terça-feira, 2 de junho de 2015

"Ninguém consegue controlar uma turma de 25 alunos, durante uma hora e meia"

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ACESSO: 02/06/2015 as 12:49h

O ex-ministro da Educação David Justino defendeu hoje uma redução da duração das aulas, que atualmente podem ser compostas por blocos de 90 minutos, alertando para a dificuldade que os alunos têm em manter a concentração.
"Nunca tive grandes dúvidas de que ninguém consegue controlar uma turma de 25 alunos, durante uma hora e meia. A capacidade de concentração é reduzida", afirmou hoje David Justino, durante a conferência sobre "Indisciplina em Meio Escolar", que decorreu no parlamento.
O atual executivo permitiu que fossem as escolas a decidir a duração de cada aula, 45, 60 ou 90 minutos.
O atual presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) apresentou-se como um "defensor de uma redução objetiva do tempo em sala de aula" e disse que "não gostaria que a escola a tempo inteiro se tornasse em sala de aula o tempo inteiro".
A posição do ex-ministro foi partilhada por Filinto Lima, vice-presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamento e Escolas Públicas (ANDAEP) e diretor de um agrupamento de escolas de Vila Nova de Gaia.
"É preciso diminuir o tempo letivo de 90 para 50 minutos. Estar numa sala de aula a ouvir alguns professores durante 90 minutos é uma seca. Até para nós é dose", afirmou Filinto Lima, sublinhando que apenas no ensino secundário os alunos já deverão estar preparados para ter aulas de hora e meia.
Sem capacidade para se concentrar, os alunos acabam por ter atitudes que os professores classificam de indisciplina, como estarem distraídos ou a conversar com o colega.
Um estudo, hoje apresentado no parlamento, revela que 80% dos docentes já vivenciaram casos de indisciplina na sala de aula.
"É muito difícil permanecer atento durante 90 minutos", disse Célia Oliveira, professora da Universidade Lusófona do Porto e uma das responsáveis pelo estudo, que conta já com a participação de mais de três mil professores.
Os autores do estudo garantem que a indisciplina está intimamente relacionada com o insucesso escolar e, por isso, defendem que é preciso atuar logo nos primeiros anos de escolaridade.
O representante dos diretores escolares considera que os atuais métodos de ensino "estão muito desadequados, uma vez que muitos deles são do século passado".
Rui Matos, professor de educação física e presente na plateia, também criticou "as aulas demasiado teóricas": "Querem ter os miúdos 50 minutos quietos. Não peçam às crianças para estarem quietas, por favor. Basta olhar para a espécie animal e perceber que os que estão quietos é porque estão doentes. Vão à Noruega ver como é que são as aulas".
Além dos métodos de ensino, currículos muito extensos e "enorme carga letiva", os especialistas alertaram para a dimensão das turmas e das escolas que tornou impessoal o relacionamento entre alunos e funcionários.
"Eu não sei impedir a indisciplina mas sei criá-la: substituo as escolas de 400 alunos por mega-agrupamentos de três mil alunos que não conheço e troco as turmas de 20 alunos por turmas de 30", disse João Calçada, presidente do sindicato dos inspetores da educação.
A estas críticas, David Justino acrescentou ainda a falta de formação dos professores para lidar com a indisciplina. "A maior parte dos professores aprende pela experiência, quando nós sabemos que existem técnicas e regras que podem ser aplicadas".
O encontro de hoje foi organizado pelo grupo de trabalho parlamentar que, nos últimos meses, visitou escolas e ouviu vários especialistas sobre Indisciplina em Meio Escolar.
A equipa irá realizar um relatório com sugestões de mudança, das quais Rui Pedro Duarte, coordenador do grupo, destacou cinco pontos: uma maior participação de pais e encarregados de educação; mais formação inicial e contínua de professores e pessoal não docente; autonomia de gestão das escolas e estabilidade do corpo docente e não docente; dotação de recursos essenciais e eficácia do estatuto do aluno.

Edgar Morin: é preciso educar os educadores

DISPONÍVEL:http://www.fronteiras.com/entrevistas/entrevista-edgar-morin-e-preciso-educar-os-educadores
ACESSO: 02/06/2015 as 12:35h


O Globo: Na sua opinião, como seria o modelo ideal de educação?Edgar Morin: A figura do professor é determinante para a consolidação de um modelo “ideal" de educação. Através da Internet, os alunos podem ter acesso a todo o tipo de conhecimento sem a presença de um professor. Então eu pergunto, o que faz necessária a presença de um professor? Ele deve ser o regente da orquestra, observar o fluxo desses conhecimentos e elucidar as dúvidas dos alunos. Por exemplo, quando um professor passa uma lição a um aluno, que vai buscar uma resposta na Internet, ele deve posteriormente corrigir os erros cometidos, criticar o conteúdo pesquisado.
É preciso desenvolver o senso crítico dos alunos. O papel do professor precisa passar por uma transformação, já que a criança não aprende apenas com os amigos, a família, a escola. Outro ponto importante: é necessário criar meios de transmissão do conhecimento a serviço da curiosidade dos alunos. O modelo de educação, sobretudo, não pode ignorar a curiosidade das crianças.
O Globo: Quais são os maiores problemas do modelo de ensino atual?
Edgar Morin: O modelo de ensino que foi instituído nos países ocidentais é aquele que separa os conhecimentos artificialmente através das disciplinas. E não é o que vemos na natureza. No caso de animais e vegetais, vamos notar que todos os conhecimentos são interligados. E a escola não ensina o que é o conhecimento, ele é apenas transmitido pelos educadores, o que é um reducionismo. O conhecimento complexo evita o erro, que é cometido, por exemplo, quando um aluno escolhe mal a sua carreira. Por isso eu digo que a educação precisa fornecer subsídios ao ser humano, que precisa lutar contra o erro e a ilusão.
O Globo: O senhor pode explicar melhor esse conceito de conhecimento?
Edgar Morin: Vamos pensar em um conhecimento mais simples, a nossa percepção visual. Eu vejo as pessoas que estão comigo, essa visão é uma percepção da realidade, que é uma tradução de todos os estímulos que chegam à nossa retina. Por que essa visão é uma fotografia? As pessoas que estão longe são pequenas, e vice-versa. E essa visão é reconstruída de forma a reconhecermos essa alteração da realidade, já que todas as pessoas apresentam um tamanho similar.

Todo conhecimento é uma tradução, que é seguido de uma reconstrução, e ambos os processos oferecem o risco do erro. Existe outro ponto vital que não é abordado pelo ensino: a compreensão humana. O grande problema da humanidade é que todos nós somos idênticos e diferentes, e precisamos lidar com essas duas ideias que não são compatíveis. A crise no ensino surge por conta da ausência dessas matérias que são importantes ao viver. Ensinamos apenas o aluno a ser um indivíduo adaptado à sociedade, mas ele também precisa se adaptar aos fatos e a si mesmo.
O Globo: O que é a transdisciplinaridade, que defende a unidade do conhecimento?
Edgar Morin: As disciplinas fechadas impedem a compreensão dos problemas do mundo. A transdisciplinaridade, na minha opinião, é o que possibilita, através das disciplinas, a transmissão de uma visão de mundo mais complexa. O meu livro “O homem e a morte" é tipicamente transdisciplinar, pois busco entender as diferentes reações humanas diante da morte através dos conhecimentos da pré-história, da psicologia, da religião. Eu precisei fazer uma viagem por todas as doenças sociais e humanas, e recorri aos saberes de áreas do conhecimento, como psicanálise e biologia.

O Globo: Como a associação entre a razão e a afetividade pode ser aplicada no sistema educacional?Edgar Morin: É preciso estabelecer um jogo dialético entre razão e emoção. Descobriu-se que a razão pura não existe. Um matemático precisa ter paixão pela matemática. Não podemos abandonar a razão, o sentimento deve ser submetido a um controle racional. O economista, muitas vezes, só trabalha através do cálculo, que é um complemento cego ao sentimento humano. Ao não levar em consideração as emoções dos seres humanos, um economista opera apenas cálculos cegos. Essa postura explica em boa parte a crise econômica que a Europa está vivendo atualmente.
O Globo: A literatura e as artes deveriam ocupar mais espaço no currículo das escolas? Por quê?
Edgar Morin: Para se conhecer o ser humano, é preciso estudar áreas do conhecimento como as ciências sociais, a biologia, a psicologia. Mas a literatura e as artes também são um meio de conhecimento. Os romances retratam o indivíduo na sociedade, seja por meio de Balzac ou Dostoiévski, e transmitem conhecimentos sobre sentimentos, paixões e contradições humanas. A poesia é também importante, nos ajuda a reconhecer e a viver a qualidade poética da vida. As grandes obras de arte, como a música de Beethoven, desenvolvem em nós um sentimento vital, que é a emoção estética, que nos possibilita reconhecer a beleza, a bondade e a harmonia. Literatura e artes não podem ser tratadas no currículo escolar como conhecimento secundário.
O Globo: Qual a sua opinião sobre o sistema brasileiro de ensino?
Edgar Morin: O Brasil é um país extremamente aberto a minhas ideias pedagógicas. Mas, a revolução do seu sistema educacional vai passar pela reforma na formação dos seus educadores. É preciso educar os educadores. Os professores precisam sair de suas disciplinas para dialogar com outros campos de conhecimento. E essa evolução ainda não aconteceu. O professor possui uma missão social, e tanto a opinião pública como o cidadão precisam ter a consciência dessa missão. [Leia esta entrevista no site do O Globo]
Assista a Edgar Morin - Os limites do conhecimento na globalização | No vídeo exclusivo, Morin reflete sobre seus interesses enquanto filósofo e sociólogo: os limites do conhecimento e da razão, bem como a relação entre a poesia e a racionalidade. Ainda, questiona a possibilidade da mudança de pensamento em um mundo globalizado e acelerado. É possível sairmos de uma visão fechada em formas particulares para o pensamento complexo, capaz de ver os problemas em sua integralidade?