, ainda que não sufi ciente, para o exercício de todos os direitos, sejam eles civis, políticos, sociais, econômicos ou de qualquer outra natureza. Isso porque a sociedade moderna, centrada na cidade e na indústria, assumindo a forma de uma sociedade de tipo contratual, substituiu o direito natural ou consuetudinário pelo direito positivo. Isto quer dizer que a sociedade urbano-industrial se baseia em normas escritas. Portanto, a participação ativa nessa sociedade, vale dizer, o exercício dos direitos de todo tipo, pressupõe o acesso aos códigos escritos. Eis porque esse mesmo tipo de sociedade erigiu a escola em forma principal e dominante de educação e advogou a universalização da escola elementar como forma de converter todos os indivíduos em cidadãos, isto é, em sujeitos de direitos e deveres. Tal importância da educação escolar acentua-se ainda mais no contexto atual da chamada “sociedade do conhecimento”. Aliás, importa lembrar que, apesar de sua ampla difusão, a denominação de “sociedade do conhecimento” não é apropriada para caracterizar a época atual. Melhor seria, talvez, falar-se em “sociedade da informação”. Isso porque conhecimento implica a capacidade de compreender as conexões entre os fenômenos, captar o significado das coisas, do mundo em que vivemos. E hoje parece que quanto mais informações circulam de forma fragmentada pelos mais diferentes veículos de comunicação, mais difícil se torna o acesso ao conhecimento que nos permitiria compreender o significado da situação em que vivemos. Nesse contexto, a escola se torna ainda mais fundamental, porque a ela cabe justamente fornecer os elementos que permitam àquele que tem acesso à informação discriminar as informações falsas das verdadeiras, o que é consistente do inconsistente, o relevante do irrelevante.

Contudo, como se sabe, importa distinguir entre a proclamação de direitos e a sua efetivação. A cada direito corresponde um dever. Se a educação é proclamada como um direito e reconhecido como tal pelo poder público, cabe a esse poder a responsabilidade de prover os meios para que o referido direito se efetive. Eis porque se impôs o entendimento de que a educação é direito do cidadão e dever do Estado. E, para dar cumprimento a esse dever garantindo, em conseqüência, o direito à educação, os principais países se empenharam, a partir da segunda metade do século XIX, em implantar os respectivos sistemas nacionais de educação, erigidos no caminho efetivo para universalizar a escola básica. Vê-se, pois, que o papel do Sistema Nacional de Educação é dar efetividade à bandeira da escola pública universal, obrigatória, gratuita e laica.

No Brasil, a proclamação da educação como direito foi se incorporando ao discurso dominante e, progressivamente, foi sendo também consagrada na ordenação legal, culminando com o disposto na Seção I (Da Educação), integrante do Capítulo III (Da Educação, da Cultura e do Desporto) do Título VIII (Da Ordem Social) da Constituição Federal vigente, promulgada em 5 de outubro de 1988 (VITA, op. cit., p. 182-184). E o primeiro dispositivo dessa Seção, o artigo 205, proclama a educação como direito de todos e dever do Estado e da família. Não bastasse a clareza desse enunciado, a norma é reforçada pelos parágrafos 1º e 2º do artigo 208, os quais estabelecem que “o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo” (§1º) e que “o não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente” (§2º).

No entanto, em que grau o Estado assumiu, ao longo da história do Brasil, o dever correlato de garantir o direito de todos à educação?


O CONFLITO ENTRE O DIREITO À EDUCAÇÃO E O DEVER DE EDUCAR NA HISTÓRIA DO BRASIL

Pode-se considerar que a primeira medida do Estado visando a prover o acesso à educação no Brasil foram os “Regimentos” de D. João III, editados em dezembro de 1548, para orientar as ações do primeiro governador geral do Brasil, Tomé de Souza, que aqui chegou em 1549, acompanhado de quatro padres e dois irmãos jesuítas chefiados por Manuel da Nóbrega. Nesse mesmo ano, os jesuítas deram início à obra educativa centrada na catequese, guiados pela orientação contida nos referidos “Regimentos”, cumprindo, pois, um mandato que lhes fora delegado pelo rei de Portugal. Nessa condição cabia à Coroa manter o ensino, mas o Rei enviava verbas para a manutenção e a vestimenta dos jesuítas; não para construções. Então, como relata o padre Manuel da Nóbrega em carta de agosto de 1552, eles aplicavam os recursos no colégio da Bahia “e nós no vestido remediamo- -nos com o que ainda do reino trouxemos, porque a mim ainda me serve a roupa com que embarquei... e no comer vivemos por esmolas” (HUE, 2006, p. 68).

Em 1564, a Coroa portuguesa adotou o plano da redízima, pelo qual dez por cento de todos os impostos arrecadados da colônia brasileira passaram a ser destinados à manutenção dos colégios jesuíticos. A partir daí iniciou-se uma fase de relativa prosperidade, dadas as condições materiais que se tornaram bem mais favoráveis. Luiz Alves de Matt os (1958) compara a fase anterior, que ele chama de “período heróico”, com o momento subsequente à instituição da “redízima”, tomando os aspectos da alimentação; vestuário e calçado; remédios e assistência hospitalar; viagens por terra; viagens por mar; colégios e casas da Companhia de Jesus; e os estudos. Em todos esses aspectos, ressalta o contraste entre as dificuldades e privações enfrentadas na primeira fase e as facilidades e conforto usufruídos na segunda.

A educação era financiada com recursos públicos, configurando uma espécie de “educação pública religiosa” (LUZURIAGA, 1959, p. 1). Entretanto, se o ensino então ministrado pelos jesuítas podia ser considerado como público, por ser mantido com recursos públicos e pelo seu caráter de ensino coletivo, ele não preenchia os demais critérios, já que as condições tanto materiais como pedagógicas – isto é: os prédios, assim como sua infra-estrutura, os agentes, as diretrizes pedagógicas, os componentes curriculares, as normas disciplinares e os mecanismos de avaliação – se encontravam sob controle da ordem dos jesuítas, portanto, sob domínio privado. O resultado foi que, quando se deu a expulsão dos jesuítas em 1759, a soma dos alunos de todas as instituições jesuíticas não atingia 0,1% da população brasileira, pois delas estavam excluídas as mulheres (50% da população), os escravos (40%), os negros livres, os pardos, filhos ilegítimos e crianças abandonadas (MARCÍLIO, 2005).

Por sua vez, o período seguinte (pedagogia pombalina: 1759-1827) corresponderia aos primeiros ensaios de se instituir uma escola pública estatal. Pelo Alvará de 28 de junho de 1759 determinou-se o fechamento dos colégios jesuítas, introduzindo-se as “aulas régias” a serem mantidas pela Coroa, para o que foi instituído em 1772 o “subsídio literário”. As reformas pombalinas se contrapõem ao predomínio das ideias religiosas e, com base nas ideias laicas inspiradas no Iluminismo, institui o privilégio do Estado em matéria de instrução, surgindo, assim, a nossa versão da “educação pública estatal” (LUZURIAGA, 1959). A partir dessa proposta foi baixada a “Carta de Lei” de 10 de novembro de 1772. Por ela foram extintas, no item I, as “coletas” anteriores, substituídas, no item II, por um único imposto:

Nestes Reinos e Ilhas dos Açores e Madeira, de um real em cada canada de vinho; e de quatro reis em cada canada de aguardente; de cento e sessenta reis por cada pipa de vinagre: na América e África de um real em cada arrátel de carne da que se cortar nos açougues; e nelas, e na Ásia de dez reis em cada canada de aguardente das que se fazem nas terras, debaixo de qualquer nome que se lhe dê, ou venha a dar. (MENDONÇA,1982, p. 614)

 

Também no caso das “aulas régias”, que se concentravam dominantemente no ensino que corresponderia ao nível secundário, em especial as classes de latim, a responsabilidade do Estado se limitava ao pagamento do salário do professor e às diretrizes curriculares da matéria a ser ensinada. Consequentemente, deixava- se a cargo do próprio professor a provisão das condições materiais relativas ao local, geralmente sua própria casa, e à sua infra-estrutura, assim como aos recursos pedagógicos a serem utilizados no desenvolvimento do ensino. Essa situação era, ainda, agravada pela insuficiência de recursos, dado que a Colônia não contava com uma estrutura arrecadadora capaz de garantir a obtenção do “subsídio literário” para financiar as “aulas régias”.

Com a independência política, foi outorgada por D. Pedro I, em 25 de março de 1824, a primeira Constituição brasileira, que se referiu à educação apenas em seu último artigo, o de número 179. O inciso XXXII desse artigo estipulava que “a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos” (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 1983, p. 653). Decorre daí que, ao fi xar o princípio da gratuidade geral do ensino primário, a Constituição estava garantindo a todos os cidadãos brasileiros o direito a esse nível de ensino a expensas do Estado. Mas essa mesma Constituição não fixou como seria efetivada a contrapartida do dever do Estado de assegurar a todos o direito proclamado na Carta Magna do país.

Instalado o Primeiro Império, foi aprovado, em 15 de outubro de 1827, um documento legal que ficou conhecido como lei das escolas de primeiras letras, pois estabelecia, no artigo primeiro: “em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos haverão [sic] as escolas de primeiras letras que forem necessárias” (TAMBARA; ARRIADA, 2005, p. 23). Pode-se dizer, entretanto, que essa lei permaneceu letra morta, pois, antes que fosse posta em prática, o Ato Adicional à Constituição do Império, promulgado em 12 de agosto de 1834, conforme estipulado no parágrafo segundo do artigo 10 (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, op. cit.), colocou o ensino primário sob a jurisdição das Províncias, desobrigando o Estado nacional de cuidar desse nível de ensino. Essa medida não deixou de conter um aspecto positivo, pois teve o mérito de facilitar a instalação de escolas, uma vez que já não se fazia necessária a autorização da Assembleia Geral. Com isso, se na sistemática anterior o processo era lento e burocrático, após o Ato Adicional agilizou-se o procedimento para criar e instalar escolas, favorecendo “o processo de difusão da instrução pública” (CASTANHA, 2007, p. 106). Considerando, porém, que as províncias não estavam equipadas nem financeira, nem tecnicamente para promover a difusão do ensino, o resultado foi que atravessamos o século XIX sem que a educação pública fosse suficientemente incrementada. Com isso, o direito à educação gratuita proclamado na Constituição não contou com as condições necessárias para ser realizado.

Durante os 49 anos correspondentes ao Segundo Império, entre 1840 e 1888, a média anual dos recursos fi nanceiros investidos em educação foi de 1,80% do orçamento do governo imperial, destinando-se, para a instrução primária e secundária, a média de 0,47%. O ano de menor investimento foi o de 1844, com 1,23% para o conjunto da educação e 0,11% para a instrução primária; e o ano de maior investimento foi o de 1888, com 2,55% para a educação e 0,73% para a instrução primária e secundária (CHAIA, 1965). Era, pois, um investimento irrisório. O Estado, portanto, não cumpria o seu dever em matéria de educação. Logo, não garantia o direito da população a ter acesso a ela.

Apesar disso, a consciência da importância da educação se expressava na percepção de que “na instrução pública está o segredo da multiplicação dos pães, e o ensino restitui cento por cento o que com ele se gasta”, conforme afi rmou Almeida Oliveira na sessão de 18 de setembro de 1882 do Parlamento (CHAIA, op. cit., p. 125). E propostas não faltaram. Tavares Bastos, considerando que “não há sistema de instrução efi caz sem o dispêndio de muito dinheiro”, propôs em 1870: “Assim como cada habitante concorre para as despesas de iluminação, águas, esgotos, calçadas, estradas e todos os melhoramentos locais, assim contribua para o mais importante deles, a educação dos seus concidadãos, o primeiro dos interesses sociais em que todos somos solidários” (TAVARES BASTOS, 1937, p. 228). A partir daí apresenta um plano de criação de dois tipos de impostos: o local e o provincial. Essa proposta foi retomada por Rodolfo Dantas, em 21 de agosto de 1882, e pela Comissão de Instrução Primária, tendo como relator Rui Barbosa (CHAIA, op. cit.). Contudo, dada a “mania de se quererem os fi ns sem se empregarem os meios necessários e próprios”, conforme declarou Moraes Sarmento em 1850 (idem, ibid., p. 55), resultou que “nenhum país tem mais oradores nem melhores programas; a prática, entretanto, é o que falta completamente”, ironizou Agassiz em 1865 (ibid., p. 45). E Rui Barbosa constatava em 1882: “O Estado, no Brasil, consagra a esse serviço apenas 1,99% do orçamento geral, enquanto as despesas militares nos devoram 20,86%” (ibid., p. 103). Dessa forma, o sistema nacional de ensino não se implantou e o país foi acumulando um grande déficit histórico em matéria de educação. Continuava, pois, a persistir o conflito entre a proclamação do direito à educação e a sua efetivação. Nossa segunda Constituição, a primeira do regime republicano, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, também se limitou a enunciar apenas um princípio educacional, neste caso, o da laicidade fixado no parágrafo sexto do artigo 72, que assim o enunciou: “Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos” (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 1983, p. 587). Claro que o empenho em laicizar a esfera pública, remetendo para o âmbito privado todas as questões de ordem confessional, implicava uma forte responsabilidade do governo central na instituição de um sólido sistema público de ensino, extensivo a todo o território da nação que acabava de se organizar como um Estado republicano. No entanto, isso também não veio a ocorrer. Dado que no Império, que era um regime político centralizado, a instrução popular estava descentralizada, considerou-se que, “a fortiori”, na República Federativa, um regime político descentralizado, a educação deveria permanecer descentralizada. Com esse argumento se postergou mais uma vez a organização nacional da instrução popular, mantendo-se o ensino primário sob a responsabilidade das antigas províncias, agora transformadas em Estados federados. Após um período de efervescência correspondente à primeira década republicana quando se pretendeu reorganizar a instrução pública por meio de algumas reformas, entre as quais se destacou a reforma paulista de 1892 que instituiu os grupos escolares, a educação entrou em compasso de espera ao prevalecer a “política dos governadores”, com o que se impôs o domínio das oligarquias rurais. Consequentemente, ao longo da Primeira República o ensino permaneceu praticamente estagnado, o que pode ser ilustrado com o número de analfabetos em relação à população total, que se manteve no índice de 65% entre 1900 e 1920, sendo que o seu número absoluto aumentou de 6.348.869, em 1900, para 11.401.715, em 1920.

A nova Constituição republicana aprovada em 16 de julho de 1934 será a primeira a destinar todo um capítulo à questão educacional. Trata-se do Capítulo II,

“Da Educação e da Cultura” (ibid., p. 544-546), que integra o Título V – “Da Família, da Educação e da Cultura”. Nesse capítulo podemos identifi car os seguintes Princípios Educacionais:

• Universalidade da educação, ao proclamar, no artigo 149, que “a educação

é direito de todos”;

• Gratuidade do ensino primário (alínea a do § único do artigo 150);

• Obrigatoriedade do ensino primário (alínea a do § único do artigo 150);

• Liberdade de ensino (alínea c do § único do artigo 150);

• Seleção pelo mérito (alínea e do § único do artigo 150);

• Estabilidade dos professores (alínea f do § único do artigo 150);

• Remuneração condigna do corpo docente (alínea f do § único do artigo

150);

• Liberdade de cátedra (artigo 155);

• Vinculação orçamentária (artigo 156: “A União e Municípios aplicarão

nunca menos de dez por cento, e os Estados e o Distrito Federal nunca

menos de vinte por cento, da renda resultante dos impostos, na manutenção

e no desenvolvimento dos sistemas educativos”);

• Provimento dos cargos do magistério ofi cial por concurso (artigo 158);

• Vitaliciedade dos cargos do magistério ofi cial (artigo 158, § 2º);

• Inamovibilidade dos cargos do magistério ofi cial (artigo 158, § 2º).

A partir da década de 1930, com o incremento da industrialização e urbanização, começa a haver, também, um incremento correspondente nos índices de escolarização sempre, porém, em ritmo aquém do necessário à vista dos escassos investimentos. Assim, os investimentos federais em ensino passam de 2,1%, em 1932, para 2,5 em 1936; os estaduais se reduzem de 15,0% para 13,4% e os municipais se ampliam de 8,1% para 8,3% no mesmo período (RIBEIRO, 2003). Isso não obstante a Constituição de 1934 ter determinado que a União e os municípios deveriam aplicar nunca menos de 10% e os estados 20% da arrecadação de impostos “na manutenção e desenvolvimento dos sistemas educacionais” (art. 156).

A Constituição de 1937 manteve o tópico referente à educação e à cultura, no qual, entretanto, os princípios enunciados na Carta de 1934 ou não se fazem presentes ou são relativizados. Assim, o caráter público da educação é fortemente relativizado ao se defi nir, no artigo 129, que “o ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado”. E, mesmo nessa área, se estipula que a ação do Estado incluirá o subsídio à “iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais”, defi nindo-se que “é dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera de sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados” (CAMPANHOLE;CAMPANHOLE, 1983, p. 443).

O enunciado do artigo 130 contempla os princípios da gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário, mas esses princípios são relativizados quando se afirma, no mesmo artigo, que “a gratuidade, porém, não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar”. Foi mantido o princípio da liberdade de ensino quando se determinou, no artigo 128, que “a arte, a ciência e o seu ensino são livres à iniciativa individual e à de associações ou pessoas coletivas, públicas e particulares”. Quanto aos demais princípios contemplados na Constituição de 1934 (seleção pelo mérito, estabilidade dos professores, remuneração condigna do corpo docente, liberdade de cátedra, vinculação orçamentária, provimento dos cargos do magistério oficial por concurso, vitaliciedade e inamovibilidade dos cargos do magistério oficial), a Carta de 1937 silenciou inteiramente.

Sob a égide da Constituição do Estado Novo surgiram as “leis orgânicas do ensino”, optando-se, assim, por organizar a educação nacional por partes, e não como um sistema integrado, regulado por uma lei unificada. Dando cumprimento à norma constitucional que estabelecia como dever prioritário do Estado o ensino profissional, as leis orgânicas regularam, além dos ensinos secundário e primário, os ensinos industrial, comercial e normal, complementados pela criação do Sistema Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e do Sistema Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). No entanto, a vinculação orçamentária foi retirada na Constituição de 1937 que instituiu o Estado Novo.

A Constituição de 1946, promulgada em 18 de setembro, retomou, de certo modo, a sistemática iniciada com a Constituição de 1934 e interrompida com o advento do Estado Novo. Com efeito, ela reservou no Título VI, “Da Família, da Educação e da Cultura”, o Capítulo II à educação e à cultura, onde contemplou todos os princípios previstos na Constituição de 1934 (ibid., p. 256-257). Além disso, essa Carta retomou a vinculação orçamentária, fi xando em 20% a obrigação mínima dos estados e municípios e 10% da União. No entanto, em 1955 tínhamos os seguintes índices: União, 5,7%; estados, 13,7%; municípios, 11,4%.

A Constituição promulgada pelo regime militar em 24 de janeiro de 1967 tratou da educação no Título IV, “Da Família, da Educação e da Cultura” (ibid., p. 179-180). Quanto aos Princípios Educacionais, observa-se que houve uma relativização do princípio da gratuidade quando, no Inciso III do parágrafo 3º, do artigo 168, se afirmou: “sempre que possível, o Poder Público substituirá o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo, exigido o posterior reembolso no caso de ensino de grau superior”. Além disso, essa Carta não contemplou os princípios da Seleção pelo mérito, Estabilidade dos professores, Remuneração condigna do corpo docente, Vinculação orçamentária, Vitaliciedade e Inamovibilidade dos cargos.

A Constituição de 1969, formalmente Emenda Constitucional n. 1, de 17 de novembro de 1969, baixada pela Junta Militar que assumiu o governo entre a doença de Costa e Silva e a posse do general Emílio Garrastazu Médici, manteve os mesmos dispositivos relativos à educação anteriormente indicados, introduzindo apenas algumas mudanças de redação (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 1983, p. 75-76).

No entanto, a Constituição do regime militar, baixada em 1967, e a Emenda de 1969 voltaram a excluir a vinculação orçamentária. Constata-se, então, que o orçamento da União para educação e cultura caiu de 9, 6% em 1965 (RIBEIRO, 2003) para 4,31% em 1975 (VIEIRA, 1983).

A Constituição de 5 de outubro de 1988 dedica uma seção específica à educação (Seção I do Capítulo III, “Da Educação, da Cultura e do Desporto”), onde se estipula como base do ensino os princípios da “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”; “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”; “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”; “gratuidade do ensino público em estabelecimentos ofi ciais”; “valorização dos profissionais do ensino, garantindo, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União”; “gestão democrática do ensino público, na forma da lei” e “garantia de padrão de qualidade” (art. 206, incisos I a VII, apud VITA, 1989, p. 182).

Além desses enunciados, explicitamente nomeados como princípios, essa mesma Constituição estatui a autonomia universitária (art. 207); mantém os princípios da universalidade da educação; gratuidade e obrigatoriedade do ensino fundamental; liberdade de ensino; e restabelece a vinculação orçamentária, elevando os percentuais que passam para 18%, no caso da União, e para 25% nos casos dos estados, Distrito Federal e municípios (art. 212).

No entanto, como o texto constitucional estabelece esses percentuais mínimos em relação à “receita resultante de impostos”, além do desrespeito contumaz à norma estabelecida na Carta Magna, encontrou-se, especialmente a partir do governo FHC, outro mecanismo de burlar essa exigência. Passou-se a criar novas fontes de receita, nomeando-as, porém, não com a palavra “imposto”, mas utilizando o termo “contribuição”, como são os casos da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofi ns), Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico (Cide). A essas receitas, como não recebem o nome de impostos, não se aplica a vinculação orçamentária constitucional dirigida à educação.

 

PERSISTÊNCIA DO CONFLITO NA SITUAÇÃO ATUAL

Dada essa histórica resistência a investir na educação, o Brasil chegou ao final do século XX sem resolver um problema que os principais países, inclusive nossos vizinhos Argentina, Chile e Uruguai, resolveram na virada do século XIX para o XX: a universalização do ensino fundamental, com a consequente erradicação do analfabetismo. Para enfrentar esse problema, a Constituição de 1988 previu, nas disposições transitórias, que o poder público – nas suas três instâncias (a União, os estados e os municípios) – deveria, pelos dez anos seguintes, destinar 50% do orçamento educacional para essa dupla fi nalidade. Isso não foi feito. Quando esse prazo estava vencendo, o governo criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) com prazo de mais dez anos para essa mesma fi nalidade; e a LDB, por sua vez, instituiu a década da educação; seguiu-se a aprovação, em 2001, do Plano Nacional de Educação, que também se estenderia por dez anos. No fi nal de 2006, ao se esgotarem os dez anos do prazo do Fundef, foi instituído o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profi ssionais da Educação (Fundeb), com prazo de 14 anos, ou seja, até 2020. Agora, quando mais da metade do tempo do PNE já passou, vem um novo Plano – o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) – estabelecer Vicissitudes e perspectivas do direito à educação no Brasil: abordagem histórica e situação atual um novo prazo, desta vez de 15 anos, projetando a solução do problema para 2022.

Nesse diapasão, já podemos conjecturar sobre um novo Plano que será lançado em 2022, prevendo, quem sabe, mais vinte anos para resolver o mesmo problema. Vê-se, pois, que o direito à educação segue sendo proclamado, mas o dever de garantir esse

direito continua sendo protelado. No contexto atual a essa tendência protelatória é adicionado outro ingrediente, representado pela demissão do Estado que alimenta o recurso à filantropia e ao voluntariado, transferindo para a sociedade civil, em suas diferentes instâncias, a responsabilidade pela educação. Nos últimos vinte anos tal tendência vem se manifestando no fortalecimento da iniciativa privada e envolvendo uma franca privatização do ensino superior, dominado por grandes conglomerados com participação internacional por meio de ações na Bolsa de Valores; passa pelas parcerias público privadas, as famosas PPPs; pela conversão de dirigentes e ex-dirigentes da educação pública em consultores de grupos privados; pela adoção por governos municipais e estaduais de material didático produzido por grupos privados como COC, Anglo,Positivo, Objetivo, entre outros; e chega à responsabilização de toda a sociedade pela educação básica.

No Governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o apelo ao voluntariado teve sua manifestação mais conspícua num folheto publicitário distribuído pelo MEC para a Campanha “Acorda Brasil. Está na hora da escola”, lançado em março de 1995, portanto no início da gestão Paulo Renato. Nesse folheto apela-se aos cidadãos para patrocinar palestras, seminários e cursos de atualização nas escolas; para doar livros e assinaturas de jornais e revistas, materiais e recursos didáticos; prestar auxílio administrativo à escola; ministrar aulas de reforço para crianças com dificuldade de aprendizagem. Tudo se passa como se a educação tivesse deixado de ser assunto de responsabilidade pública a cargo do Estado, transformando-se em questão da alçada da filantropia. No Governo Lula esse papel está sendo desempenhado pelo Movimento “Todos pela Educação”, de iniciativa do empresariado paulista, que, a atestar a vigência da promiscuidade público-privada, veio a dar nome ao decreto que instituiu, em abril de 2007, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), o qual sintetiza a principal política educacional em vigor atualmente no Brasil.

Dir-se-ia que essa tendência do Poder Público em transferir a responsabilidade pela educação para o conjunto da sociedade, guardando para si o poder de regulação e de avaliação das instituições e dos resultados do processo educativo, operou uma inversão no princípio constitucional que considera a educação “direito de todos e dever do Estado”, passando-se a considerar a educação pública como dever de todos e direito do Estado. Por esse caminho será acentuada a equação perversa que marca a política educacional brasileira atual, assim caracterizada: filantropia + protelação + fragmentação + improvisação = precarização geral do ensino no país.

 

CONCLUSÃO: O SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO COMO GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO

A organização do sistema nacional de ensino foi a via adotada pelos principais países, a exemplo da Europa e também de nossos vizinhos Argentina, Chile e Uruguai, para assegurar o direito à educação às suas respectivas populações. O Brasil não seguiu esse caminho e, por isso, foi ficando para trás ao invocar recorrentemente, em especial na discussão dos projetos da primeira e da atual LDB, o argumento de que a adoção do regime federativo seria um fator impeditivo da instituição de um Sistema Nacional de Educação. Contrariamente a essa argumentação, eu diria que a forma própria de se responder adequadamente às necessidades educacionais de um país organizado sob o regime federativo é exatamente por meio da organização de um Sistema Nacional de Educação. Isso porque, sendo a Federação a unidade de vários estados que, preservando suas respectivas identidades, intencionalmente se articulam tendo em vista assegurar interesses e necessidades comuns, ela postula o sistema nacional. Este, no campo da educação, representa a união intencional dos vários serviços educacionais que se desenvolvem no âmbito territorial dos diversos entes federativos que compõem o Estado federado nacional.

Na construção do Sistema Nacional de Educação e na efetivação do Plano Nacional de Educação, deve-se levar em conta o regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, conforme disposto na Constituição Federal, efetuando uma repartição das responsabilidades entre os entes federativos, todos voltados para o mesmo objetivo de assegurar o direito de cada brasileiro, provendo uma educação com o mesmo padrão de qualidade a toda a população.

Na repartição das responsabilidades os entes federativos concorrerão na medida de suas peculiaridades e de suas competências específicas consolidadas pela tradição e confirmadas pelo arcabouço jurídico. Assim, as normas básicas que regularão o funcionamento do sistema serão de responsabilidade da União, consubstanciadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no Plano Nacional de Educação, traduzidas e especificadas pelas medidas estabelecidas no âmbito do Conselho Nacional de Educação. Os estados e o Distrito Federal poderão expedir legislação complementar, adequando as normas gerais a eventuais particularidades locais. Não incluo aqui os municípios porque a Constituição Federal não lhes confere a competência para legislar em matéria de educação. Veja-se o artigo 30 da Constituição que trata das competências dos municípios. O inciso VI assim reza: “manter, com a cooperação técnica e fi nanceira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental” (VITA, 1989, p. 122).

O financiamento do sistema será compartilhado pelas três instâncias, conforme o regime dos fundos de desenvolvimento educacional. Assim, além do Fundeb, Vicissitudes e perspectivas do direito à educação no Brasil: abordagem histórica e situação atual que deverá ser aperfeiçoado, cabe criar também um Fundo de Manutenção da Educação Superior (Fundes). Se, no caso do Fundeb, a maioria dos recursos provém de estados e municípios, cabendo à União um papel complementar, em relação ao Fundes a responsabilidade da União será dominante, entrando os estados apenas em caráter complementar, limitando-se aos casos de experiência já consolidada na manutenção de universidades.

A formação de professores, a definição da carreira e as condições de exercício docente constituem algo que não pode ser confiado aos municípios. Isso não é possível, de fato, porque a grande maioria dos municípios não preenche os requisitos para atuar nesse âmbito. E também não é possível, de direito, porque a própria LDB, pelo inciso V do artigo 11, os impede de atuar na formação de professores, uma vez que somente poderão se dedicar a outros níveis de ensino ulteriores ao fundamental “quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino”. Dado que a formação de professores ocorre, como regra, no nível superior e, transitoriamente, no nível médio, escapa aos municípios essa atribuição. Segue-se que as questões relativas ao magistério constituem matéria de responsabilidade compartilhada entre União e estados. A responsabilidade principal dos municípios incidirá sobre a construção e conservação dos prédios escolares e de seus equipamentos, assim como sobre a inspeção de suas condições de funcionamento, além, é claro, dos serviços de apoio como merenda escolar, transporte escolar, entre outros. Efetivamente, são esses os aspectos em que os municípios têm experiência consolidada. Os municípios, de modo geral, estão equipados para regular, por uma legislação própria, a ocupação e uso do solo. Rotineiramente, cabe às prefeituras examinar projetos relacionados aos mais variados tipos de construção, verificando sua adequação à finalidade da obra a ser construída. Assim, quer se trate de moradias, de hospitais, de restaurantes, de igrejas, entre outras obras, o órgão municipal irá verificar se o projeto atende às características próprias do tipo de construção preconizado à luz da finalidade que lhe caberá cumprir. Ora, é evidente que, em se tratando das escolas, as prefeituras também podem cumprir, sem qualquer dificuldade, essa função.

Poder-se-ia argumentar que esse tratamento dado aos municípios reduziria sua importância e o grau de sua autonomia. Deve-se frisar, contudo, que a diferença de graus de autonomia não significa redução de importância para as instâncias que detêm menor autonomia. É comum afirmar-se que o município é a instância mais importante, pois é aí onde, concretamente, vivem as pessoas. Desse ponto de vista, o estado e a União se configuram como instâncias abstratas, já que sua realidade se materializa, de fato, no recorte dos municípios. Ora, mas se assim é, então está claro que a configuração dos estados e da União, sua estrutura, sua organização e administração são operadas por indivíduos concretos, cidadãos reais, ou seja, os habitantes dos municípios. Portanto, se a autonomia se concentra mais nos estados do que nos municípios é porque, no âmbito do estado, ela se exercita em relação a todos os municípios que o integram e não apenas por parte de cada município em confronto com os demais. O mesmo se diga da União, cuja autonomia se exerce em relação a todas as unidades federativas e não apenas na contraposição entre elas. Em última instância, são os munícipes que atuam simultaneamente nas três instâncias que, obviamente, se fortalecem reciprocamente, na medida em que se estreitam os laços de articulação que as unem em torno de propósitos e interesses comuns.

Não cabe, pois, postularem-se autonomias artificiais, enunciando discursos que não correspondem à realidade efetiva. No caso da educação, para ficar no nosso campo de interesse, o discurso da autonomia local ou regional com as normas decorrentes teve efeitos bem diferentes do proclamado, o que pode ser constatado tanto no plano diacrônico, isto é, historicamente, como no plano sincrônico, ou seja, nas condições atuais. Assim, por exemplo, a historiografia registra que o Ato Adicional de 1834 teve o propósito de descentralizar a instrução primária, conferindo maior grau de autonomia às províncias, o que lhes permitiria maior margem de criatividade e adequação da instrução às suas necessidades e características específicas. Mas não foi propriamente isso o que ocorreu. A tendência que prevaleceu foi que, embora as reformas do governo imperial tivessem validade apenas para o chamado município neutro, isto é, a cidade do Rio de Janeiro, capital do Império, as províncias acabavam por tomá-las como modelo na organização da instrução pública nos respectivos territórios, reproduzindo as mesmas medidas adotadas pelo governo central.

A partir de um estudo minucioso das fontes primárias representadas pela legislação educacional do Império brasileiro e pelos relatórios dos presidentes de províncias e dos inspetores de instrução pública, André Castanha analisou os currículos

da escola primária, os métodos de ensino, os castigos e prêmios, os livros e manuais didáticos, o perfi l dos professores, as condições para o exercício do magistério, as escolas normais e os alunos-mestres (CASTANHA, 2007), constatando significativas semelhanças nesses diferentes aspectos nas províncias estudadas, o que se explica pelo fato de que “as províncias seguiram as orientações dos centros mais desenvolvidos, especialmente da Corte e Província do Rio de Janeiro, reproduzindo nas respectivas legislações provinciais os mesmos princípios e dispositivos do centro irradiador” (ibid., p. 510). E isso vem se repetindo, em maior ou menor grau, até os dias atuais.

A melhor forma de fortalecer as instâncias locais não é, necessariamente, conferir-lhes autonomia, deixando-as, de certo modo, à própria sorte. Na verdade, Vicissitudes e perspectivas do direito à educação no Brasil: abordagem histórica e situação atual a melhor maneira de respeitar a diversidade dos diferentes locais e regiões é articulá-los no todo, e não isolá-los. Isso porque o isolamento tende a fazer degenerar a diversidade em desigualdade, cristalizando-a pela manutenção das deficiências locais.

Inversamente, articuladas no sistema, enseja-se a possibilidade de fazer reverter as deficiências, o que resultará no fortalecimento das diversidades em benefício de todo o sistema. Por isso, considero equivocada a política de municipalização do ensino fundamental. Seu efeito está sendo exacerbar as desigualdades de vez, o que leva ao seguinte resultado: municípios pobres têm uma educação pobre, municípios remediados, uma educação remediada e municípios ricos, uma educação de melhor qualidade.

Em suma, o Sistema Nacional de Educação integra e articula todos os níveis e modalidades de educação com todos os recursos e serviços que lhes correspondem, organizados e geridos, em regime de colaboração, por todos os entes federativos sob coordenação da União. Fica claro, pois, que a repartição das atribuições não implica a exclusão da participação dos entes aos quais não cabe a responsabilidade direta pelo cumprimento daquela função. Eles participarão por meio dos respectivos colegiados, acompanhando e apresentando subsídios que venham a tornar mais qualificadas as decisões tomadas. E assumirão responsabilidades diretas nos aspectos que lhes correspondem, por meio das Secretarias e Conselhos Estaduais de Educação e das Secretarias e Conselhos Municipais de Educação, sempre que tal procedimento venha a concorrer para a flexibilização e maior eficácia da operação do sistema sem prejuízo, evidentemente, do comum padrão de qualidade que caracteriza o Sistema Nacional de Educação.

Devemos caminhar resolutamente na via da construção de um verdadeiro Sistema Nacional de Educação, isto é, um conjunto unificado que articula todos os aspectos da educação no país inteiro, com normas comuns válidas para todo o território

nacional e com procedimentos também comuns, visando a assegurar educação com o mesmo padrão de qualidade a toda a população do país. Não se trata, portanto, de se entender o Sistema Nacional de Educação como um grande guarda-chuva com a mera função de abrigar 27 sistemas estaduais de ensino, incluído o do Distrito Federal, o próprio sistema federal de ensino e, no limite, 5.570 sistemas municipais de ensino, supostamente autônomos entre si. Se for aprovada uma proposta nesses termos, o Sistema Nacional de Educação se reduzirá a uma mera formalidade, mantendo-se, no fundamental, o quadro de hoje com todas as contradições, desencontros, imprecisões e improvisações que marcam a situação atual, de fato avessa às exigências da organização da educação na forma de um sistema nacional.

É preciso, pois, instituir um sistema nacional em sentido próprio que, portanto,

não dependa das adesões autônomas e “a posteriori” de estados e municípios. Sua adesão ao sistema nacional deve decorrer da participação efetiva na sua construção, submetendo-se, em consequência, às suas regras. Não se trata, pois, de conferir a estados e municípios, a partir dos respectivos sistemas autônomos, a prerrogativa de aderir ou não a este ou àquele aspecto que caracteriza o sistema nacional. E não cabe invocar a cláusula pétrea da Constituição referente à forma federativa de Estado com a consequente autonomia dos entes federados. Isso porque o Sistema Nacional de Educação não é do governo federal, mas é da Federação, portanto, dos próprios entes federados que o constroem conjuntamente e participam, também em conjunto, de sua gestão.

Concebido na forma indicada e efetivamente implantado o Sistema Nacional de Educação, seu funcionamento será regulado pelo Plano Nacional de Educação, ao qual cabe, a partir do diagnóstico da situação em que o sistema opera, formular as diretrizes, definir as metas e indicar os meios pelos quais as metas serão atingidas no período de vigência do plano definido, pela nossa legislação, em dez anos.

Se o caminho que acabo de apontar for efetivamente seguido, o direito à educação estará assegurado a todos os brasileiros. Entretanto, se novamente enveredarmos por disputas localistas, perdendo de vista o objetivo maior da construção de um sistema educacional sólido, consistente, regido por um mesmo padrão de qualidade que torne a educação pública acessível a toda a população do país sem uma única exceção, mais uma vez estaremos adiando a solução do problema educativo. E as perspectivas não serão nada animadoras, pois um país que não cuida seriamente da educação de suas crianças e jovens, propiciando às novas gerações uma formação adequada, está cassando o próprio futuro.

FICHAMENTO: Políticas públicas e gestão da educação em tempos de redefinição do papel do Estado / Vera Maria Vidal Peroni / Universidade Federal do Rio Grande do Sul


Edneide Silva

                 O artigo tem como foco principal as políticas educacionais, sendo vistas em um dado momento do capitalismo, em que está ocorrendo redefinições no papel do Estado e onde os direitos à educação foram conquistados, mas há dificuldade para implementá-los.

Segundo, Evaldo Vieira (1997) em nosso país as políticas sociais, percorreram três momentos políticos no último século: “o primeiro período de controle da política (que corresponde à ditadura de Getúlio Vargas e ao populismo nacionalista); o segundo período de política do controle (da ditadura militar em 1964 até o final do período constituinte em 1988)” e o terceiro período, denominado, pelo autor, de “política social sem direitos sociais”, iniciou-se em 1988 e está em plena vigência. A política social que, por um lado, nunca havia recebido tanto acolhimento por parte de uma constituição no Brasil, como ocorreu na de 1988, por outro, simplesmente não viu esses direitos praticados e nem mesmo regulamentados (quando exigiam regulamentação). Ao entender que a política educacional é parte da redefinição do papel do Estado, não a entendemos com uma relação de determinação, mas como partes de um mesmo movimento deste período particular do capitalismo. Portanto, a primeira parte do texto trata das mudanças que ocorreram no contexto macro-social, ressaltando principalmente as influências da Teoria Neoliberal e da Terceira Via para a redefinição do papel do Estado no Brasil.

A segunda parte discute a atual função social da educação e a política educacional que, apesar de ter como objetivo o acesso de todos na escola, tenta induzir a qualidade através da avaliação institucional, ao invés de construir políticas educacionais que proporcionem a qualidade. Essa qualidade muitas vezes entendida como a lógica de mercado no público, impactando principalmente a gestão educacional. E o sistema público, impelido principalmente pelas avaliações, a buscar um padrão externo de qualidade, acaba procurando a parceria com instituições privadas, como é o caso do Instituto Ayrton Senna.

No Brasil, a atual política social é parte do projeto de reforma do Estado que tem, como diagnóstico aquele proposto pelo neoliberalismo, e partilhado pela Terceira Via, de que não é o capitalismo que está em crise, mas o Estado. A estratégia, portanto, é reformar o Estado e diminuir sua atuação para superar a crise. O mercado é que deverá superar as falhas do Estado, e assim a lógica do mercado deve prevalecer inclusive no Estado, para que ele possa ser mais eficiente e produtivo. O Terceiro Setor é a estratégia proposta pela Terceira Via, em substituição à proposta de privatização do Neoliberalismo. Com base em autores como Mészàros (2002), Antunes (1999) e Harvey (1989), há quem defenda a tese contrária de que a crise atual não se encontra no Estado, é uma crise estrutural do capital. As estratégias de superação da crise como o Neoliberalismo, a Globalização, a Reestruturação Produtiva e a Terceira Via é que estão redefinindo o papel do Estado.

Dessa forma, tendo como diagnóstico que a crise está no Estado, o governo Fernando Henrique Cardoso propôs em 1995 o Projeto de Reforma do Estado apresentado pelo MARE (Ministério da Administração e Reforma do Estado). De acordo com o documento, a

reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento (BRASIL, MARE,1995, p. 12).

O documento aponta, ainda, que o Estado gerou distorções e ineficiências ao tentar assumir funções diretas de execução, e, nesse sentido, “reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado” (BRASIL, MARE, 1995, p.11). Portanto, o que aparentemente seria uma proposta de Estado mínimo, configura-se como realidade de Estado mínimo para as políticas sociais e de Estado máximo para o capital. (Peroni, 2003).

As estratégias de reforma do Estado no Brasil são: a privatização, a publicização e a terceirização. Terceirização, conforme Bresser Pereira, é o processo de transferência para o setor privado dos serviços auxiliares ou de apoio. A publicização consiste “na transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos que hoje o Estado presta” (PEREIRA, 1997, p. 7). Publicização, no Plano, significa “transformar uma organização estatal em uma organização de direito privado, pública, não-estatal” (PEREIRA, 1997, p. 8). As políticas sociais foram consideradas serviços não-exclusivos do Estado e, assim sendo, de propriedade pública não-estatal ou privada.

O papel do Estado para com as políticas sociais é alterado, pois com este diagnóstico duas são as prescrições: racionalizar recursos e esvaziar o poder das instituições, já que instituições democráticas são permeáveis às pressões e demandas da população, além de serem consideradas como improdutivas, pela lógica de mercado. Assim, a responsabilidade pela execução das políticas sociais deve ser repassada para a sociedade: para os neoliberais através da privatização (mercado), e para a Terceira Via pelo público não-estatal (sem fins lucrativos) (PERONI, 2006, p. 14).

Destaca-se, portanto, que o Plano de Reforma do Estado no Brasil teve influências do neoliberalismo, tanto no diagnóstico, de que a crise está no Estado, quanto na estratégia de privatização que é parte do Plano, mas também sofreu influências da Terceira Via, que é atual social-democracia e tanto o Presidente da época, quanto o Ministro da Reforma do Estado, Bresser Pereira, além de filiados ao Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), eram intelectuais orgânicos da Terceira Via.

Neste redesenho, verificamos que o Estado se retira da execução e permanece com parte do financiamento (propriedade pública não-estatal), mas também, o que permanece sob a propriedade do Estado passa a ter a lógica de mercado na gestão (quase-mercado).(PERONI, 2007, p.16 )

Apesar do governo eleito em 2002 e reeleito em 2006 não ter filiação com a Terceira Via, como o anterior, não revogou o Plano Diretor da reforma do estado e tem assumido tanto as estratégias de público não estatal quanto do quase mercado.

Wood destaca que o conceito de democracia em uma sociedade sob a hegemonia do capitalismo não pode ser visto em abstrato, pois afinal: “É o capitalismo que torna possível uma forma de democracia em que a igualdade formal de direitos políticos tem efeito mínimo sobre as desigualdades ou sobre as relações de dominação e de exploração em outras esferas” (WOOD, 2003, p. 193).

Verifica-se, mais uma vez, a separação entre o econômico e o político e o esvaziamento da democracia. A correlação de forças sociais se perde neste enorme consenso onde sociedade civil e Banco Mundial parecem ter os mesmos interesses. Resta discutir: que sociedade civil? Como se todos tivessem os mesmos interesses em uma sociedade capitalista, onde as classes não foram superadas.

No Brasil, a formação do Estado nacional liberal conviveu com o escravismo e o latifúndio, o que em si é uma contradição, já que o capitalismo tem como base o trabalho assalariado e a produtividade. Enquanto em outros países da América Latina, a população lutou pela independência, pela República, no Brasil, apesar das reivindicações sociais, as mudanças ocorreram através de pactos pelo alto, possibilitando aos grupos mais conservadores permanecerem no poder.

O Estado nacional independente foi liberal apenas nas suas bases formais, pois, na prática, foi instrumento da dominação patrimonialista em nível político. Essa dificuldade de o Estado romper com o passado determinou o que Florestan Fernandes chamou de “Estado-amálgama”: “Por ser um amálgama, ele preencheu as funções mutuamente exclusivas e inconsistentes a que devia fazer face, entendendo a organização política e a ordem legal através e além do vazio histórico deixado pela economia colonial, pelo mandonismo e pela anomia social” (FERNANDES, 1976, p. 68).

Outra característica marcante da constituição do Estado brasileiro foi que as relações sociais de exploração, historicamente, deram-se via coerção violenta, mas também via “ideologia do favor” de forma dissimulada e manipuladora.

Essas marcas da história são parte constitutiva das relações políticas que ainda hoje se estabelecem no Brasil. Essa questão é fundamental ao analisar a política social como um direito em contraposição à ideologia do favor arraigados na nossa cultura política.

Os anos 1980 foram marcados por um processo de abertura política depois de um longo período de ditadura. Foi um momento de grande participação popular e de organização da sociedade na luta pelos seus direitos. Nesse contexto, os eixos principais dos movimentos sociais estavam vinculados à democracia, à gestão democrática do Estado, participação da comunidade, enfim, parte do movimento de luta por uma sociedade mais justa e igualitária e por direitos sociais.

Mas a construção da democracia encontrou enormes obstáculos. O Brasil viveu um processo de abertura pactuado com as forças da ditadura. E, quando estava avançando alguns passos na participação popular e na luta por direitos sociais, sofreu o impacto das estratégias do capital para superação de sua crise: neoliberalismo, globalização e reestruturação produtiva, que já estavam em curso no resto do mundo e vinham em sentido contrário a esse movimento.

O esvaziamento do conteúdo da democracia e a separação entre o econômico e o político são evidentes. Perdeu-se a discussão das políticas sociais como a materialização de direitos sociais.

As lutas e conquistas dos anos 1980, de direitos universais, deram lugar à naturalização do possível, isto é, se um Estado “em crise” não pode executar políticas, repassa para a sociedade civil, que vai focalizar nos mais pobres para evitar o caos social. O Estado apenas repassa parte do financiamento, e avalia. O Estado passa a ter o papel mais avaliador do que executor.

A questão passa a ser todos na escola com qualidade, mas que qualidade? Essa indagação remete ao debate acerca da função social da escola neste período particular do capitalismo, de tantas mudanças no contexto sócio político e econômico. O debate diz respeito ao acesso não apenas à vaga na escola, mas ao conhecimento. Vive-se em período de muita informação, com fácil acesso a notícias, via internet, TVs, jornais, mas para entendê-las é necessário ter acesso à linguagem específica de cada uma das áreas, aos conceitos; e ainda é preciso abstrair, relacionar, para entender e poder posicionar-se frente ao mundo.

A própria reestruturação produtiva exige um outro trabalhador, com capacidade de raciocinar, resolver problemas, trabalhar em equipe, dar respostas muito rápidas, como visto em relatórios como o SCAM 2000, que pensava como deveriam ser as escolas no ano 2000 nos EUA para dar respostas ao setor produtivo, ou o próprio relatório Delors (UNESCO). Quer dizer, a função social da escola é proposta por alguns organismos internacionais e pelo empresariado, que esperam que as escolas apenas respondam ao setor produtivo, um retorno à teoria do capital humano. Outros, como o Banco Mundial (1995), que evitem o caos social retirando as crianças das ruas. E para a sociedade, qual é a função social da escola? A resposta a esta pergunta dará pistas para responder à pergunta anterior sobre que qualidade. Sem fazer essas perguntas, acaba-se analisando separadamente as políticas educacionais atuais, como se tivessem um fim em si mesmas.

Nos itens seguintes, algumas políticas são apresentadas , relacionando-as ao contexto atual.

 

Avaliação Institucional

As políticas atuais têm a avaliação como indutora da qualidade, naquela perspectiva de que o Estado deve ser o avaliador, o coordenador e não mais o executor. Além disso, há também o conteúdo da avaliação, quer dizer, o que vai ser avaliado importa já que diz o que deverá ser ensinado, e remete à escola que se quer, e mais uma vez à função social da escola hoje.

Quanto à avaliação como indutora da qualidade, é uma total inversão ao objetivo proclamado das avaliações institucionais, que deveriam ser diagnósticas, dando elementos para a elaboração de políticas e, ao contrário, acaba por ser meritocrática, culpabilizando as escolas e mais especificamente os professores pelo sucesso ou fracasso escolar, como se o sistema público não fosse responsável pela rede de escolas e sua qualidade.

Quanto ao que vai ser avaliado, também tem uma relação direta com as redefinições do papel do Estado, já que está intimamente vinculado à reestruturação produtiva, na discussão sobre os standards ou o conteúdo da avaliação.

Outra questão importante de materialização das redefinições do papel dos Estado nas políticas de avaliação é a terceirização. Quem define o que será avaliado? Esta questão foi analisada no texto: Perspectivas da gestão democrática da Educação: avaliação institucional:

“O processo de avaliação se iniciou, em parte, por determinação dos organismos internacionais, que exigiam, nos seus projetos, a avaliação, mas também foi influenciado por discussões sobre a qualidade do sistema educacional, a democratização e a transparência na gestão; enfim, os eixos que caracterizamos como sendo inerentes aos anos 80. O próprio Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), no início, construía sua matriz com base nas discussões com os estados, procedimento que foi interrompido com a terceirização, sendo que, a partir de 1995, passaram a ser entidades de fora do Estado que definiam a avaliação institucional, sem haver consultas ou debates com os setores envolvidos no processo. Verificamos assim que, mais uma vez, nos anos 90, os atores envolvidos no debate educacional foram silenciados. (PERONI, 2006b, p. 152)

Outra importante questão, quando se discuti avaliação institucional, é: afinal, o que é feito com os resultados? Luis Carlos Freitas, no Seminário organizado pela UNESP, USP e UNICAMP, questionava: as avaliações, os indicadores que o Brasil dispõem, já são suficientes para um ótimo diagnóstico da realidade educacional; a questão é o que é feito com os resultados. Diagnosticado o problema, quais são as políticas que estão sendo propostas para resolvê-los?

Educação para TODOS

Nos debates sobre a qualidade da educação, a principal questão é pensar em uma educação de qualidade para todos, o que é muito diferente de pensar em educação de qualidade para alguns. A escola historicamente não atendeu a todos, o direito à educação requer que se pense uma escola para os que historicamente estiveram fora.

Neste sentido, pensar a escola como no passado, quando não era para todos, pouco ou nada resolve, já que a grande questão atual é como incorporar os que estiveram fora e como a escola vai ser de qualidade para todos, já que ela foi pensada para aqueles que tiveram estabilidade social, econômica e possibilidades culturais. A escola para os sujeitos em vulnerabilidade social, com todos os seus problemas, passa a ser o grande desafio. Expulsar o aluno da escola é o que historicamente foi feito; assim, a questão é como não apenas ter acesso, mas permanecer e ter acesso ao conhecimento a que tem direito. Várias experiências no Brasil e no mundo têm trazido avanços nesta perspectiva, mas, na maioria dos casos, a educação de qualidade para TODOS ainda está muito distante.

Público- privado na educação

As redefinições do papel do Estado também restabelecem as fronteiras entre o público e o privado, principalmente através do público não estatal e do quase-mercado e o esvaziamento da democracia, como direitos, materializada em políticas sociais neste contexto.

Com o público não estatal a propriedade é redefinida, deixa de ser estatal e passa a ser pública de direito privado. Verificamos dois movimentos que concretizam a passagem da execução das políticas sociais para o público não estatal: ou através do público que passa a ser de direito privado ou o estado faz parcerias com instituições do Terceiro Setor para a execução das políticas sociais.

Com o quase mercado a propriedade permanece sendo estatal, mas a lógica de mercado é que orienta o setor público. Principalmente por acreditar que o mercado é mais eficiente e produtivo do que o Estado, como é a teoria neoliberal que embasa este pensamento.

Como afirma DALE são muitas as dimensões da relação público privado:

o que está envolvido não é tanto uma deslocação direta do público para o privado, mas um conjunto muito mais complexo de mudanças nos mecanismos institucionais através dos quais são regulados o que continuam a ser essencialmente sistemas educativos estatais. (DALE, 1994, p. 112)

O repasse de dinheiro público para o privado não é algo novo, mas que tem se transformado na própria política pública, principalmente nos casos em que o governo apenas repassa recursos para as ONGs, ou instituições privadas executarem as políticas sociais. O outro movimento a destacar é o conteúdo, isto é, a lógica privada no público, como ocorre, por exemplo, no Programa Rede Vencer do Instituto Ayrton Senna, que realiza parcerias com redes públicas de ensino e entre seus projetos está um que monitora através do Sistema Instituto Ayrton Senna de Informação (SIASI) determinando, assim onde a escola deve melhorar e influenciando na gestão e currículo escolares. Neste caso, as redes públicas não recebem investimentos do Instituto, ao contrário pagam por este monitoramento. É também o caso de outros Programas do Instituto, como as Classes de Aceleração e a Alfabetização, em que os municípios pagam pelos Kits, e o pior é que têm a proposta pronta passo a passo, determinando assim o currículo da escola pública. São dois questionamentos: o Instituto vive principalmente de dinheiro das empresas que deixam de pagar impostos e entrar nos 25% da educação e, além de perderem esse dinheiro, os municípios pagam o material, e ainda envolvem toda a rede de ensino público. Professores, coordenadores pedagógicos, diretores, quadros das secretarias de educação, todos, enfim, passam a definir suas atividades em função das determinações do Instituto, tanto na área de gestão, como na pedagógica, redefinindo assim o espaço público e sua autonomia. (PERONI, 2006a)

Outro exemplo na educação, foi o Programa Dinheiro Direto na Escola que instituiu a obrigatoriedade para o recebimento dos recursos da criação de Unidades Executoras, de direito privado nas escolas públicas.

Gestão democrática

Avançando nos estudos e pesquisas sobre a necessidade de entender a gestão democrática como processo de construção, o que implicaria em mudanças culturais profundas. Muito debatem sobre entendê-la não apenas como um meio, mas também como um fim, já que a participação em si é pedagógica e estratégica, pois só se pode participar, participando. No entanto, atualmente a gestão democrática, que inclusive é princípio constitucional, está, na prática, cada vez menos sendo construída. Muitas vezes, o termo soa como algo que ficou no passado, quando, na realidade, estava ainda dando seus primeiros passos, já que a gestão educacional historicamente teve grande influência do patrimonialismo, da burocracia, e como parâmetro o mercado. Assim, o novo, a ser construído, é a gestão democrática.

Muito a sociedade lutou para garantir a gestão democrática como princípio constitucional, mas implantá-la é um longo processo que requer diálogo e participação coletiva de todos os envolvidos: pais, alunos, professores, direção colegiada, enfim, a sociedade como um todo, já que os rumos da educação transcendem a um governo, são decisões de Estado, em todas as suas instâncias – escola, conselhos de educação, secretarias municipais e estaduais, Ministério da Educação.

A autonomia da escola, a eleição de diretores, o conselho escolar, são alguns pilares que materializam a gestão democrática, mas não são suficientes para mudar a histórica cultura autoritária. É necessário políticas que ampliem as possibilidades de democratização da educação. Pesquisas demonstram que não se analisa gestão democrática em abstrato. Os indicadores têm são: o direito à educação, isto é: ampliou-se o acesso, a permanência, o conhecimento? Melhorou o financiamento da educação? A valorização do magistério? Quer dizer, para analisarmos se um sistema educacional avançou na gestão democrática e na qualidade da educação, analisamos as políticas educacionais propostas, além dos índices quantitativos.

Enfim, a gestão educacional é outra política que mudou muito com as redefinições do papel do Estado, pois dado o diagnóstico neoliberal, partilhado pela Terceira Via, de que o culpado pela crise é o Estado, e o mercado é sinônimo de eficiência, toda a gestão pública passa a ter como referência a lógica empresarial.

Quer dizer que está mais uma vez vinculada à qualidade, mas aqui no caso, uma qualidade que tem como parâmetro o mercado. Volta a questão: que qualidade? Para quem? Executada por quem? Quer dizer quem é o responsável?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante ressaltar que o eixo das políticas educativas foi se redefinindo. No período de abertura política era centrado principalmente na democratização da escola, mediante a universalização do acesso, e a gestão democrática centrada na formação do cidadão. Atualmente ocorre a mudança dessa centralidade, passando-se a enfatizar a qualidade, entendida como produtividade. O eixo é a busca de maior eficiência e eficácia via controle de qualidade, da descentralização de responsabilidades, da terceirização de serviços e da autonomia da escola.

Os anos 1980 foram marcados por um processo de abertura política depois de um longo período de ditadura. Foi um momento de grande participação popular e de organização da sociedade na luta pelos seus direitos. Nesse contexto, os eixos principais dos movimentos sociais estavam vinculados à democracia, à gestão democrática do Estado, participação da comunidade, enfim, parte do movimento de luta por uma sociedade mais justa e igualitária e por direitos sociais.

Como parte deste movimento, houve avanços na luta pelo direito à educação, entendido não apenas como acesso à escola, mas ao conhecimento e a uma maior participação nas definições educacionais. A gestão democrática passa a ser parte integrante da luta por educação de qualidade. Mas a construção da democracia encontrou enormes obstáculos. O Brasil viveu um processo de abertura pactuado com as forças da ditadura. E, quando estava avançando alguns passos na participação popular e na luta por direitos sociais, sofreu o impacto das estratégias do capital para superação de sua crise: neoliberalismo, globalização e reestruturação produtiva, que já estavam em curso no resto do mundo e vinham em sentido contrário a esse movimento.(PERONI, 2007).

As lutas e conquistas dos anos 1980, de direitos universais, deram lugar à naturalização do possível, isto é, se um Estado “em crise” não deve executar políticas sociais, repassa para a sociedade civil, que vai focalizar nos mais pobres para evitar o caos social. O Estado apenas repassa parte do financiamento, e avalia.

E, essas redefinições do papel do Estado restabelecem as fronteiras entre o público e o privado, principalmente através do público não estatal e do quase-mercado e o esvaziamento da democracia, como direitos, materializada em políticas sociais.

No Brasil, não temos um histórico democrático e de participação efetiva da sociedade na luta por direitos sociais, materializados em políticas públicas. No período de abertura política, a sociedade começou a dar os primeiros passos nesse sentido. Mas, no resto do mundo, a democracia e a participação eram questionadas como as responsáveis pela crise do Estado, já que para atender às demandas dos grupos organizados o Estado teria investido em políticas sociais, gastado demais e gerado a crise fiscal e a inflação, a democracia passa a ser combatida não mais por uma ditadura, mas no plano político e ideológico, e com a ajuda dos meios de comunicação, passa-se a relacionar a luta por direitos como atos contra a nação. Os culpados pela crise seriam os funcionários públicos e o investimento nas políticas sociais. (PERONI, 2008).

Tem ainda a influência da Terceira Via, que não vê a democracia como inimiga, mas como instrumental à retirada do Estado das políticas sociais. Apela-se para a subjetividade das pessoas através da ajuda mútua, da solidariedade, da filantropia, enquanto o dinheiro público dos impostos é deslocado para a esfera financeira.

Assim, o processo democrático dá-se como parte da correlação de forças políticas. Portanto, a questão central não pode ser sociedade civil X Estado, pois assim está se deslocando o eixo central que é a correlação de forças por projetos de sociedade, para perpetuar a sociedade do capital ou superá-la. Assim como não acreditamos em sociedade civil em abstrato, também não é possível crer que apenas ficando na esfera do Estado o interesse público esteja garantido, pelo menos não em uma sociedade hegemonizada pelo capital. Os interesses de classes perpassam sociedade civil e Estado. Portanto, urge localizar o debate em um contexto próprio onde o Estado se retira das políticas sociais e repassa para a sociedade, ocorrendo perdas de direitos.

Mais especificamente na política educacional, ao mesmo tempo em que se avança na luta por uma educação para todos, o Estado passa de executor a apenas o avaliador e indutor da qualidade através da avaliação. A gestão democrática passa a dar lugar para a gestão empresarial, já que o mercado é parâmetro de qualidade.

A grande questão atual é a função social da escola neste período particular do capitalismo de tantas mudanças. O capital sabe muito bem que escola quer, e os que querem superá-lo, devem começar a ser mais propositivos depois de décadas na defensiva.