Século
XVIII foi a era dos direitos civis
|
Século XIX
vicejaram os direitos políticos
|
Século XX,
chegou a vez dos direitos sociais
|
No
âmbito da referida classificação, a educação figura como um direito social, sendo
mencionada no enunciado do artigo 6º da Constituição Federal de 1988, atualmente
em vigor, como o primeiro dos direitos sociais: “são direitos sociais a educação,
a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”
(VITA, 1989, p. 111).
No
entanto, é preciso considerar que essa classificação tripartite dos direitos individuais
resulta um tanto formalista, não espelhando a realidade em suas múltiplas determinações,
articulações e contradições. Com efeito, a educação, para além de se constituir
em determinado tipo de direito, o direito social, configura-se como condição
necessária, ainda que não sufi ciente, para o exercício de todos os direitos, sejam
eles civis, políticos, sociais, econômicos ou de qualquer outra natureza. Isso porque
a sociedade moderna, centrada na cidade e na indústria, assumindo a forma de
uma sociedade de tipo contratual, substituiu o direito natural ou
consuetudinário pelo direito positivo. Isto quer dizer que a sociedade
urbano-industrial se baseia em normas escritas. Portanto, a participação ativa
nessa sociedade, vale dizer, o exercício dos direitos de todo tipo, pressupõe o
acesso aos códigos escritos. Eis porque esse mesmo tipo de sociedade erigiu a
escola em forma principal e dominante de educação e advogou a universalização
da escola elementar como forma de converter todos os indivíduos em cidadãos,
isto é, em sujeitos de direitos e deveres. Tal importância da educação escolar
acentua-se ainda mais no contexto atual da chamada “sociedade do conhecimento”.
Aliás, importa lembrar que, apesar de sua ampla difusão, a denominação de
“sociedade do conhecimento” não é apropriada para caracterizar a época atual.
Melhor seria, talvez, falar-se em “sociedade da informação”. Isso porque conhecimento
implica a capacidade de compreender as conexões entre os fenômenos, captar o
significado das coisas, do mundo em que vivemos. E hoje parece que quanto mais
informações circulam de forma fragmentada pelos mais diferentes veículos de comunicação,
mais difícil se torna o acesso ao conhecimento que nos permitiria compreender o
significado da situação em que vivemos. Nesse contexto, a escola se torna ainda
mais fundamental, porque a ela cabe justamente fornecer os elementos que permitam
àquele que tem acesso à informação discriminar as informações falsas das verdadeiras,
o que é consistente do inconsistente, o relevante do irrelevante.
Contudo,
como se sabe, importa distinguir entre a proclamação de direitos e a sua
efetivação. A cada direito corresponde um dever. Se a educação é proclamada como
um direito e reconhecido como tal pelo poder público, cabe a esse poder a
responsabilidade de prover os meios para que o referido direito se efetive. Eis
porque se impôs o entendimento de que a educação é direito do cidadão e dever
do Estado. E, para dar cumprimento a esse dever garantindo, em conseqüência, o
direito à educação, os principais países se empenharam, a partir da segunda
metade do século XIX, em implantar os respectivos sistemas nacionais de
educação, erigidos no caminho efetivo para universalizar a escola básica.
Vê-se, pois, que o papel do Sistema Nacional de Educação é dar efetividade à
bandeira da escola pública universal, obrigatória, gratuita e laica.
No
Brasil, a proclamação da educação como direito foi se incorporando ao discurso dominante
e, progressivamente, foi sendo também consagrada na ordenação legal, culminando
com o disposto na Seção I (Da Educação), integrante do Capítulo III
(Da Educação, da Cultura e do Desporto) do Título VIII (Da Ordem Social) da Constituição
Federal vigente, promulgada em 5 de outubro de 1988 (VITA, op. cit., p.
182-184). E o primeiro dispositivo dessa Seção, o artigo 205, proclama a educação
como direito de todos e dever do Estado e da família. Não bastasse a clareza
desse enunciado, a norma é reforçada pelos parágrafos 1º e 2º do artigo 208, os
quais estabelecem que “o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público
subjetivo” (§1º) e que “o não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder
Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente”
(§2º).
No
entanto, em que grau o Estado assumiu, ao longo da história do Brasil, o dever
correlato de garantir o direito de todos à educação?
O CONFLITO ENTRE O DIREITO À
EDUCAÇÃO E O DEVER DE EDUCAR NA HISTÓRIA DO BRASIL
Pode-se
considerar que a primeira medida do Estado visando a prover o acesso à educação
no Brasil foram os “Regimentos” de D. João III, editados em dezembro de 1548,
para orientar as ações do primeiro governador geral do Brasil, Tomé de Souza,
que aqui chegou em 1549, acompanhado de quatro padres e dois irmãos jesuítas
chefiados por Manuel da Nóbrega. Nesse mesmo ano, os jesuítas deram início à
obra educativa centrada na catequese, guiados pela orientação contida nos
referidos “Regimentos”, cumprindo, pois, um mandato que lhes fora delegado pelo
rei de Portugal. Nessa condição cabia à Coroa manter o ensino, mas o Rei
enviava verbas para a manutenção e a vestimenta dos jesuítas; não para construções.
Então, como relata o padre Manuel da Nóbrega em carta de agosto de 1552, eles
aplicavam os recursos no colégio da Bahia “e nós no vestido remediamo- -nos com
o que ainda do reino trouxemos, porque a mim ainda me serve a roupa com que
embarquei... e no comer vivemos por esmolas” (HUE, 2006, p. 68).
Em
1564, a Coroa portuguesa adotou o plano da redízima, pelo qual dez por cento de
todos os impostos arrecadados da colônia brasileira passaram a ser destinados à
manutenção dos colégios jesuíticos. A partir daí iniciou-se uma fase de
relativa prosperidade, dadas as condições materiais que se tornaram bem mais favoráveis.
Luiz Alves de Matt os (1958) compara a fase anterior, que ele chama de “período
heróico”, com o momento subsequente à instituição da “redízima”, tomando os
aspectos da alimentação; vestuário e calçado; remédios e assistência hospitalar;
viagens por terra; viagens por mar; colégios e casas da Companhia de Jesus; e
os estudos. Em todos esses aspectos, ressalta o contraste entre as dificuldades
e privações enfrentadas na primeira fase e as facilidades e conforto usufruídos
na segunda.
A
educação era financiada com recursos públicos, configurando uma espécie de
“educação pública religiosa” (LUZURIAGA, 1959, p. 1). Entretanto, se o ensino
então ministrado pelos jesuítas podia ser considerado como público, por ser
mantido com recursos públicos e pelo seu caráter de ensino coletivo, ele não preenchia
os demais critérios, já que as condições tanto materiais como pedagógicas –
isto é: os prédios, assim como sua infra-estrutura, os agentes, as diretrizes pedagógicas,
os componentes curriculares, as normas disciplinares e os mecanismos de
avaliação – se encontravam sob controle da ordem dos jesuítas, portanto, sob
domínio privado. O resultado foi que, quando se deu a expulsão dos jesuítas em
1759, a soma dos alunos de todas as instituições jesuíticas não atingia 0,1% da
população brasileira, pois delas estavam excluídas as mulheres (50% da
população), os escravos (40%), os negros livres, os pardos, filhos ilegítimos e
crianças abandonadas (MARCÍLIO, 2005).
Por
sua vez, o período seguinte (pedagogia pombalina: 1759-1827) corresponderia aos
primeiros ensaios de se instituir uma escola pública estatal. Pelo Alvará de 28
de junho de 1759 determinou-se o fechamento dos colégios jesuítas, introduzindo-se
as “aulas régias” a serem mantidas pela Coroa, para o que foi instituído em 1772
o “subsídio literário”. As reformas pombalinas se contrapõem ao predomínio das
ideias religiosas e, com base nas ideias laicas inspiradas no Iluminismo, institui
o privilégio do Estado em matéria de instrução, surgindo, assim, a nossa versão
da “educação pública estatal” (LUZURIAGA, 1959). A partir dessa proposta foi
baixada a “Carta de Lei” de 10 de novembro de 1772. Por ela foram extintas, no
item I, as “coletas” anteriores, substituídas, no item II, por um único imposto:
Nestes
Reinos e Ilhas dos Açores e Madeira, de um real em cada canada de vinho; e de quatro
reis em cada canada de aguardente; de cento e sessenta reis por cada pipa de vinagre:
na América e África de um real em cada arrátel de carne da que se cortar nos açougues;
e nelas, e na Ásia de dez reis em cada canada de aguardente das que se fazem nas
terras, debaixo de qualquer nome que se lhe dê, ou venha a dar. (MENDONÇA,1982,
p. 614)
Também
no caso das “aulas régias”, que se concentravam dominantemente no ensino que
corresponderia ao nível secundário, em especial as classes de latim, a
responsabilidade do Estado se limitava ao pagamento do salário do professor e
às diretrizes curriculares da matéria a ser ensinada. Consequentemente,
deixava- se a cargo do próprio professor a provisão das condições materiais
relativas ao local, geralmente sua própria casa, e à sua infra-estrutura, assim
como aos recursos pedagógicos a serem utilizados no desenvolvimento do ensino.
Essa situação era, ainda, agravada pela insuficiência de recursos, dado que a
Colônia não contava com uma estrutura arrecadadora capaz de garantir a obtenção
do “subsídio literário” para financiar as “aulas régias”.
Com
a independência política, foi outorgada por D. Pedro I, em 25 de março de
1824, a primeira Constituição brasileira, que se referiu à educação apenas em
seu último
artigo, o de número 179. O inciso XXXII desse artigo estipulava que “a
instrução primária é gratuita a todos os cidadãos” (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 1983,
p. 653). Decorre daí que, ao fi xar o princípio da gratuidade geral do ensino primário,
a Constituição estava garantindo a todos os cidadãos brasileiros o direito a
esse nível de ensino a expensas do Estado. Mas essa mesma Constituição não fixou
como seria efetivada a contrapartida do dever do Estado de assegurar a todos o
direito proclamado
na Carta Magna do país.
Instalado
o Primeiro Império, foi aprovado, em 15 de outubro de 1827, um documento
legal que ficou conhecido como lei das escolas de primeiras letras, pois estabelecia,
no artigo primeiro: “em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos haverão
[sic] as escolas de primeiras letras que forem necessárias” (TAMBARA;
ARRIADA, 2005, p. 23). Pode-se dizer, entretanto, que essa lei permaneceu letra
morta, pois,
antes que fosse posta em prática, o Ato Adicional à Constituição do Império, promulgado
em 12 de agosto de 1834, conforme estipulado no parágrafo segundo do artigo 10
(CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, op. cit.), colocou o ensino primário sob a jurisdição
das Províncias, desobrigando o Estado nacional de cuidar desse nível de ensino.
Essa medida não deixou de conter um aspecto positivo, pois teve o mérito de
facilitar a instalação de escolas, uma vez que já não se fazia necessária a
autorização da Assembleia Geral. Com isso, se na sistemática anterior o processo
era lento e burocrático, após o Ato Adicional agilizou-se o procedimento para
criar e instalar escolas, favorecendo “o processo de difusão da instrução
pública” (CASTANHA, 2007, p. 106). Considerando, porém, que as províncias não
estavam equipadas nem financeira, nem tecnicamente para promover a difusão do
ensino, o resultado foi que atravessamos o século XIX sem que a educação
pública fosse suficientemente incrementada. Com isso, o direito à educação
gratuita proclamado na Constituição não contou com as condições necessárias
para ser realizado.
Durante
os 49 anos correspondentes ao Segundo Império, entre 1840 e 1888, a média
anual dos recursos fi nanceiros investidos em educação foi de 1,80% do
orçamento do governo imperial, destinando-se, para a instrução primária e
secundária, a
média de 0,47%. O ano de menor investimento foi o de 1844, com 1,23% para o conjunto
da educação e 0,11% para a instrução primária; e o ano de maior investimento foi
o de 1888, com 2,55% para a educação e 0,73% para a instrução primária e secundária
(CHAIA, 1965). Era, pois, um investimento irrisório. O Estado, portanto, não
cumpria o seu dever em matéria de educação. Logo, não garantia o direito da população
a ter acesso a ela.
Apesar
disso, a consciência da importância da educação se expressava na percepção de
que “na instrução pública está o segredo da multiplicação dos pães, e o ensino
restitui cento por cento o que com ele se gasta”, conforme afi rmou Almeida Oliveira
na sessão de 18 de setembro de 1882 do Parlamento (CHAIA, op. cit., p. 125). E
propostas não faltaram. Tavares Bastos, considerando que “não há sistema de instrução
efi caz sem o dispêndio de muito dinheiro”, propôs em 1870: “Assim como cada
habitante concorre para as despesas de iluminação, águas, esgotos, calçadas, estradas
e todos os melhoramentos locais, assim contribua para o mais importante deles,
a educação dos seus concidadãos, o primeiro dos interesses sociais em que todos
somos solidários” (TAVARES BASTOS, 1937, p. 228). A partir daí apresenta um plano
de criação de dois tipos de impostos: o local e o provincial. Essa proposta foi
retomada por Rodolfo Dantas, em 21 de agosto de 1882, e pela Comissão de
Instrução Primária, tendo como relator Rui Barbosa (CHAIA, op. cit.). Contudo,
dada a “mania de se quererem os fi ns sem se empregarem os meios necessários e
próprios”, conforme declarou Moraes Sarmento em 1850 (idem, ibid., p. 55),
resultou que “nenhum país tem mais oradores nem melhores programas; a prática,
entretanto, é o que falta completamente”, ironizou Agassiz em 1865 (ibid., p.
45). E Rui Barbosa constatava em 1882: “O Estado, no Brasil, consagra a esse
serviço apenas 1,99% do orçamento geral, enquanto as despesas militares nos
devoram 20,86%” (ibid., p. 103). Dessa forma, o sistema nacional de ensino não
se implantou e o país foi acumulando um grande déficit histórico em matéria de
educação. Continuava, pois, a persistir o conflito entre a proclamação do
direito à educação e a sua efetivação. Nossa segunda Constituição, a primeira
do regime republicano, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, também se limitou
a enunciar apenas um princípio educacional, neste caso, o da laicidade fixado
no parágrafo sexto do artigo 72, que assim o enunciou: “Será leigo o ensino
ministrado nos estabelecimentos públicos” (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 1983, p.
587). Claro que o empenho em laicizar a esfera pública, remetendo para o âmbito
privado todas as questões de ordem confessional, implicava uma forte
responsabilidade do governo central na instituição de um sólido sistema público
de ensino, extensivo a todo o território da nação que acabava de se organizar
como um Estado republicano. No entanto, isso também não veio a ocorrer. Dado
que no Império, que era um regime político centralizado, a instrução popular
estava descentralizada, considerou-se que, “a fortiori”, na República
Federativa, um regime político descentralizado, a educação deveria permanecer
descentralizada. Com esse argumento se postergou mais uma vez a organização
nacional da instrução popular, mantendo-se o ensino primário sob a
responsabilidade das antigas províncias, agora transformadas em Estados
federados. Após um período de efervescência correspondente à primeira década
republicana quando se pretendeu reorganizar a instrução pública por meio de
algumas reformas, entre as quais se destacou a reforma paulista de 1892 que
instituiu os grupos escolares, a educação entrou em compasso de espera ao
prevalecer a “política dos governadores”, com o que se impôs o domínio das
oligarquias rurais. Consequentemente, ao longo da Primeira República o ensino
permaneceu praticamente estagnado, o que pode ser ilustrado com o número de
analfabetos em relação à população total, que se manteve no índice de 65% entre
1900 e 1920, sendo que o seu número absoluto aumentou de 6.348.869, em 1900,
para 11.401.715, em 1920.
A
nova Constituição republicana aprovada em 16 de julho de 1934 será a primeira a
destinar todo um capítulo à questão educacional. Trata-se do Capítulo II,
“Da
Educação e da Cultura” (ibid., p. 544-546), que integra o Título V – “Da
Família, da
Educação e da Cultura”. Nesse capítulo podemos identifi car os seguintes
Princípios Educacionais:
•
Universalidade da educação, ao proclamar, no artigo 149, que “a educação
é
direito de todos”;
•
Gratuidade do ensino primário (alínea a do § único do artigo 150);
•
Obrigatoriedade do ensino primário (alínea a do § único do artigo 150);
•
Liberdade de ensino (alínea c do § único do artigo 150);
•
Seleção pelo mérito (alínea e do § único do artigo 150);
•
Estabilidade dos professores (alínea f do § único do artigo 150);
•
Remuneração condigna do corpo docente (alínea f do § único do artigo
150);
•
Liberdade de cátedra (artigo 155);
•
Vinculação orçamentária (artigo 156: “A União e Municípios aplicarão
nunca
menos de dez por cento, e os Estados e o Distrito Federal nunca
menos
de vinte por cento, da renda resultante dos impostos, na manutenção
e
no desenvolvimento dos sistemas educativos”);
•
Provimento dos cargos do magistério ofi cial por concurso (artigo 158);
•
Vitaliciedade dos cargos do magistério ofi cial (artigo 158, § 2º);
•
Inamovibilidade dos cargos do magistério ofi cial (artigo 158, § 2º).
A
partir da década de 1930, com o incremento da industrialização e urbanização, começa
a haver, também, um incremento correspondente nos índices de escolarização
sempre, porém, em ritmo aquém do necessário à vista dos escassos investimentos.
Assim, os investimentos federais em ensino passam de 2,1%, em 1932, para 2,5 em
1936; os estaduais se reduzem de 15,0% para 13,4% e os municipais se ampliam de
8,1% para 8,3% no mesmo período (RIBEIRO, 2003). Isso não obstante a Constituição
de 1934 ter determinado que a União e os municípios deveriam aplicar nunca
menos de 10% e os estados 20% da arrecadação de impostos “na manutenção e
desenvolvimento dos sistemas educacionais” (art. 156).
A
Constituição de 1937 manteve o tópico referente à educação e à cultura, no
qual, entretanto, os princípios enunciados na Carta de 1934 ou não se fazem presentes
ou são relativizados. Assim, o caráter público da educação é fortemente relativizado
ao se defi nir, no artigo 129, que “o ensino pré-vocacional e profissional destinado
às classes menos favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do
Estado”. E, mesmo nessa área, se estipula que a ação do Estado incluirá o
subsídio à “iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou
associações particulares e profissionais”, defi nindo-se que “é dever das
indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera de sua especialidade,
escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou de seus
associados” (CAMPANHOLE;CAMPANHOLE, 1983, p. 443).
O
enunciado do artigo 130 contempla os princípios da gratuidade e obrigatoriedade
do ensino primário, mas esses princípios são relativizados quando se afirma, no
mesmo artigo, que “a gratuidade, porém, não exclui o dever de solidariedade dos
menos para com os mais necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será
exigida aos
que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma
contribuição módica e mensal para a caixa escolar”. Foi mantido o princípio da
liberdade de ensino quando se determinou, no artigo 128, que “a arte, a ciência
e o seu ensino são livres à iniciativa individual e à de associações ou pessoas
coletivas, públicas e particulares”. Quanto aos demais princípios contemplados
na Constituição de 1934 (seleção pelo mérito, estabilidade dos professores,
remuneração condigna do corpo docente, liberdade de cátedra, vinculação
orçamentária, provimento dos cargos do magistério oficial por concurso, vitaliciedade
e inamovibilidade dos cargos do magistério oficial), a Carta de 1937 silenciou
inteiramente.
Sob
a égide da Constituição do Estado Novo surgiram as “leis orgânicas do ensino”,
optando-se, assim, por organizar a educação nacional por partes, e não como um
sistema integrado, regulado por uma lei unificada. Dando cumprimento à norma
constitucional que estabelecia como dever prioritário do Estado o ensino profissional,
as leis orgânicas regularam, além dos ensinos secundário e primário, os ensinos
industrial, comercial e normal, complementados pela criação do Sistema Nacional
de Aprendizagem Industrial (Senai) e do Sistema Nacional de Aprendizagem Comercial
(Senac). No entanto, a vinculação orçamentária foi retirada na Constituição de
1937 que instituiu o Estado Novo.
A
Constituição de 1946, promulgada em 18 de setembro, retomou, de certo modo, a
sistemática iniciada com a Constituição de 1934 e interrompida com o advento do
Estado Novo. Com efeito, ela reservou no Título VI, “Da Família, da Educação e
da Cultura”, o Capítulo II à educação e à cultura, onde contemplou todos os
princípios previstos na Constituição de 1934 (ibid., p. 256-257). Além disso,
essa Carta retomou a vinculação orçamentária, fi xando em 20% a obrigação
mínima dos estados e municípios e 10% da União. No entanto, em 1955 tínhamos os
seguintes índices: União, 5,7%; estados, 13,7%; municípios, 11,4%.
A
Constituição promulgada pelo regime militar em 24 de janeiro de 1967 tratou da
educação no Título IV, “Da Família, da Educação e da Cultura” (ibid., p.
179-180). Quanto aos Princípios Educacionais, observa-se que houve uma
relativização do princípio da gratuidade quando, no Inciso III do parágrafo 3º,
do artigo 168, se afirmou: “sempre que possível, o Poder Público substituirá o
regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo, exigido o posterior
reembolso no caso de ensino de grau superior”. Além disso, essa Carta não
contemplou os princípios da Seleção pelo mérito, Estabilidade dos professores,
Remuneração condigna do corpo docente, Vinculação orçamentária, Vitaliciedade e
Inamovibilidade dos cargos.
A
Constituição de 1969, formalmente Emenda Constitucional n. 1, de 17 de novembro
de 1969, baixada pela Junta Militar que assumiu o governo entre a doença de
Costa e Silva e a posse do general Emílio Garrastazu Médici, manteve os mesmos dispositivos
relativos à educação anteriormente indicados, introduzindo apenas algumas mudanças
de redação (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 1983, p. 75-76).
No
entanto, a Constituição do regime militar, baixada em 1967, e a Emenda de 1969
voltaram a excluir a vinculação orçamentária. Constata-se, então, que o
orçamento da
União para educação e cultura caiu de 9, 6% em 1965 (RIBEIRO, 2003) para 4,31%
em 1975 (VIEIRA, 1983).
A
Constituição de 5 de outubro de 1988 dedica uma seção específica à educação (Seção
I do Capítulo III, “Da Educação, da Cultura e do Desporto”), onde se estipula como
base do ensino os princípios da “igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola”; “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber”; “pluralismo de ideias e de concepções
pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”;
“gratuidade do ensino público em estabelecimentos ofi ciais”; “valorização dos
profissionais do ensino, garantindo, na forma da lei, planos de carreira para o
magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente
por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para
todas as instituições mantidas pela União”; “gestão democrática do ensino
público, na forma da lei” e “garantia de padrão de qualidade” (art. 206,
incisos I a VII, apud VITA, 1989, p. 182).
Além
desses enunciados, explicitamente nomeados como princípios, essa mesma
Constituição estatui a autonomia universitária (art. 207); mantém os princípios
da universalidade da educação; gratuidade e obrigatoriedade do ensino
fundamental; liberdade de ensino; e restabelece a vinculação orçamentária,
elevando os percentuais que passam para 18%, no caso da União, e para 25% nos
casos dos estados, Distrito Federal e municípios (art. 212).
No
entanto, como o texto constitucional estabelece esses percentuais mínimos em
relação à “receita resultante de impostos”, além do desrespeito contumaz à
norma estabelecida
na Carta Magna, encontrou-se, especialmente a partir do governo FHC, outro
mecanismo de burlar essa exigência. Passou-se a criar novas fontes de receita,
nomeando-as, porém, não com a palavra “imposto”, mas utilizando o termo “contribuição”,
como são os casos da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
(Cofi ns), Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e
Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico (Cide). A essas receitas,
como não recebem o nome de impostos, não se aplica a vinculação orçamentária constitucional
dirigida à educação.
PERSISTÊNCIA DO CONFLITO NA
SITUAÇÃO ATUAL
Dada
essa histórica resistência a investir na educação, o Brasil chegou ao final do
século XX sem resolver um problema que os principais países, inclusive nossos vizinhos
Argentina, Chile e Uruguai, resolveram na virada do século XIX para o XX: a
universalização do ensino fundamental, com a consequente erradicação do
analfabetismo. Para
enfrentar esse problema, a Constituição de 1988 previu, nas disposições transitórias,
que o poder público – nas suas três instâncias (a União, os estados e os
municípios) – deveria, pelos dez anos seguintes, destinar 50% do orçamento educacional
para essa dupla fi nalidade. Isso não foi feito. Quando esse prazo estava vencendo,
o governo criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
de Valorização do Magistério (Fundef) com prazo de mais dez anos para essa
mesma fi nalidade; e a LDB, por sua vez, instituiu a década da educação; seguiu-se
a aprovação, em 2001, do Plano Nacional de Educação, que também se estenderia
por dez anos. No fi nal de 2006, ao se esgotarem os dez anos do prazo do
Fundef, foi instituído o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Profi ssionais da Educação (Fundeb), com prazo de 14 anos,
ou seja, até 2020. Agora, quando mais da metade do tempo do PNE já passou, vem
um novo Plano – o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) – estabelecer Vicissitudes
e perspectivas do direito à educação no Brasil: abordagem histórica e situação
atual um novo prazo, desta vez de 15 anos, projetando a solução do problema
para 2022.
Nesse
diapasão, já podemos conjecturar sobre um novo Plano que será lançado em 2022,
prevendo, quem sabe, mais vinte anos para resolver o mesmo problema. Vê-se, pois,
que o direito à educação segue sendo proclamado, mas o dever de garantir esse
direito
continua sendo protelado. No contexto atual a essa tendência protelatória é
adicionado outro ingrediente, representado pela demissão do Estado que alimenta
o recurso à filantropia e ao voluntariado, transferindo para a sociedade civil,
em suas diferentes instâncias, a responsabilidade pela educação. Nos últimos
vinte anos tal tendência vem se manifestando no fortalecimento da iniciativa
privada e envolvendo uma franca privatização do ensino superior, dominado por
grandes conglomerados com participação internacional por meio de ações na Bolsa
de Valores; passa pelas parcerias público privadas, as famosas PPPs; pela
conversão de dirigentes e ex-dirigentes da educação pública em consultores de
grupos privados; pela adoção por governos municipais e estaduais de material
didático produzido por grupos privados como COC, Anglo,Positivo, Objetivo,
entre outros; e chega à responsabilização de toda a sociedade pela
educação básica.
No
Governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o apelo ao voluntariado teve
sua manifestação mais conspícua num folheto publicitário distribuído pelo MEC
para a Campanha “Acorda Brasil. Está na hora da escola”, lançado em março de 1995,
portanto no início da gestão Paulo Renato. Nesse folheto apela-se aos cidadãos para
patrocinar palestras, seminários e cursos de atualização nas escolas; para doar
livros e assinaturas de jornais e revistas, materiais e recursos didáticos;
prestar auxílio administrativo
à escola; ministrar aulas de reforço para crianças com dificuldade de
aprendizagem. Tudo se passa como se a educação tivesse deixado de ser assunto de
responsabilidade pública a cargo do Estado, transformando-se em questão da
alçada da filantropia. No Governo Lula esse papel está sendo desempenhado pelo Movimento
“Todos pela Educação”, de iniciativa do empresariado paulista, que, a atestar a
vigência da promiscuidade público-privada, veio a dar nome ao decreto que instituiu,
em abril de 2007, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), o qual sintetiza
a principal política educacional em vigor atualmente no Brasil.
Dir-se-ia
que essa tendência do Poder Público em transferir a responsabilidade pela
educação para o conjunto da sociedade, guardando para si o poder de regulação e
de avaliação das instituições e dos resultados do processo educativo, operou
uma inversão no princípio constitucional que considera a educação “direito de
todos e dever do Estado”, passando-se a considerar a educação pública como
dever de todos e direito do Estado. Por esse caminho será acentuada a equação
perversa que marca a política educacional brasileira atual, assim
caracterizada: filantropia + protelação + fragmentação + improvisação =
precarização geral do ensino no país.
CONCLUSÃO:
O SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO COMO GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO
A
organização do sistema nacional de ensino foi a via adotada pelos principais países,
a exemplo da Europa e também de nossos vizinhos Argentina, Chile e Uruguai, para
assegurar o direito à educação às suas respectivas populações. O Brasil não
seguiu esse caminho e, por isso, foi ficando para trás ao invocar
recorrentemente, em especial na discussão dos projetos da primeira e da atual
LDB, o argumento de que a adoção do regime federativo seria um fator impeditivo
da instituição de um Sistema Nacional de Educação. Contrariamente a essa
argumentação, eu diria que a forma própria de se responder adequadamente às
necessidades educacionais de um país organizado sob o regime federativo é
exatamente por meio da organização de um Sistema Nacional de Educação. Isso
porque, sendo a Federação a unidade de vários estados que, preservando suas
respectivas identidades, intencionalmente se articulam tendo em vista assegurar
interesses e necessidades comuns, ela postula o sistema nacional. Este, no
campo da educação, representa a união intencional dos vários serviços
educacionais que se desenvolvem no âmbito territorial dos diversos entes
federativos que compõem o Estado federado nacional.
Na
construção do Sistema Nacional de Educação e na efetivação do Plano Nacional de
Educação, deve-se levar em conta o regime de colaboração entre a União, os
estados, o Distrito Federal e os municípios, conforme disposto na Constituição Federal,
efetuando uma repartição das responsabilidades entre os entes federativos, todos
voltados para o mesmo objetivo de assegurar o direito de cada brasileiro,
provendo uma educação com o mesmo padrão de qualidade a toda a população.
Na
repartição das responsabilidades os entes federativos concorrerão na medida de
suas peculiaridades e de suas competências específicas consolidadas pela tradição
e confirmadas pelo arcabouço jurídico. Assim, as normas básicas que regularão o
funcionamento do sistema serão de responsabilidade da União, consubstanciadas na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no Plano Nacional de Educação,
traduzidas e especificadas pelas medidas estabelecidas no âmbito do Conselho
Nacional de Educação. Os estados e o Distrito Federal poderão expedir legislação
complementar, adequando as normas gerais a eventuais particularidades locais.
Não incluo aqui os municípios porque a Constituição Federal não lhes confere a
competência para legislar em matéria de educação. Veja-se o artigo 30 da
Constituição que trata das competências dos municípios. O inciso VI assim reza:
“manter, com a cooperação técnica e fi nanceira da União e do Estado, programas
de educação pré-escolar e de ensino fundamental” (VITA, 1989, p. 122).
O
financiamento do sistema será compartilhado pelas três instâncias, conforme o
regime dos fundos de desenvolvimento educacional. Assim, além do Fundeb, Vicissitudes
e perspectivas do direito à educação no Brasil: abordagem histórica e situação
atual que deverá ser aperfeiçoado, cabe criar também um Fundo de Manutenção da
Educação Superior (Fundes). Se, no caso do Fundeb, a maioria dos recursos
provém de estados e municípios, cabendo à União um papel complementar, em relação
ao Fundes a responsabilidade da União será dominante, entrando os estados
apenas em caráter complementar, limitando-se aos casos de experiência já
consolidada na manutenção de universidades.
A
formação de professores, a definição da carreira e as condições de exercício docente
constituem algo que não pode ser confiado aos municípios. Isso não é possível, de
fato, porque a grande maioria dos municípios não preenche os requisitos para
atuar nesse âmbito. E também não é possível, de direito, porque a própria LDB,
pelo inciso V do artigo 11, os impede de atuar na formação de professores, uma
vez que somente poderão se dedicar a outros níveis de ensino ulteriores ao fundamental
“quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de
competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição
Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino”. Dado que a formação de
professores ocorre, como regra, no nível superior e, transitoriamente, no nível
médio, escapa aos municípios essa atribuição. Segue-se que as questões
relativas ao magistério constituem matéria de responsabilidade compartilhada
entre União e estados. A responsabilidade principal dos municípios incidirá
sobre a construção e conservação dos prédios escolares e de seus equipamentos,
assim como sobre a inspeção de suas condições de funcionamento, além, é claro,
dos serviços de apoio como merenda escolar, transporte escolar, entre outros.
Efetivamente, são esses os aspectos em que os municípios têm experiência consolidada.
Os municípios, de modo geral, estão equipados para regular, por uma legislação
própria, a ocupação e uso do solo. Rotineiramente, cabe às prefeituras examinar
projetos relacionados aos mais variados tipos de construção, verificando sua
adequação à finalidade da obra a ser construída. Assim, quer se trate de
moradias, de hospitais, de restaurantes, de igrejas, entre outras obras, o
órgão municipal irá verificar se o projeto atende às características próprias
do tipo de construção preconizado à luz da finalidade que lhe caberá cumprir.
Ora, é evidente que, em se tratando das escolas, as prefeituras também podem
cumprir, sem qualquer dificuldade, essa função.
Poder-se-ia
argumentar que esse tratamento dado aos municípios reduziria sua importância e
o grau de sua autonomia. Deve-se frisar, contudo, que a diferença de graus de
autonomia não significa redução de importância para as instâncias que detêm
menor autonomia. É comum afirmar-se que o município é a instância mais importante,
pois é aí onde, concretamente, vivem as pessoas. Desse ponto de vista, o estado
e a União se configuram como instâncias abstratas, já que sua realidade se
materializa, de fato, no recorte dos municípios. Ora, mas se assim é, então
está claro que a configuração dos estados e da União, sua estrutura, sua
organização e administração são operadas por indivíduos concretos, cidadãos
reais, ou seja, os habitantes dos municípios. Portanto, se a autonomia se
concentra mais nos estados do que nos municípios é porque, no âmbito do estado,
ela se exercita em relação a todos os municípios que o integram e não apenas
por parte de cada município em confronto com os demais. O mesmo se diga da
União, cuja autonomia se exerce em relação a todas as unidades federativas e
não apenas na contraposição entre elas. Em última instância, são os munícipes
que atuam simultaneamente nas três instâncias que, obviamente, se fortalecem
reciprocamente, na medida em que se estreitam os laços de articulação que as
unem em torno de propósitos e interesses comuns.
Não
cabe, pois, postularem-se autonomias artificiais, enunciando discursos que não
correspondem à realidade efetiva. No caso da educação, para ficar no nosso campo
de interesse, o discurso da autonomia local ou regional com as normas decorrentes
teve efeitos bem diferentes do proclamado, o que pode ser constatado tanto no
plano diacrônico, isto é, historicamente, como no plano sincrônico, ou seja, nas
condições atuais. Assim, por exemplo, a historiografia registra que o Ato
Adicional de 1834 teve o propósito de descentralizar a instrução primária,
conferindo maior grau de autonomia às províncias, o que lhes permitiria maior
margem de criatividade e adequação da instrução às suas necessidades e
características específicas. Mas não foi propriamente isso o que ocorreu. A
tendência que prevaleceu foi que, embora as reformas do governo imperial
tivessem validade apenas para o chamado município neutro, isto é, a cidade do
Rio de Janeiro, capital do Império, as províncias acabavam por tomá-las como
modelo na organização da instrução pública nos respectivos territórios,
reproduzindo as mesmas medidas adotadas pelo governo central.
A
partir de um estudo minucioso das fontes primárias representadas pela legislação
educacional do Império brasileiro e pelos relatórios dos presidentes de províncias
e dos inspetores de instrução pública, André Castanha analisou os currículos
da
escola primária, os métodos de ensino, os castigos e prêmios, os livros e manuais
didáticos, o perfi l dos professores, as condições para o exercício do magistério,
as escolas normais e os alunos-mestres (CASTANHA, 2007), constatando significativas
semelhanças nesses diferentes aspectos nas províncias estudadas, o que se
explica pelo fato de que “as províncias seguiram as orientações dos centros mais
desenvolvidos, especialmente da Corte e Província do Rio de Janeiro,
reproduzindo nas respectivas legislações provinciais os mesmos princípios e
dispositivos do centro irradiador” (ibid., p. 510). E isso vem se repetindo, em
maior ou menor grau, até os dias atuais.
A
melhor forma de fortalecer as instâncias locais não é, necessariamente, conferir-lhes
autonomia, deixando-as, de certo modo, à própria sorte. Na verdade, Vicissitudes
e perspectivas do direito à educação no Brasil: abordagem histórica e situação
atual a melhor maneira de respeitar a diversidade dos diferentes locais e
regiões é articulá-los no todo, e não isolá-los. Isso porque o isolamento tende
a fazer degenerar a diversidade em desigualdade, cristalizando-a pela
manutenção das deficiências locais.
Inversamente,
articuladas no sistema, enseja-se a possibilidade de fazer reverter as
deficiências, o que resultará no fortalecimento das diversidades em benefício de
todo o sistema. Por isso, considero equivocada a política de municipalização do
ensino fundamental. Seu efeito está sendo exacerbar as desigualdades de vez, o
que leva ao seguinte resultado: municípios pobres têm uma educação pobre,
municípios remediados, uma educação remediada e municípios ricos, uma educação
de melhor qualidade.
Em
suma, o Sistema Nacional de Educação integra e articula todos os níveis e modalidades
de educação com todos os recursos e serviços que lhes correspondem, organizados
e geridos, em regime de colaboração, por todos os entes federativos sob coordenação
da União. Fica claro, pois, que a repartição das atribuições não implica a
exclusão da participação dos entes aos quais não cabe a responsabilidade direta
pelo cumprimento daquela função. Eles participarão por meio dos respectivos
colegiados, acompanhando
e apresentando subsídios que venham a tornar mais qualificadas as decisões
tomadas. E assumirão responsabilidades diretas nos aspectos que lhes
correspondem, por meio das Secretarias e Conselhos Estaduais de Educação e das
Secretarias e Conselhos Municipais de Educação, sempre que tal procedimento
venha a concorrer para a flexibilização e maior eficácia da operação do sistema
sem prejuízo, evidentemente, do comum padrão de qualidade que caracteriza o
Sistema Nacional de Educação.
Devemos
caminhar resolutamente na via da construção de um verdadeiro Sistema Nacional
de Educação, isto é, um conjunto unificado que articula todos os aspectos da
educação no país inteiro, com normas comuns válidas para todo o território
nacional
e com procedimentos também comuns, visando a assegurar educação com o mesmo
padrão de qualidade a toda a população do país. Não se trata, portanto, de se
entender o Sistema Nacional de Educação como um grande guarda-chuva com a mera
função de abrigar 27 sistemas estaduais de ensino, incluído o do Distrito Federal,
o próprio sistema federal de ensino e, no limite, 5.570 sistemas municipais de
ensino, supostamente autônomos entre si. Se for aprovada uma proposta nesses termos,
o Sistema Nacional de Educação se reduzirá a uma mera formalidade, mantendo-se,
no fundamental, o quadro de hoje com todas as contradições, desencontros, imprecisões
e improvisações que marcam a situação atual, de fato avessa às exigências da
organização da educação na forma de um sistema nacional.
É
preciso, pois, instituir um sistema nacional em sentido próprio que, portanto,
não
dependa das adesões autônomas e “a posteriori” de estados e municípios. Sua
adesão ao sistema nacional deve decorrer da participação efetiva na sua construção,
submetendo-se, em consequência, às suas regras. Não se trata, pois, de conferir
a estados e municípios, a partir dos respectivos sistemas autônomos, a
prerrogativa de aderir ou não a este ou àquele aspecto que caracteriza o
sistema nacional. E não cabe invocar a cláusula pétrea da Constituição
referente à forma federativa de Estado com a consequente autonomia dos entes
federados. Isso porque o Sistema Nacional de Educação não é do governo federal,
mas é da Federação, portanto, dos próprios entes federados que o constroem
conjuntamente e participam, também em conjunto, de sua gestão.
Concebido
na forma indicada e efetivamente implantado o Sistema Nacional de
Educação, seu funcionamento será regulado pelo Plano Nacional de Educação, ao qual
cabe, a partir do diagnóstico da situação em que o sistema opera, formular as
diretrizes, definir as metas e indicar os meios pelos quais as metas serão
atingidas no período
de vigência do plano definido, pela nossa legislação, em dez anos.
Se
o caminho que acabo de apontar for efetivamente seguido, o direito à educação estará
assegurado a todos os brasileiros. Entretanto, se novamente enveredarmos por
disputas localistas, perdendo de vista o objetivo maior da construção de um sistema
educacional sólido, consistente, regido por um mesmo padrão de qualidade que
torne a educação pública acessível a toda a população do país sem uma única exceção,
mais uma vez estaremos adiando a solução do problema educativo. E as perspectivas
não serão nada animadoras, pois um país que não cuida seriamente da educação de
suas crianças e jovens, propiciando às novas gerações uma formação adequada,
está cassando o próprio futuro.