terça-feira, 28 de outubro de 2014

Treinamento avançado: Plataforma on-line utiliza recursos de games para motivar alunos a estudar conteúdo de disciplinas do ensino médio

DISPONÍVEL: http://revistapesquisa.fapesp.br/2014/08/21/treinamento-avancado/
ACESSO: 28/10/2014


     Uma plataforma on-line chamada Meu Tutor, criada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) com foco na preparação e treinamento de alunos que irão se submeter ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), tem se expandido rapidamente e recebido um expressivo fluxo de adesão. Somente entre abril e junho deste ano, o número de usuários ativos da plataforma, que pode ser acessada pela internet ou pelo Facebook, saltou de 5 mil para 10 mil. O Meu Tutor disponibiliza os conteúdos de todas as disciplinas abordadas no Enem por meio de mecanismos de recompensa como pontuação, níveis a serem atingidos, rankings e missões a serem cumpridas pelos participantes. E também permite fazer os simulados do exame nacional. Para que o estudante se sinta motivado, ele é desafiado e quando vence ganha bonificações em prêmios virtuais.
     Os pesquisadores trabalharam com três conceitos no desenvolvimento da ferramenta. Um deles é a aprendizagem personalizada, em que o ritmo é ditado pela dificuldade do aluno em assimilar a disciplina. “O conteúdo é adequado às necessidades de cada aluno”, diz o professor Seiji Isotani, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP de São Carlos, um dos criadores da ferramenta. A motivação é outro elemento utilizado no processo. “Um aluno que não está engajado e comprometido com a sua própria educação não aprende. Para mudar esse quadro, utilizamos de maneira inteligente técnicas de games para motivar o aprendizado on-line”, diz o pesquisador. “Essa é uma das características inovadoras que diferenciam o projeto.” A plataforma educacional também aposta na aprendizagem social ao formar grupos colaborativos, em que o conhecimento e as experiências são compartilhados. Além disso, há também a preocupação de propiciar uma aprendizagem personalizada, adequando o conteúdo às necessidades específicas de cada aluno. Na avaliação de Isotani, a inovação tecnológica pode melhorar o processo de ensino e aprendizagem de forma a aumentar a motivação e o rendimento dos alunos, o que resultará na melhora de índices escolares em avaliações nacionais e internacionais.
     Uma startup, sediada na Ufal, foi criada em 2012 com o objetivo de trabalhar na ferramenta e dar continuidade a novos projetos de uso da plataforma em trabalhos educacionais. Ela foi premiada na Olimpíada USP de Inovação 2014 na categoria Empresa Nascente e também recebeu neste ano o prêmio Alagoano Empreendedor Inovador. Atualmente é cobrada uma mensalidade de R$ 9,90 para cada aluno cadastrado. “Ao se cadastrar, ele pode fazer o treinamento em todas as disciplinas dadas no ensino médio e realizar simulados do Enem”, diz Isotani. Caso o foco do aluno seja apenas matemática, ele pode usar a ferramenta livremente, sem pagar nenhuma taxa.
 
Parceria universitária
     A ideia de criar uma empresa para produzir plataformas educacionais surgiu em 2007, durante um congresso. Na ocasião, Isotani, que estava terminando o seu doutorado na área de computação aplicada à educação na Universidade de Osaka, no Japão, conheceu o também pesquisador Ig Ilbert Bittencourt, atualmente professor na Ufal. “Vimos que havia um grande potencial de uso de tecnologias inteligentes no processo de aprendizagem e pouca coisa desenvolvida no Brasil”, relata. “Decidimos então abrir uma empresa para suprir essa lacuna.”
     As pesquisas são realizadas em conjunto entre as duas universidades, com o envolvimento de 10 alunos de mestrado e doutorado atualmente. Na empresa outras 10 pessoas trabalham no desenvolvimento de softwares. “A plataforma que criamos pode ser utilizada em diferentes domínios”, diz Isotani. O grupo de pesquisa está trabalhando agora no Meu Tutor Prova Brasil – avaliação em larga escala aplicada aos alunos de 5º a 9º ano do ensino fundamental nas redes municipais, estaduais e federais – e outras frentes estão sendo estudadas, como o treinamento de pessoas em empresas.
     Segundo Isotani, o mercado de aplicativos e softwares educacionais tem registrado crescimento no Brasil. Ele cita dados apresentados em um estudo realizado em parceria pelas empresas Inspirare e Potencia Ventures, intitulado “Oportunidades em educação para negócios voltados para a população de baixa renda no Brasil”, que mostram um mercado potencial de R$ 60 bilhões para a educação, sendo que cursos, games e softwares representam 78% desse mercado potencial.
     Uma das principais linhas de pesquisa no Laboratório de Computação Aplicada à Educação do ICMC, que tem Isotani como um dos coordenadores, é a formação de grupos de aprendizagem e uso de dispositivos móveis no ensino. Na sua avaliação, para que os alunos aprendam de maneira colaborativa, a seleção dos grupos não pode ser baseada em afinidades entre os participantes, nem o ambiente de ensino deve estar restrito a uma sala de aula. “Nesses casos, os conflitos, que contribuem para novas ideias e aprendizados, quase sempre são evitados.” Entre os critérios a serem levados em conta para a criação de grupos com bons resultados estão alunos com níveis de conhecimento variados, para garantir que o grupo seja o mais heterogêneo possível, além de aspectos culturais, socioeconômicos e motivacionais dos participantes. A partir da identificação dessas características os pesquisadores criam algoritmos – sequências de comandos passadas para o computador – para que esses grupos sejam formados da melhor forma possível em ambientes apoiados por dispositivos móveis como tablets e celulares.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

CONVICÇÕES e CRENDICES

ACESSO: 27/10/2014
Educadora recomenda livro que mostra como o cérebro constrói nossas crenças e as transforma em verdades, e constata quão árdua é a tarefa de substituir ideias preconcebidas baseadas no conhecimento intuitivo pelas de caráter científico.
Por: Vera Rita da Costa
Publicado em 23/10/2014 | Atualizado em 23/10/2014
Acabo de ler um interessante livro que todo professor de ciências deveria conhecer. Trata-se de Cérebro e crença, de Michael Shermer, historiador da ciência, editor e fundador da revista Skeptic e colunista da Scientific American.
O porquê dessa indicação? É simples e se encontra no próprio subtítulo da publicação, o qual informa que o objetivo da obra é justamente discutir ‘como nosso cérebro constrói nossas crenças e as transforma em verdades’.
Em outras palavras, mais próximas do universo pedagógico, o livro trata, indiretamente, sobre por que é tão difícil ensinar ciências e promover em nossos alunos a substituição das ideias preconcebidas, baseadas em geral no conhecimento de senso comum, intuitivo e cotidiano, por aquelas de caráter científico.
Pesando melhor, a leitura de Cérebro e crença não interessaria apenas a professores de ciências. Mas a todos, principalmente nestes tempos bicudos em que, escudados pelo distanciamento físico que as redes sociais propiciam, promovem-se na internet discussões virtuais e virulentas sobre tudo.
Com a leitura deste livro, seria possível refletir melhor e ponderar sobre a origem e a racionalidade das próprias ideias, antes de defendê-las a qualquer custo ou de combater com unhas e dentes aquelas que lhes são diferentes ou opostas.
Seria possível perceber, por exemplo, que muitas das convicções que se tem são apenas racionalizações pessoais ou versões próprias a que se chegou por uma grande variedade de razões, nas quais se incluem fatores como a personalidade e o temperamento, a dinâmica familiar e o ambiente cultural com que se convive, além das experiências de vida acumuladas.
Nossas convicções, como diz o autor, não necessariamente estão baseadas apenas em fatores relacionados à inteligência, à escolarização ou ao nível de informação que pretensamente julgamos ter. Também não se baseiam em uma análise imparcial de prós e contras ou no uso da lógica e da razão para definir e escolher os fatos que as apoiam.
A maioria de nós, a maior parte do tempo, como nos informa Shermer, fundamenta suas opiniões e crenças em fatos filtrados pelo cérebro através das “lentes coloridas de visões de mundo, paradigmas, teorias, hipóteses, conjeturas, pistas, tendências e preconceitos que se acumulam durante a vida”.
Em ‘pedagogês’, diríamos que nosso conhecimento se baseia muito mais em formas de pensamento e aprendizagens implícitas do que em formas explícitas, racionais e lógicas, como é característico do pensamento científico.
Por isso, como dizem Juan Ignácio Pozo e Miguel Crespo em seu livro A aprendizagem e o ensino de ciências – do conhecimento cotidiano ao conhecimento científico, a aprendizagem de ciências é tão difícil. Para se concretizar, ela exigiria uma mudança conceitual profunda, com a substituição do conhecimento de caráter cotidiano e implícito por aquele científico e reflexivo. Ou, pelo menos, como defendem certos autores, que o aprendiz reconheça a existência desses dois diferentes tipos de conhecimentos e aprenda a ativá-los em diferentes momentos e situações, de acordo com o contexto e a necessidade.

Truques cerebrais

Mas, voltando ao livro de Shermer, é interessante acompanhar as informações e a argumentação que ele usa para mostrar que somos ‘viciados’ em selecionar, entre todas as informações e fatos com os quais travamos contato, apenas aqueles que confirmem o que já acreditamos, ignorando ou afastando mediante racionalização aquilo que contradiz nossas crenças. Com isso, diz o autor, tornamo-nos mais e mais seguros e convictos de nossas posições. Tornamo-nos, também, mais e mais refratários a ideias diferentes e menos permeáveis às propostas de mudanças.
As ideias expressas em Cérebro e crença estão baseadas em pressupostos das neurociências e da biologia evolutiva e, dentro desta, em uma área que vem sendo chamada de ‘biologia da crença’.
Nuvens
Quando identificamos rostos humanos em nuvens, estamos diante da tendência de nosso cérebro à ‘padronicidade’ – a tentativa cerebral de encontrar e reconhecer padrões onde na verdade não existem. (foto: Grażyna Suchecka/ Freeimages)
Um desses pressupostos é a ideia de ‘padronicidade’, segundo a qual nosso cérebro estaria “pré-programado pela evolução” para reconhecer padrões e agir com base neles. Outro é a ideia de ‘acionalização’ ou a tendência que nosso cérebro possui de também forjar justificativas que validem esses padrões e os transformem em crenças.
A ‘padronicidade’, como explica Shermer, é uma característica adaptativa que conferiu à nossa espécie vantagens evolutivas, entre as quais a rapidez de pensamento e ação.
Somos tão ‘apegados’ a certos padrões e ‘viciados’ em reconhecê-los, informa o autor, que nos arriscamos a encontrá-los rapidamente onde não existem, ou tentamos enquadrar fatos neles, de forma a torná-los significativos, mesmo quando não o são.
Quando, por exemplo, identificamos rostos humanos em nuvens e paisagens, estamos frente a frente com a tendência de nosso cérebro à ‘padronicidade’ ou, ainda, diante de uma reação mental ‘automatizada’ de reconhecimento de padrões faciais e da imagem humana, onde, de fato, eles não existem.
A ‘acionalização’, por sua vez, está relacionada à tendência do cérebro humano de completar informações, inferir, deduzir e criar enredos apenas com base em fragmentos da realidade.
Como explica Shermer, além de buscar sempre filtrar os dados, segundo os padrões pré-existentes e que lhe são mais facilmente reconhecíveis, o cérebro humano também tem a tendência de acomodar ou adaptar o que é novidade a esses padrões e modelos já conhecidos.
O cérebro acaba, assim, ‘editando’ as informações que recebe, complementando-as, realçando aquelas que conferem com os padrões que já possui e reinterpretando-as a sua maneira própria. Dessa forma, acaba também por justificar e validar as ideias e modelos preexistentes, em um processo de retroalimentação e reforço de ideias e padrões.
Tornamo-nos, assim, crentes em nossas próprias ideias e defensores intransigentes de nossas posições, mesmo que elas tenham sido forjadas de maneira ‘rápida e rasteira’ ou estejam baseadas em pressupostos distantes daqueles considerados racionais.
Se você é professor de ciências ou frequentador das redes sociais na internet, lembre-se disso em sua próxima aula e em sua próxima discussão virtual. As ideias, quando se transformam em crenças arraigadas, se tornam fortalezas contra a aprendizagem.
Lembre-se também de que o processo vale para os dois lados. Nem mesmo a mente de um gênio – como diz Shermer – é capaz de anular os desvios cognitivos que favorecem o pensamento não científico.
Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP