segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

UM PASSO À FRENTE, OUTRO ATRÁS

DISPONÍVEL: http://cienciahoje.uol.com.br/alo-professor/intervalo/2014/12/um-passo-a-frente-outro-atras
ACESSO: 15/12/2014 as 07:09h
      
Projeto de lei que propõe a inserção da doutrina criacionista na grade curricular de ensino no país reacende polêmica sobre se considerar teoria científica e crença religiosa como formas de conhecimento equivalentes a serem apresentadas em sala de aula.
Por: Vera Rita da Costa
Publicado em 10/12/2014 | Atualizado em 10/12/2014
Um passo à frente, outro atrás
O projeto de lei de autoria do deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) que está em debate no Congresso
 propõe a obrigatoriedade do ensino do criacionismo nas redes pública e privada do país.
(foto: Roosewelt Pinheiro/ Agência Brasil)        
           
Quando, em outubro deste ano, o Papa Francisco reconheceu a evolução como “uma abordagem científica válida para o desenvolvimento dos humanos” e declarou não achar a teoria biológica da evolução e a crença criacionista visões excludentes, respirei um pouco aliviada. Não tanto pelo fato em si, mas porque pensei que finalmente alguém do campo religioso usava a terminologia correta (teoria para a visão científica e crença para a visão religiosa) – e que isso, por si só, já seria um importante passo para uma discussão mais ampla do que é ciência e do que é religião ou, ainda, para se diferenciar mais claramente os pressupostos em que cada uma dessas visões do mundo se baseia.
Mas minha alegria (ou ingenuidade) durou pouco. Não passou nem um mês para vir à tona a notícia do projeto de lei apresentado em novembro último à Câmara dos Deputados e no qual se propõe a inserção da “doutrina criacionista” na grade curricular das redes pública e privada de ensino do país, como alternativa ao ensino da “teoria do evolucionismo”.
Com isso, reacendeu-se a ‘velha fogueira’, alimentada pela falta de conhecimento e confusão entre o que é uma teoria científica e o que é uma crença religiosa. Ou, ainda, reeditou-se o equívoco de considerar que uma teoria científica (a da evolução) e uma crença (o criacionismo) são formas de “conhecimento” ou “disciplinas” equivalentes “cognitivamente” e que devem, por isso, ser apresentadas e debatidas de forma conjunta, por exemplo, nas aulas de ciências.

Ciência em debate?

Portanto, se você é professor de ciências e biologia, fique atento. Encontra-se em debate a questão. Também se encontram em foco a necessidade e a urgência de esclarecer o mais amplamente possível o que é a ciência e ‘como ela funciona’ – agora, inclusive, para os deputados integrantes da Comissão de Educação (CE) e da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara Federal, que deverão em breve analisar e decidir sobre o projeto apresentado.
Dê uma olhada aqui no que é proposto no projeto. O projeto de lei 8099/2014 é de autoria do deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), pastor do Ministério Catedral do Avivamento, e foi apensado (anexado) a outro projeto de lei (PL 309/2011), também de sua autoria, que propõe a obrigatoriedade do ensino religioso nas redes públicas de ensino do país.
O argumento central do projeto 8099/2014, agora proposto, é a ideia de que a liberdade de consciência e de crença, definida na Constituição, está sendo burlada por não se incluir e garantir que o criacionismo esteja presente em nossa educação básica, lado a lado com a teoria evolucionista, uma vez que ele já é, segundo afirmativa do deputado, a crença da maioria da população brasileira e defendido e ensinado pela maioria das religiões em nosso país, entre as quais a católica e as chamadas evangélicas.
O que se requer – explica Marco Feliciano na justificativa de seu projeto – não é, portanto, a supressão da teoria evolucionista dos currículos escolares, mas a inclusão da doutrina criacionista, para permitir “alternância de conhecimento de fonte diversa a fim de que o estudante avalie cognitivamente ambas as disciplinas”.

Reação ao projeto de lei

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) reagiu prontamente e de forma contrária à proposta apresentada por Marco Feliciano. Também o fez a Associação Brasileira de Ensino de Biologia (Sbenbio) e a Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (Abrapec).
Segundo a SBPC, a proposta contém equívocos graves e argumentos falsos, entre os quais a ideia de que, ao se tornar obrigatório o ensino do criacionismo nas escolas da rede pública e privada, “a liberdade de crença dos alunos” estará sendo preservada.
Ao contrário disso, a SBPC entende que, ao se introduzir a obrigatoriedade do ensino do criacionismo nas escolas, se estará violando a liberdade de crença daqueles alunos que não compartilham da crença criacionista, mas estarão obrigados a estudá-la.
O Brasil, lembra a SBPC na carta enviada aos congressistas (cuja íntegra você pode ler aqui), é um Estado laico – garante a separação entre Estado e religião e não possui uma religião oficial. A liberdade de crença religiosa está assegurada em nosso país a todo cidadão pela Constituição Federal, uma vez que o ensino religioso, como também previsto e regulamentado em nossas leis, é matéria facultativa às escolas e, quando oferecido, deve ser capaz de assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa do país, ser de livre adesão e livre presença aos alunos. Tornar obrigatório o ensino do criacionismo, mesmo no âmbito do ensino religioso seria, portanto, inconstitucional e uma violação à liberdade de crença já assegurada pela Constituição e demais leis, defende a SBPC.

Evolução não é crença

Outro equívoco também apontado pela SBPC no projeto de lei apresentado por Feliciano é a tentativa de equiparar a teoria da evolução e o criacionismo, conferindo-lhes um mesmo status cognitivo e considerando-os visões de mundo opostas e excludentes, a ponto de serem apresentadas e discutidas conjuntamente, por exemplo, nas aulas de ciências.
“A teoria da evolução não é crença, é ciência” e “o criacionismo não é ciência, é crença”, esclarece a SBPC em sua carta aos congressistas.
Professor de ciência
O projeto de lei defende que teorias científicas e crenças são formas de “conhecimento” equivalentes
 “cognitivamente” e, por isso, devem ser apresentadas de forma conjunta nas aulas de ciências.
(foto: Roosewelt Pinheiro/ Agência Brasil)
Como teoria científica, explica a SBPC, a teoria da evolução está baseada em observações e experimentos realizados em uma ampla gama de disciplinas científicas. Além disso, atende às premissas da ciência e tem sido testada ao longo dos anos, confrontada com os fatos e corroborada por evidências científicas acumuladas. O criacionismo, por sua vez, não satisfaz a essas condições essenciais. Não pode ser testado, refutado, confrontado com a realidade por meio de observações e experiências ou ter verificadas as suas afirmações. Encontra-se, sobretudo, baseado em valores morais e éticos, constituindo-se em uma crença.
É, portanto, justamente por terem “naturezas e critérios de análise distintos”, que a SBPC não considera adequado apresentar crenças criacionistas em aulas de ciências, lado a lado à apresentação da teoria da evolução biológica. O ensino de “conceitos não-científicos” nas aulas de ciência apenas irá “confundir os estudantes quanto aos processos, natureza e limites da ciência”, considera a Sociedade.
Também a Sbenbio e a Abrapec, associações que reúnem pesquisadores e professores ligados ao ensino de ciências e biologia, se manifestaram contrárias ao projeto apresentado por Marco Feliciano.
Em carta aberta, assinada conjuntamente e divulgada em 24 de novembro, as entidades alertam, como o fez a SBPC, para a inconstitucionalidade do projeto e argumentam a favor da necessidade de se diferenciar ciência e crença. Mas, além disso, tecem duras críticas ao que chamam de “falsos argumentos” que embasam o projeto de lei apresentado por Marco Feliciano.
Segundo a Sbenbio e a Abrapec, não é correto, por exemplo, afirmar, como se faz no projeto, que o ‘pertencimento religioso’ e a própria doutrina criacionista não encontram condições de se expressar no ambiente escolar. Quem conhece “minimamente a realidade escolar”, alegam as entidades, sabe que “diferentes pontos de vista religiosos (e muitos de outra natureza) já se fazem presentes na maioria das salas de aula de diversas maneiras”, uma vez que constituem “inquietações e visões de mundo” dos alunos.
Ao contrário do que se proclama no texto do projeto de lei PL8099/2014, a Sbenbio e a Abrapec consideram que o que está em jogo agora não é a garantia do debate saudável entre religião e ciência ou a defesa da pluralidade, que já existiria na maioria das escolas, inclusive, nas aulas de ciências. Mas a “tentativa de ingerência indevida do proselitismo religioso na educação básica pública e privada” do país ou, ainda, de “ocupação por movimentos religiosos institucionalizados dos mais diversos espaços (a escola e seu currículo são apenas alguns deles)”, a fim de angariar mais seguidores.
Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Vivendo e Aprendendo ou Vivendo e Resolvendo?

ACESSO: 11/ 11/ 2014
 
Surpreendidos cotidianamente por problemas, tentamos buscar uma solução para eles. Explorar essa habilidade pode ser muito útil no ensino de ciências, sugere bióloga e educadora.
Por: Vera Rita da Costa
Publicado em 07/11/2014 | Atualizado em 07/11/2014
 
Viver é resolver
Em nosso cotidiano, somos desafiados constantemente a tomar decisões e a fazer escolhas. Por isso, faz todo o sentido investir em um ensino de ciências baseado na resolução de problemas. (foto: Elke Rohn/ Freeimages) 
        Mesmo sem conhecer você pessoalmente, não corro risco ao afirmar que o seu dia a dia, assim como o de outros leitores destas linhas, é cheio de problemas a serem resolvidos. Você pode não ter consciência ou não se dar conta deles, mas isso não quer dizer que eles não estejam presentes. Do despertar ao adormecer, “viver é resolver problemas”.
Não sei exatamente quem afirmou isso, mas sei que desde que ouvi essa frase pela primeira vez firmou-se em mim a ideia de que ela tem tudo a ver com o que imagino que é a ciência e com o que deveria ser o ensino de ciências. Pense por um instante. Em nosso cotidiano, nos deparamos com inúmeras situações sobre as quais precisamos tomar decisões (conscientes ou não). É preciso acordar, é preciso achar onde estão os sapatos, depois calçá-los, alimentar-se, trabalhar, assim como é preciso seguir em frente, com tudo o que isso possa significar. Em todos esses casos, somos desafiados a tomar decisões. E o mesmo acontece em todas as outras situações imagináveis, sejam elas as mais simplórias e cotidianas ou as mais complexas e inusitadas. Lidar com problemas parece, portanto, ser da nossa ‘natureza’. Ou, em outras palavras, parece que somos dotados evolutivamente de habilidades que nos permitem lidar de maneira básica e essencial com as questões que o mundo nos coloca. Diante das situações que se apresentam a todo o momento, observamos, analisamos e concluímos, agindo em função de um roteiro básico e essencial que em muito se parece com aquele praticado em ciência. Mas, nessas atividades corriqueiras, nem sempre nos damos conta de que usamos esse mecanismo básico de reflexão e ação sobre o mundo e sobre as questões que ele nos apresenta. E, talvez por isso, muita gente ache que fazer ciência é algo exclusivo de um grupo excepcional de pessoas.
        O fato, no entanto, é que, em essência, todos somos cientistas. Podemos não ser profissionais e não fazer isso de maneira sistematizada. Mas é inegável que somos todos surpreendidos por questões e por problemas e buscamos criativamente (em maior ou menor grau) soluções para eles.
Tudo bem que em muitas situações também agimos de maneira não necessariamente reflexiva. Para resolver determinadas questões, por exemplo, recorremos a ‘respostas prontas’ ou a soluções já estabelecidas e herdadas culturalmente, lançando mão desse também poderoso mecanismo de enfrentamento de problemas e busca por respostas.
Folha de caderno
Embora recorrer às ‘respostas prontas’ seja um mecanismo rápido e acessível, seria melhor que nossos alunos aprendessem a pensar em soluções diferentes para as situações que surgem. (foto: Bethany Carlson/ Freeimages)Adicionar legenda
        Mas é interessante pensar que, embora recorrer às ‘respostas prontas’ seja um mecanismo facilmente disponível e rápido para lidar com as questões que surgem, ele não é único e exclusivo. Convive com outro, o qual nem sempre valorizamos, mas que, se aprendido e desenvolvido, poderia nos tornar ainda mais eficientes na resolução de problemas.
Percebeu, portanto, a ligação existente entre as nossas (possíveis) formas de pensar e lidar com os problemas do mundo e sua relação com o ensino de ciências?

Pronto ou por fazer?
        Podemos recorrer às ‘respostas prontas’, aquelas já instituídas, obtidas de maneira pragmática (por tentativa e erro, por exemplo), intuitivamente ou herdadas por tradição, baseadas em mitos e crendices. Esse é um caminho curto e rápido, nem sempre confiável, mas que sem dúvida leva também a respostas e soluções. Mas podemos, também, recorrer à produção de novas respostas, em um processo em que é preciso colher dados, organizá-los, compará-los, formular hipóteses, planejar situações, testar, recoletar dados, reorganizá-los, testá-los novamente etc. etc. etc., até se chegar ao ponto de concluir ou poder afirmar algo.
      É evidente, no entanto, que essa segunda opção ou forma de lidar com problemas é um caminho muito mais longo e cansativo, mesmo que seja percorrido apenas mentalmente.
Pensar e fazer por conta própria leva mais tempo e dá muito mais trabalho do que se valer do que se encontra pronto – e de certa forma todos sabemos disso, a ponto de, tendo oportunidade, recorrer sempre ao caminho mais curto e fácil, que leva ao já estabelecido.
Buscando relacionar essas questões à atual situação de nossa educação, em especial de nosso ensino de ciências, vejo, portanto, que nos encontramos em uma encruzilhada que contempla essas duas formas de pensar e agir disponíveis aos humanos. É preciso decidir entre apresentar o ‘prato pronto’ aos alunos ou incentivá-los e auxiliá-los no exercício da busca incerta por novas respostas. Entre incentivá-los (e a nós também) no uso de uma forma de pensar ‘econômica’, que se contenta em assimilar e reproduzir o conhecimento já instituído, e outra mais ‘dispendiosa’ (pelo menos em termos de tempo e trabalho), que se dispõe a gerar novos conhecimentos.Tradicionalmente, as apostas do ensino de ciências recaíram na primeira opção: oferecer respostas prontas aos alunos, inclusive, aquelas estabelecidas pela própria ciência. Apresentavam-se (e apresentam-se ainda) nas nossas aulas apenas os conceitos, as teorias, as descobertas e os pensamentos formulados por outros. Em linguagem popular: oferecemos aos nossos alunos o ‘prato pronto’ da ciência. Mais recentemente (e isso desde pelo menos o movimento da Escola Nova, ou seja, há mais de meio século), a segunda opção entrou para o cardápio. Começou-se a investir no desenvolvimento da iniciativa, da autonomia, da criticidade ou, ainda, a se falar em um ensino focado em habilidades e competências e voltado à resolução de problemas.
     Por muito tempo pensei que essas expressões eram vazias de significado. Mero jargão pedagógico. Mais recentemente, no entanto, sobretudo depois de ouvir a expressão “viver é resolver problemas”, passei a reconsiderar essa minha visão crítica e ácida das novas tendências no ensino de ciências.
     Afinal, se estar vivo é ter que lidar com problemas, de fato faz todo o sentido investir em uma educação baseada na resolução de problemas que não se valha simplesmente das respostas prontas e estabelecidas. Também faz sentido investir no ensino e na aprendizagem das habilidades que podem nos tornar competentes nesse quesito. Se viver é resolver problemas, ensinar e aprender meios de se lidar com eles de maneira mais eficiente (objetiva e racional) parece indicar uma boa direção para o ensino de ciências. Não?
 
Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

CONTEÚDO FRAGMENTADO....DISCIPLINAS SURDAS E e MUDAS UMAS EM RELAÇÃO AS OUTRAS

DISPONÍVEL: http://cienciahoje.uol.com.br/alo-professor/intervalo/2014/10/colcha-de-retalhos
ACESSO: 03/11/2014(adaptado)


Cursos livres disponíveis na internet ministrados por pesquisadores brasileiros permitem costurar noções científicas muitas vezes apresentadas de forma fragmentada pelo ensino formal, dando uma visão ampla e reflexiva do conhecimento.
Por: Vera Rita da Costa
Publicado em 01/10/2014 | Atualizado em 01/10/2014
      Na era da informação, há vantagens para quem é professor ou está diretamente ligado ao ensino. A mais evidente é a possibilidade de ter acesso franqueado a muita informação e poder se atualizar ou aprender sobre novos assuntos, os mais variados possíveis. Em outras palavras, é possível fazer o que todo bom professor gosta: aprender para ensinar, cada vez mais e melhor. Mais vantajosa ainda é a possibilidade de se valer das plataformas livres de aprendizagem, nas quais se pode realmente ser autodidata, sem necessariamente se manter um vínculo formal, cumprir prazos predefinidos, ter que atender demandas determinadas por outros ou arcar com custos que costumam ser exorbitantes para o minguado salário de professor em nosso país. É de fato muito bom poder aprender por conta própria, sem risco, sobretudo, de cair em certas ‘arapucas comerciais’ que, visam em geral a apenas lucrar sobre a demanda atual que recai sobre os profissionais da educação para se atualizarem.

Dica

      Além do Veduca, portal na internet que tem reunido e disponibilizado aulas e cursos de universidades e institutos estrangeiros e nacionais. Agora, a dica é : queremos incentivar você a fazer um passeio virtual e conhecer os cursos livres disponíveis na Univesp TV, canal de comunicação da Fundação Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp).
Valerá a pena. Certamente, você ficará encantado com a variedade de temas e possibilidades apresentados. Para quem é professor de história ou interessado na área, por exemplo, há cursos livres sobre a história do Brasil colonial, da América independente, das relações internacionais, da Grécia antiga, de São Paulo e da arte. E, em cada um desses cursos, há muita coisa boa e interessante, em aulas oferecidas de primeira mão por quem é professor e pesquisador da área nas melhores universidades do país. Mas, talvez, a sua área de atuação ou interesse não seja a história. Se for, por exemplo, ciências da natureza, também há muito o que aprender na Univesp TV. É possível ver aulas, cursos, livros e ciclos de conferência, que abordam vários temas relacionados à oceanografia, à astronomia, à física geral e às geociências, entre outros.
       Se você é professor de ciências, procure, em especial, assistir aos cursos ‘Sistema Terra’ e ‘Mudança climática global’.
       O primeiro deles é composto pelas aulas que integram a disciplina Sistema Terra, oferecida aos alunos do primeiro ano do curso de Licenciatura em Geociências e Educação Ambiental, do Instituto de Geociências da USP (IG/USP), e ministrada pelos professores Wilson Teixeira, Paulo Boggiani e Veridiana Martins, pesquisadores do próprio IG/USP.
        Além de fornecerem informações que permitem, de fato, se atualizar em relação às teorias mais aceitas sobre a origem, a constituição e o funcionamento do planeta em que vivemos, esses cursos chamam a atenção também pelo esforço em buscar apresentar a informação científica mais atualizada sobre a Terra e as mudanças a que ela está submetida em uma abordagem mais integrada, dinâmica e sistêmica.

Convite à reflexão

        Os professores não se contentam apenas em fornecer informações variadas e originárias das diferentes áreas do conhecimento, mas buscam também exercitar o indispensável e saudável hábito científico de refletir sobre diferentes aspectos, buscar relações e tentar estabelecer novas sínteses – uma atitude que, convenhamos, embora seja ideal, não é a mais comum em ciência, inclusive, na nossa formação de professores ou em nossas salas de aula.
         No ensino de ciências, de modo geral, da educação infantil à pós-graduação (incluindo, portanto, a formação de nossos professores de ciências), impera a fragmentação. Somos todos apresentados a informações, ideias e conceitos os mais variados possíveis, mas de forma dispersa, estanque e compartimentalizada, em um processo que se acentua conforme se avança na escolarização e que torna, cada vez mais, as disciplinas científicas – e as suas temáticas isoladas – surdas e mudas umas em relação às outras.
          A ciência perde assim seu lado mais encantador, uma vez que ela é apresentada em fragmentos, como se fossem retalhos de uma linda e enorme colcha que nem ao menos sabemos existir. De vez em quando, no entanto, travamos contato com alguém que nos ajuda a tecer a costura entre alguns desses fragmentos e a antever a beleza possível do conjunto. Esse é o caso desses cursos. Também é um dos maiores méritos de um bom professor de ciências, sobretudo nesta era da informação.
         Estando os retalhos mais disponíveis, torna-se cada vez mais urgente ensinar os alunos a selecioná-los, a unir aqueles possíveis e a ganhar gosto por admirar o conjunto. De outro modo, a informação, dispersa e fragmentada, como em geral nos é fornecida, é apenas como uma colcha em frangalhos: não serve a muita coisa nem interessa a muita gente.
Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP

E A DECOREBA....EM TEMPOS MODERNOS AINDA FUNCIONA?

DISPONÍVEL: http://cienciahoje.uol.com.br/alo-professor/intervalo/2014/10/o-dilema-da-decoreba
ACESSO: 03/11/2014


O foco do nosso processo de ensino e aprendizagem ainda recai demais na memorização de informações. Educadora questiona se essa regra deve ser mantida, ou se devemos usá-la apenas em casos específicos.
       
Por: Vera Rita da Costa
Publicado em 29/10/2014 | Atualizado em 29/10/2014
O dilema da decoreba
O caráter enciclopédico de nosso ensino pode acabar afastando os estudantes do interesse e da busca pelo conhecimento. Qual o objetivo de decorar, por exemplo, os afluentes do rio Amazonas ou as fases da mitose?
(foto: Freeimages/ Picaland)        
            Uma das grandes lástimas do ensino é o caráter enciclopédico e decorativo que ele pode assumir. E também o desgosto e o desânimo que isso pode causar, afastando por longo tempo, talvez por uma vida toda, a pessoa da busca e do mundo fascinante que leva ao conhecimento.
Lembre-se do seu tempo de escola. Certamente você tem um caso para contar. Muito provavelmente, foi obrigado a decorar, em geografia, os afluentes da margem direita e esquerda do rio Amazonas ou, em língua portuguesa, as preposições essenciais. Em última instância, caso não tenha caído em nenhuma das ciladas, não deve ter se livrado da ‘sagrada tabuada’, que precisava ‘estar na ponta da língua’.
            No meu caso, por exemplo, fui vítima de todas elas. Sei de cor os afluentes da margem direita (Javari, Jutaí, Juruá, Madeira...) e esquerda (Negro, Jari, Paru...) do rio Amazonas. Sei também as preposições essenciais (a, ante, até, após, com, contra ...) e a tabuada completa, inclusive a do nove. Mas, nenhuma dessas ‘decorações’ me incomoda tanto como ter sido induzida a memorizar a tabela periódica.
            Isso mesmo! Você pode não acreditar, mas fui levada a isso por um professor de química do ensino médio que achava fundamental ter 'na ponta da língua’ a sequência dos grupos (metais alcalinos; alcalinos terrosos, de transição...), bem como memorizar a posição e os respectivos números atômicos de cada elemento. “A tabela periódica – dizia ele – é a tabuada da química e tem que estar decoradinha como ela.”

Tabela e tabuada

         Não sou tão velha assim. Isso ocorreu há cerca de 30 anos e, no passo em que as coisas andam em educação, imagino que isso ainda possa acontecer em nosso vasto e diversificado sistema de ensino. Se não com a química, talvez com outras disciplinas. Se não com temas como a tabela periódica, talvez com alguns tidos como mais atuais.
Em biologia, por exemplo, sei que ainda se manda (ou se aconselha – esse termo é melhor para os tempos modernos) os alunos decorarem a sequência das fases da mitose (prófase, metáfase, anáfase e telófase) com a famosa frase mnemônica: “prometa à Ana telefonar”.
         Ou seja, fico aqui martelando os meus pensamentos e refletindo sobre o fato de que as coisas podem estar mais amenas ou mais ‘pedagogicamente corretas’ em nossa educação formal, mas que decorar ainda está muito presente em nossas escolas.
O foco do nosso processo de ensino e aprendizagem ainda recai demais na assimilação e memorização de informações. As questões que coloco sobre isso são: deveria ser mesmo assim ou, pelo menos, em que casos isso ainda deveria acontecer?
Tabela periódica
Memorizar a sequência dos grupos, a posição e os números atômicos de cada elemento da tabela periódica pode ser contraproducente. Mais importante do que assimilar informações é aprender a lidar com elas.
(imagem: Wikimedia Commons)Adicionar legenda
        Talvez se justifique, por exemplo, saber a tabuada de cor, pois não é sempre que temos à mão uma calculadora (fato que, no entanto, está mudando com a invenção do telefone celular e seus aplicativos). Além disso, sempre é bom saber fazer ‘contas de cabeça’, sobretudo para quem vive em meio urbano, em que as relações de consumo regem praticamente todas as situações diárias.
Mas o que dizer de saber de cor os afluentes da margem direita e esquerda do Amazonas, as preposições essenciais, as fases da mitose e a própria tabela periódica? Não parece um exagero injustificável? Em relação a esses temas, tenho minhas dúvidas. Não que eles não sejam interessantes ou que não devam estar presentes em nossas aulas. Ao contrário, sobre muitos desses temas precisamos ter informações, saber discutir e até opinar.

Qual o critério?

         Sobre a geografia do Amazonas, por exemplo, é necessário saber em detalhe as características da bacia hidrográfica amazônica para se compreender e opinar adequadamente sobre os projetos hidrelétricos que se pretende realizar lá. Sobre a mitose, também: quanto mais se conhecer sobre esse processo de divisão celular, inclusive as fases e a sequência de mecanismos associados a ele, melhor se compreenderá o que é o câncer, como ele se espalha pelo corpo e como agem as terapias que o combatem. O mesmo vale para os elementos químicos e a tabela periódica em si.
          Não me parece justo, portanto, julgar os temas de conhecimento e tentar decidir se são mais ou menos válidos, mais ou menos úteis. A questão central está mais na forma como ensinamos e aprendemos esses temas e, principalmente, no que desejamos para a educação de nossos filhos e alunos. Queremos que eles apenas assimilem informações ou, mais que isso, que também a compreendam e saibam lidar com ela?
          Há um degrau significativo que separa ter informação (ser bem informado) e ter conhecimento (saber usar a informação e ser conhecedor, de fato, das coisas). Mas, em nosso dia a dia atribulado, nem sempre nos damos conta disso e é comum que acabemos valorizando, induzindo e, em algumas situações mais graves, cobrando e avaliando nossos filhos e alunos pelo que não é o mais importante.
Meu professor de química do ensino médio, por exemplo, esqueceu-se de contar a incrível história de construção da tabela periódica; de usar a história de Dmitri Mendeleiev (1834-1907) como exemplo para transmitir uma vívida sensação de como se age em ciência ou, ainda, de exemplificar com esse caso como a obtenção de dados, sua organização e sistematização são valiosas ferramentas na busca pelo conhecimento, podendo levar a sínteses brilhantes, a previsões e a novas descobertas científicas. Isso poderia ter me animado em relação à química.
       Mas, embora sério e dedicado, meu professor de química se preocupou, sobretudo, com que assimilássemos a informação literal que se encontra na tabela periódica e nos incentivou a decorá-la sem qualquer compreensão de nível um pouco mais avançado. Mesmo sem o querer, restringiu, assim, o foco de seu ensino (e da minha aprendizagem) a uma visão medíocre da química, e fez com que, durante muito tempo, cada pequeno quadradinho da tabela periódica se apresentasse para mim como nada mais que a representação de um elemento químico – seu símbolo, nome e peso atômico –, sem qualquer relação com o que estava por traz da tabela, o mundo vívido da química.
         Hoje não precisa ser mais assim. A informação está amplamente disponível e temos recursos muito bacanas para acessá-la.
        Dê uma olhada, por exemplo, na tabela periódica interativa que a fundação Technology, Entertainment, Design (TED), por meio de sua área voltada à educação, a TED-Ed, acaba de disponibilizar na internet. Nela, cada pequeno quadradinho da tabela periódica abre-se, como uma janela, para vídeos sobre cada um dos elementos. São 118 vídeos. Informação e explicações à beça.
Se meu professor de química fosse vivo, o que pensaria sobre isso? O que diria sobre o ensino? Insistiria em que a tabela periódica é a “tabuada da química” e precisa ser decorada ou me ajudaria a descobrir seus mistérios?
         Como era um professor interessado, imagino que tomaria o segundo caminho. Acho que se debruçaria sobre a tabela periódica comigo e me auxiliaria a pensar sobre ela, fazendo relações que hoje, justamente porque perdi tempo na adolescência decorando a própria tabela, além dos afluentes das margens do rio Amazonas, nem suspeito que existam.
Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Treinamento avançado: Plataforma on-line utiliza recursos de games para motivar alunos a estudar conteúdo de disciplinas do ensino médio

DISPONÍVEL: http://revistapesquisa.fapesp.br/2014/08/21/treinamento-avancado/
ACESSO: 28/10/2014


     Uma plataforma on-line chamada Meu Tutor, criada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) com foco na preparação e treinamento de alunos que irão se submeter ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), tem se expandido rapidamente e recebido um expressivo fluxo de adesão. Somente entre abril e junho deste ano, o número de usuários ativos da plataforma, que pode ser acessada pela internet ou pelo Facebook, saltou de 5 mil para 10 mil. O Meu Tutor disponibiliza os conteúdos de todas as disciplinas abordadas no Enem por meio de mecanismos de recompensa como pontuação, níveis a serem atingidos, rankings e missões a serem cumpridas pelos participantes. E também permite fazer os simulados do exame nacional. Para que o estudante se sinta motivado, ele é desafiado e quando vence ganha bonificações em prêmios virtuais.
     Os pesquisadores trabalharam com três conceitos no desenvolvimento da ferramenta. Um deles é a aprendizagem personalizada, em que o ritmo é ditado pela dificuldade do aluno em assimilar a disciplina. “O conteúdo é adequado às necessidades de cada aluno”, diz o professor Seiji Isotani, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP de São Carlos, um dos criadores da ferramenta. A motivação é outro elemento utilizado no processo. “Um aluno que não está engajado e comprometido com a sua própria educação não aprende. Para mudar esse quadro, utilizamos de maneira inteligente técnicas de games para motivar o aprendizado on-line”, diz o pesquisador. “Essa é uma das características inovadoras que diferenciam o projeto.” A plataforma educacional também aposta na aprendizagem social ao formar grupos colaborativos, em que o conhecimento e as experiências são compartilhados. Além disso, há também a preocupação de propiciar uma aprendizagem personalizada, adequando o conteúdo às necessidades específicas de cada aluno. Na avaliação de Isotani, a inovação tecnológica pode melhorar o processo de ensino e aprendizagem de forma a aumentar a motivação e o rendimento dos alunos, o que resultará na melhora de índices escolares em avaliações nacionais e internacionais.
     Uma startup, sediada na Ufal, foi criada em 2012 com o objetivo de trabalhar na ferramenta e dar continuidade a novos projetos de uso da plataforma em trabalhos educacionais. Ela foi premiada na Olimpíada USP de Inovação 2014 na categoria Empresa Nascente e também recebeu neste ano o prêmio Alagoano Empreendedor Inovador. Atualmente é cobrada uma mensalidade de R$ 9,90 para cada aluno cadastrado. “Ao se cadastrar, ele pode fazer o treinamento em todas as disciplinas dadas no ensino médio e realizar simulados do Enem”, diz Isotani. Caso o foco do aluno seja apenas matemática, ele pode usar a ferramenta livremente, sem pagar nenhuma taxa.
 
Parceria universitária
     A ideia de criar uma empresa para produzir plataformas educacionais surgiu em 2007, durante um congresso. Na ocasião, Isotani, que estava terminando o seu doutorado na área de computação aplicada à educação na Universidade de Osaka, no Japão, conheceu o também pesquisador Ig Ilbert Bittencourt, atualmente professor na Ufal. “Vimos que havia um grande potencial de uso de tecnologias inteligentes no processo de aprendizagem e pouca coisa desenvolvida no Brasil”, relata. “Decidimos então abrir uma empresa para suprir essa lacuna.”
     As pesquisas são realizadas em conjunto entre as duas universidades, com o envolvimento de 10 alunos de mestrado e doutorado atualmente. Na empresa outras 10 pessoas trabalham no desenvolvimento de softwares. “A plataforma que criamos pode ser utilizada em diferentes domínios”, diz Isotani. O grupo de pesquisa está trabalhando agora no Meu Tutor Prova Brasil – avaliação em larga escala aplicada aos alunos de 5º a 9º ano do ensino fundamental nas redes municipais, estaduais e federais – e outras frentes estão sendo estudadas, como o treinamento de pessoas em empresas.
     Segundo Isotani, o mercado de aplicativos e softwares educacionais tem registrado crescimento no Brasil. Ele cita dados apresentados em um estudo realizado em parceria pelas empresas Inspirare e Potencia Ventures, intitulado “Oportunidades em educação para negócios voltados para a população de baixa renda no Brasil”, que mostram um mercado potencial de R$ 60 bilhões para a educação, sendo que cursos, games e softwares representam 78% desse mercado potencial.
     Uma das principais linhas de pesquisa no Laboratório de Computação Aplicada à Educação do ICMC, que tem Isotani como um dos coordenadores, é a formação de grupos de aprendizagem e uso de dispositivos móveis no ensino. Na sua avaliação, para que os alunos aprendam de maneira colaborativa, a seleção dos grupos não pode ser baseada em afinidades entre os participantes, nem o ambiente de ensino deve estar restrito a uma sala de aula. “Nesses casos, os conflitos, que contribuem para novas ideias e aprendizados, quase sempre são evitados.” Entre os critérios a serem levados em conta para a criação de grupos com bons resultados estão alunos com níveis de conhecimento variados, para garantir que o grupo seja o mais heterogêneo possível, além de aspectos culturais, socioeconômicos e motivacionais dos participantes. A partir da identificação dessas características os pesquisadores criam algoritmos – sequências de comandos passadas para o computador – para que esses grupos sejam formados da melhor forma possível em ambientes apoiados por dispositivos móveis como tablets e celulares.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

CONVICÇÕES e CRENDICES

ACESSO: 27/10/2014
Educadora recomenda livro que mostra como o cérebro constrói nossas crenças e as transforma em verdades, e constata quão árdua é a tarefa de substituir ideias preconcebidas baseadas no conhecimento intuitivo pelas de caráter científico.
Por: Vera Rita da Costa
Publicado em 23/10/2014 | Atualizado em 23/10/2014
Acabo de ler um interessante livro que todo professor de ciências deveria conhecer. Trata-se de Cérebro e crença, de Michael Shermer, historiador da ciência, editor e fundador da revista Skeptic e colunista da Scientific American.
O porquê dessa indicação? É simples e se encontra no próprio subtítulo da publicação, o qual informa que o objetivo da obra é justamente discutir ‘como nosso cérebro constrói nossas crenças e as transforma em verdades’.
Em outras palavras, mais próximas do universo pedagógico, o livro trata, indiretamente, sobre por que é tão difícil ensinar ciências e promover em nossos alunos a substituição das ideias preconcebidas, baseadas em geral no conhecimento de senso comum, intuitivo e cotidiano, por aquelas de caráter científico.
Pesando melhor, a leitura de Cérebro e crença não interessaria apenas a professores de ciências. Mas a todos, principalmente nestes tempos bicudos em que, escudados pelo distanciamento físico que as redes sociais propiciam, promovem-se na internet discussões virtuais e virulentas sobre tudo.
Com a leitura deste livro, seria possível refletir melhor e ponderar sobre a origem e a racionalidade das próprias ideias, antes de defendê-las a qualquer custo ou de combater com unhas e dentes aquelas que lhes são diferentes ou opostas.
Seria possível perceber, por exemplo, que muitas das convicções que se tem são apenas racionalizações pessoais ou versões próprias a que se chegou por uma grande variedade de razões, nas quais se incluem fatores como a personalidade e o temperamento, a dinâmica familiar e o ambiente cultural com que se convive, além das experiências de vida acumuladas.
Nossas convicções, como diz o autor, não necessariamente estão baseadas apenas em fatores relacionados à inteligência, à escolarização ou ao nível de informação que pretensamente julgamos ter. Também não se baseiam em uma análise imparcial de prós e contras ou no uso da lógica e da razão para definir e escolher os fatos que as apoiam.
A maioria de nós, a maior parte do tempo, como nos informa Shermer, fundamenta suas opiniões e crenças em fatos filtrados pelo cérebro através das “lentes coloridas de visões de mundo, paradigmas, teorias, hipóteses, conjeturas, pistas, tendências e preconceitos que se acumulam durante a vida”.
Em ‘pedagogês’, diríamos que nosso conhecimento se baseia muito mais em formas de pensamento e aprendizagens implícitas do que em formas explícitas, racionais e lógicas, como é característico do pensamento científico.
Por isso, como dizem Juan Ignácio Pozo e Miguel Crespo em seu livro A aprendizagem e o ensino de ciências – do conhecimento cotidiano ao conhecimento científico, a aprendizagem de ciências é tão difícil. Para se concretizar, ela exigiria uma mudança conceitual profunda, com a substituição do conhecimento de caráter cotidiano e implícito por aquele científico e reflexivo. Ou, pelo menos, como defendem certos autores, que o aprendiz reconheça a existência desses dois diferentes tipos de conhecimentos e aprenda a ativá-los em diferentes momentos e situações, de acordo com o contexto e a necessidade.

Truques cerebrais

Mas, voltando ao livro de Shermer, é interessante acompanhar as informações e a argumentação que ele usa para mostrar que somos ‘viciados’ em selecionar, entre todas as informações e fatos com os quais travamos contato, apenas aqueles que confirmem o que já acreditamos, ignorando ou afastando mediante racionalização aquilo que contradiz nossas crenças. Com isso, diz o autor, tornamo-nos mais e mais seguros e convictos de nossas posições. Tornamo-nos, também, mais e mais refratários a ideias diferentes e menos permeáveis às propostas de mudanças.
As ideias expressas em Cérebro e crença estão baseadas em pressupostos das neurociências e da biologia evolutiva e, dentro desta, em uma área que vem sendo chamada de ‘biologia da crença’.
Nuvens
Quando identificamos rostos humanos em nuvens, estamos diante da tendência de nosso cérebro à ‘padronicidade’ – a tentativa cerebral de encontrar e reconhecer padrões onde na verdade não existem. (foto: Grażyna Suchecka/ Freeimages)
Um desses pressupostos é a ideia de ‘padronicidade’, segundo a qual nosso cérebro estaria “pré-programado pela evolução” para reconhecer padrões e agir com base neles. Outro é a ideia de ‘acionalização’ ou a tendência que nosso cérebro possui de também forjar justificativas que validem esses padrões e os transformem em crenças.
A ‘padronicidade’, como explica Shermer, é uma característica adaptativa que conferiu à nossa espécie vantagens evolutivas, entre as quais a rapidez de pensamento e ação.
Somos tão ‘apegados’ a certos padrões e ‘viciados’ em reconhecê-los, informa o autor, que nos arriscamos a encontrá-los rapidamente onde não existem, ou tentamos enquadrar fatos neles, de forma a torná-los significativos, mesmo quando não o são.
Quando, por exemplo, identificamos rostos humanos em nuvens e paisagens, estamos frente a frente com a tendência de nosso cérebro à ‘padronicidade’ ou, ainda, diante de uma reação mental ‘automatizada’ de reconhecimento de padrões faciais e da imagem humana, onde, de fato, eles não existem.
A ‘acionalização’, por sua vez, está relacionada à tendência do cérebro humano de completar informações, inferir, deduzir e criar enredos apenas com base em fragmentos da realidade.
Como explica Shermer, além de buscar sempre filtrar os dados, segundo os padrões pré-existentes e que lhe são mais facilmente reconhecíveis, o cérebro humano também tem a tendência de acomodar ou adaptar o que é novidade a esses padrões e modelos já conhecidos.
O cérebro acaba, assim, ‘editando’ as informações que recebe, complementando-as, realçando aquelas que conferem com os padrões que já possui e reinterpretando-as a sua maneira própria. Dessa forma, acaba também por justificar e validar as ideias e modelos preexistentes, em um processo de retroalimentação e reforço de ideias e padrões.
Tornamo-nos, assim, crentes em nossas próprias ideias e defensores intransigentes de nossas posições, mesmo que elas tenham sido forjadas de maneira ‘rápida e rasteira’ ou estejam baseadas em pressupostos distantes daqueles considerados racionais.
Se você é professor de ciências ou frequentador das redes sociais na internet, lembre-se disso em sua próxima aula e em sua próxima discussão virtual. As ideias, quando se transformam em crenças arraigadas, se tornam fortalezas contra a aprendizagem.
Lembre-se também de que o processo vale para os dois lados. Nem mesmo a mente de um gênio – como diz Shermer – é capaz de anular os desvios cognitivos que favorecem o pensamento não científico.
Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP

terça-feira, 2 de setembro de 2014

VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS.....

ACESSO: 02/09/2014
 
O Brasil é o país com mais violência nas escolas na lista de 34 nações pesquisadas pela Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico. Segundo a OCDE, 12,5% dos profissionais brasileiros dos ensinos fundamental é médio disseram ser vítimas de agressões verbais ou de intimidação de alunos ao menos uma vez por semana. A média entre os países pesquisados é de 3,4%. Os professores brasileiros recebem R$1,9 mil por mês, três vezes menos que a média dos países da OCDE, de R$ 5,7 mil.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

USO DE NOVAS TECNOLOGIAS AUMENTAM INTERESSE DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO

DISPONÍVEL: http://revistapesquisa.fapesp.br/2014/08/21/treinamento-avancado/
ACESSO: 01/09/2014

Treinamento avançado

Plataforma on-line utiliza recursos de games para motivar alunos a estudar conteúdo de disciplinas do ensino médio
DINORAH ERENO | Edição 222 - Agosto de 2014
© VISCA
Uma plataforma on-line chamada Meu Tutor, criada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) com foco na preparação e treinamento de alunos que irão se submeter ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), tem se expandido rapidamente e recebido um expressivo fluxo de adesão. Somente entre abril e junho deste ano, o número de usuários ativos da plataforma, que pode ser acessada pela internet ou pelo Facebook, saltou de 5 mil para 10 mil. O Meu Tutor disponibiliza os conteúdos de todas as disciplinas abordadas no Enem por meio de mecanismos de recompensa como pontuação, níveis a serem atingidos, rankings e missões a serem cumpridas pelos participantes. E também permite fazer os simulados do exame nacional. Para que o estudante se sinta motivado, ele é desafiado e quando vence ganha bonificações em prêmios virtuais.

Os pesquisadores trabalharam com três conceitos no desenvolvimento da ferramenta. Um deles é a aprendizagem personalizada, em que o ritmo é ditado pela dificuldade do aluno em assimilar a disciplina. “O conteúdo é adequado às necessidades de cada aluno”, diz o professor Seiji Isotani, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP de São Carlos, um dos criadores da ferramenta. A motivação é outro elemento utilizado no processo. “Um aluno que não está engajado e comprometido com a sua própria educação não aprende. Para mudar esse quadro, utilizamos de maneira inteligente técnicas de games para motivar o aprendizado on-line”, diz o pesquisador. “Essa é uma das características inovadoras que diferenciam o projeto.” A plataforma educacional também aposta na aprendizagem social ao formar grupos colaborativos, em que o conhecimento e as experiências são compartilhados. Além disso, há também a preocupação de propiciar uma aprendizagem personalizada, adequando o conteúdo às necessidades específicas de cada aluno. Na avaliação de Isotani, a inovação tecnológica pode melhorar o processo de ensino e aprendizagem de forma a aumentar a motivação e o rendimento dos alunos, o que resultará na melhora de índices escolares em avaliações nacionais e internacionais.
Uma startup, sediada na Ufal, foi criada em 2012 com o objetivo de trabalhar na ferramenta e dar continuidade a novos projetos de uso da plataforma em trabalhos educacionais. Ela foi premiada na Olimpíada USP de Inovação 2014 na categoria Empresa Nascente e também recebeu neste ano o prêmio Alagoano Empreendedor Inovador. Atualmente é cobrada uma mensalidade de R$ 9,90 para cada aluno cadastrado. “Ao se cadastrar, ele pode fazer o treinamento em todas as disciplinas dadas no ensino médio e realizar simulados do Enem”, diz Isotani. Caso o foco do aluno seja apenas matemática, ele pode usar a ferramenta livremente, sem pagar nenhuma taxa.
Parceria universitária
A ideia de criar uma empresa para produzir plataformas educacionais surgiu em 2007, durante um congresso. Na ocasião, Isotani, que estava terminando o seu doutorado na área de computação aplicada à educação na Universidade de Osaka, no Japão, conheceu o também pesquisador Ig Ilbert Bittencourt, atualmente professor na Ufal. “Vimos que havia um grande potencial de uso de tecnologias inteligentes no processo de aprendizagem e pouca coisa desenvolvida no Brasil”, relata. “Decidimos então abrir uma empresa para suprir essa lacuna.”
As pesquisas são realizadas em conjunto entre as duas universidades, com o envolvimento de 10 alunos de mestrado e doutorado atualmente. Na empresa outras 10 pessoas trabalham no desenvolvimento de softwares. “A plataforma que criamos pode ser utilizada em diferentes domínios”, diz Isotani. O grupo de pesquisa está trabalhando agora no Meu Tutor Prova Brasil – avaliação em larga escala aplicada aos alunos de 5º a 9º ano do ensino fundamental nas redes municipais, estaduais e federais – e outras frentes estão sendo estudadas, como o treinamento de pessoas em empresas.
Segundo Isotani, o mercado de aplicativos e softwares educacionais tem registrado crescimento no Brasil. Ele cita dados apresentados em um estudo realizado em parceria pelas empresas Inspirare e Potencia Ventures, intitulado “Oportunidades em educação para negócios voltados para a população de baixa renda no Brasil”, que mostram um mercado potencial de R$ 60 bilhões para a educação, sendo que cursos, games e softwares representam 78% desse mercado potencial.
Uma das principais linhas de pesquisa no Laboratório de Computação Aplicada à Educação do ICMC, que tem Isotani como um dos coordenadores, é a formação de grupos de aprendizagem e uso de dispositivos móveis no ensino. Na sua avaliação, para que os alunos aprendam de maneira colaborativa, a seleção dos grupos não pode ser baseada em afinidades entre os participantes, nem o ambiente de ensino deve estar restrito a uma sala de aula. “Nesses casos, os conflitos, que contribuem para novas ideias e aprendizados, quase sempre são evitados.” Entre os critérios a serem levados em conta para a criação de grupos com bons resultados estão alunos com níveis de conhecimento variados, para garantir que o grupo seja o mais heterogêneo possível, além de aspectos culturais, socioeconômicos e motivacionais dos participantes. A partir da identificação dessas características os pesquisadores criam algoritmos – sequências de comandos passadas para o computador – para que esses grupos sejam formados da melhor forma possível em ambientes apoiados por dispositivos móveis como tablets e celulares.

A FAMÍLIA CURIE


ACESSO: 01/09/2014

O nome Curie surge na Física por intermédio das descobertas realizadas pelos físicos franceses Pierre (1859-1906; PNF, 1903) e Paul-Jacques (1855-1941) sobre os fenômenos da piro e da piezo-eletricidade. Com efeito, em 1880 (Comptes Rendus Hebdomadaires des Séances de l´Academie de Sciences 91, pgs. 294; 383), 1881 (Comptes Rendus Hebdomadaires des Séances de l´Academie de Sciences 92, pgs. 186; 350; 93, pgs. 204; 1137) e 1882 (Comptes Rendus Hebdomadaires des Séances de l´Academie de Sciences 95, p. 914), esses dois irmãos realizaram experiências nas quais observaram que havia uma diferença de potencial na face de um cristal toda vez que sobre ela se colocava um peso. Eles encontraram esse mesmo efeito em vários cristais: quartzo, cristal de Rochelle, turmalina e topázio. Eles observaram, também, que todos os corpos piroelétricos são simultaneamente piezoelétricos, pois os fenômenos resultantes das variações de temperatura e os resultados das variações de pressão são devidos a uma única e mesma causa: a contração ou a dilatação do cristal. É oportuno destacar que os cristais piezoelétricos são muito usados na indústria acústica como transdutores, pois transformam a onda sonora em corrente alternada ou vice-versa.

Em 1895 (Annales de Chimie et de Physique 5, p. 289), Pierre Curie apresentou o resultado de suas pesquisas, realizadas para a sua Tese de Doutoramento, nas quais estudou as propriedades magnéticas dos materiais paramagnéticos, diamagnéticos e ferromagnéticos. Nesse estudo, descobriu que a relação entre a suscetibilidade magnética ( ) e a temperatura absoluta (T), traduzida pela hoje célebre lei de Curie: , valia para as substâncias paramagnéticas enquanto que para as diamagnéticas era independente dessa mesma temperatura, exceto para o bismuto (Bi). Ainda nesses trabalhos, Pierre Curie estudou o comportamento da magnetização de substâncias ferromagnéticas em função de T e/ou do campo magnético externo aplicado e, em conseqüência dessas pesquisas, descobriu que existe uma determinada temperatura T – mais tarde conhecida como temperatura Curie (TC) – acima da qual a substância ferromagnética se comporta como paramagnética. É oportuno notar que o físico e químico inglês Michael Faraday (1791-1867), em suas experiências realizadas em 1845, observou que nem todas as substâncias reagem da mesma maneira na presença de um campo magnético. Assim, algumas delas conduzem bem o campo magnético, fazendo convergir as “linhas de força” desse campo através de si próprias. A esse grupo de substâncias denominou de paramagnéticas [p.e., oxigênio (O) e paládio (Pd)]. Por outro lado, outro grupo de substâncias são pobres condutoras de campo magnético, divergindo suas “linhas de força” através de si mesmas; a esse grupo, Faraday deu o nome de diamagnéticos [p.e., antimônio (Sb) e bismuto (Bi)]. Logo depois, em 1847 (Leipzig Berichte 1, p. 346 ), o físico alemão Wilhelm Eduard Weber (1804-1891) tentou explicar esse comportamento magnético dos corpos usando as “correntes amperianas” (correntes elétricas no interior dos corpos) e, em 1852 (Annalen der Physik 87, p. 145), ao usar essa mesma explicação, descobriu que existem substâncias em que a magnetização induzida pelo campo magnético externo, não aumenta na mesma proporção do aumento do campo externo, mas tende para um valor de saturação. Tais substâncias foram mais tarde denominadas de ferromagnéticas [p.e., ferro (Fe) e níquel (Ni)].

Um terceiro nome famoso Curie é o da física e química polonesa Marya Salomee Sklodowska (1867-1934; PNF, 1903; PNQ, 1911) que, ao casar com Pierre Curie, em 1895, passou a se chamar de Marie Curie, conhecida mundialmente como Madame Curie. Como já tratei, em verbete desta série, dos trabalhos que o casal Curie realizou sobre a radioatividade, neste verbete vou destacar alguns fatos curiosos sobre esse célebre casal e, para isso, usarei os seguintes textos: Eva Curie, Madame Curie (Companhia Editora Nacional, 1962); Françoise Giroud, Madame Curie (Martins Fontes, 1989); A. M. Nunes dos Santos, Maria Amália Bento e Christopher Auretta (Organizadores), Mulheres na Ciência: Lise Meitner, Maria Goeppert Mayer e Marie Curie (Gradiva, 1991); Sharon Bertsch McGrayne, Mulheres que Ganharam o Prêmio Nobel em Ciências: Suas Vidas, Lutas e Notáveis Descobertas (Marco Zero, 1994); Isabelle Chavannes, Leçons de Marie Curie: Physique Élémentaire pour les enfants de nos amis (1907) (EDP Sciences, 2003); e Bárbara Goldsmith, Gênio Obsessivo: O Mundo Interior de Marie Curie (Companhia das Letras, 2006).

Conforme registramos no verbete referido sobre as pesquisas do casal Curie, em dezembro de 1898, esse casal e mais o químico francês Gustave Bémont (1857-1932) anunciaram que haviam descoberto mais um elemento radioativo, similar ao bário (Ba), ao qual deram o nome de rádio (Ra). É oportuno registrar que, no dia 28 de março de 1902, Madame Curie anotou em sua caderneta preta: Ra = 225, 93. O peso de um átomo de rádio. Pois bem, apesar de Pierre e Marie Curie viverem com um orçamento apertado, eles recusaram a patentear o método (cristalização fracionária) que Madame Curie desenvolveu para purificar o rádio, cuja primeira prova de sua existência foi fornecida por análise espectral. Quando Pierre leu à sua esposa uma carta vinda dos Estados Unidos da América na qual lhe propunham patentear seu método para assegurar seus próprios direitos, Madame Curie foi incisiva: Impossível! É contrário ao espírito científico. Pierre concordou imediatamente. Noutra ocasião, já viúva de Pierre (que morreu atropelado por uma carruagem conduzida pelo cocheiro Luís Marin, na rua Dauphine, no dia 19 de abril de 1906, quando se dirigia ao escritório da Comptes Rendus para conferir as provas de um novo artigo), Madame Curie doou (contra o parecer da família de seu marido) ao laboratório que trabalhava o grama de rádio que o casal havia isolado, durante vários anos de trabalho, e que valia um milhão de francos-ouro. Ela repetiria o mesmo gesto com o grama de rádio que o Governo dos Estados Unidos lhe doara para as suas pesquisas, chegando inclusive a solicitar que o documento de doação fosse retificado, poucas horas antes da solenidade.

A falta de apego, por parte dos Curie, às glórias de qualquer natureza e, também, aos bens materiais, está registrada nos seguintes fatos. Conforme já assinalei em um verbete desta série, o matemático francês Paul Appell (1855-1930), grande estudioso da Mecânica Racional e então Reitor da Universidade de Paris indicou o nome de Pierre Curie para receber a Legião de Honra da França. Em resposta a essa indicação, Pierre respondeu: Peço-vos agradecer ao Sr. Ministro e informá-lo de que não tenho absolutamente necessidade de ser condecorado e sim de dispor de um laboratório. Anos depois, em 1910, Madame Curie também recusou essa honraria. Creio ser oportuno registrar que quando Madame Curie começou suas pesquisas com uma tonelada de resíduos de pechblenda [um minério de urânio (U) que existia nas minas de Saint-Joachimsthal, na Boêmia] que havia sido doada pelo Governo Austríaco, ela trabalhava em um galpão desativado, em uma antiga sala de dissecação de cadáveres usada pelos estudantes da Escola de Medicina da Universidade de Paris (Sorbonne). Esse galpão, de teto envidraçado, esburacado, e com piso em chão batido, ficava na rua Lhomond, defronte da École de Physique, onde os Curie trabalhavam.

Em novembro de 1903 os Curie receberam uma carta da Royal Society of London indicando que eles haviam recebido a Medalha Davy, uma das mais altas condecorações daquela Sociedade. Adoentada, Madame Curie pede ao seu marido que vá a Londres receber a pesada medalha de ouro em que estão gravados os nomes Pierre e Marie Curie. Como não existia um local apropriado na casa onde moravam, no Boulevard Kellermann, eles deram-na para a filha Irene, então com seis anos de idade. Quando os amigos iam visitar o casal Curie e viam a filha Irene brincando com a medalha, os Curie diziam: Irene adora o tostãosão amarelo!

Por ocasião da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) Madame Curie chegou a oferecer, ao Banco Francês, as medalhas de ouro que ela havia ganhado com os dois Prêmios Nobel (Física, 1903 e Química, 1911), assim com a do PNF (1903) de Pierre, para serem fundidas e transformadas em ouro na tentativa de ajudar no esforço de guerra desferido pela França. O funcionário do Banco recusou-se a receber essas medalhas. Aliás, no começo dessa Guerra, usando os recursos da União das Mulheres Francesas, Madame Curie organizou um verdadeiro hospital ambulante, composto de 20 viaturas, da marca Renault, dotadas de aparelhos de raios X e acionados pelo próprio motor de cada viatura, para atender os feridos nas linhas do “front” da Guerra. Certo dia, quando um dos motoristas faltou, Madame Curie chegou a dirigir uma dessas “petites Curies”, como eram chamadas pelos soldados franceses, pelas esburacadas estradas francesas. É interessante notar que essa sua experiência com a radiologia X foi registrada em um texto intitulado La Radiologie et la Guerre, escrito em 1921.

Antes de passarmos a relatar aspectos curiosos de outros Curie famosos, é oportuno destacar dois fatos inusitados da vida de Madame Curie. O primeiro deles relaciona-se com a cooperativa de ensino que ela inventou, em 1907 (agora morando em uma casa de campo em Sceaux, com seu sogro Eugène Curie e suas duas filhas: Irène, nascida em 1897 e Eve, nascida em 1904), para proporcionar a Irène, bem como aos filhos de seus amigos, uma educação diferente da que o ensino francês proporcionava. Assim, junto com seus vizinhos franceses de Sceaux, os físicos Jean Baptiste Perrin (1870-1942; PNF, 1926) e Paul Langevin (1872-1946) e o sinólogo Emmanuel-Édouard Chavannes (1865-1918), decidiram que esses jovens alunos teriam uma aula diária com professores da Sorbonne e do Collège de France. Desse modo, esses alunos (Aline e Francis Perrin; Irène Curie; Jean e André Langevin; Pierre, Etienne e Mathieu Hadamard; Paul Magrou; André Mouton; Marguerite e Isabelle Chavannes; e Pierre Brucker) tinham aula de Química com Jean Perrin, na Sorbonne; e Matemática com Paul Langevin, em Fontenay-aux-Roses. Marie Henriette Mouton (1873-1964) e o escultor Jean Magrou (1869-1936) encarregavam-se do ensino das Ciências Naturais, Desenho e Modelagem. Por sua vez, as aulas de Francês, Literatura, História e visitas ao Louvre foram conduzidas por Henriette Perrin e Alice Chavannes. As aulas de Física eram dadas por Madame Curie, na École de Physique (Sorbonne), nas tardes de quinta-feira. Note-se que algumas dessas aulas encontram-se no citado livro de Isabelle Chavannes.

O outro fato inusitado da vida de Madame Curie, e que foi bastante doloroso para ela, trata-se de seu envolvimento amoroso com Paul Langevin, ocorrido em 1910, quatro anos depois de ficar viúva. Físico e matemático brilhante [em 1906 chegou a demonstrar a célebre fórmula: E = mc2, sem saber que o físico germano-norte-americano Albert Einstein (1879-1955; PNF, 1921), já havia realizado tal demonstração em 1905], Paul Langevin, ex-aluno de Pierre Curie, era amigo dos Curie há muito tempo. Cinco anos mais novo do que Madame Curie, era um homem alto, de porte militar, olhos penetrantes, cabelos curtos à escovinha, um bigode espesso com pontas recurvadas, e que declamava com entusiasmo os mil versos que sabia de cor. Enquanto ajudava na preparação e no esmero da apresentação das aulas que Madame Curie dava na Sorbonne, Paul Langevin lamentava seu casamento desastroso com Jeanne Desfosses, que chegou a contratar um detetive particular para vigiar o casal de amantes. Esse relacionamento provocou um escândalo muito grande em Paris. Os “tablóides” sensacionalistas parisienses abriam manchetes do tipo: A Vestal do Rádio rouba marido de uma mãe francesa. Em um certo dia, um grupo de pessoas gritava na frente da casa dela: Ladra de maridos! Fora com a estrangeira! . Não irei mais me estender nesse escândalo, cujos detalhes podem ser vistos nos livros citados acima, apenas registro o que o filho dos Langevin, André escreveu na biografia que fez do pai: Era bastante natural que aquela amizade (com Marie), acrescida de mútua admiração, se transformasse, vários anos depois da morte de Pierre Curie, pouco a pouco, em uma paixão e uma ligação (...). O lar em que fôramos educados até então foi momentaneamente destruído. Meu pai e minha mãe iriam viver separados até a guerra de 1914.

Tratemos, agora, de um outro casal famoso e que leva também o nome Curie. No entanto, nesse caso, esse nome famoso está associado ao de Joliot. Vejamos a razão dessa associação. Ao casar com a física francesa Irene Curie (1897-1956; PNQ, 1935), o físico francês Jean Frédéric Joliot (1900-1958) resolveu adotar o nome Joliot-Curie para que ficasse preservado o nome Curie, uma vez que sua mulher só possuía a irmã Eve, conforme registramos anteriormente. A fama do casal Joliot-Curie se deveu ao fato da descoberta da radioatividade artificial ocorrida em 1934 (Comptes Rendus de l´Academie de Sciences de Paris 198, pgs. 254; 559 e Nature 133, p. 201), em conseqüência de experiências que o casal realizou, nas quais bombardeou alumínio ( ) com partículas ( ). Depois de remover a fonte dessas partículas, os Joliot-Curie observaram que o alvo de alumínio, depois de expelir nêutrons ( ), continuava a emitir radiações e interpretou-as como provindas de um isótopo, na realidade, um radioisótopo do fósforo ( ) não encontrado na Natureza. Desse modo, esse casal acabara de descobrir a radioatividade artificial, de acordo com a seguinte reação nuclear:

Muito mais tarde, na década de 1950, as radiações que aparecem nesse tipo de reação nuclear, foram explicadas como sendo devidas ao decaimento desse fósforo radioativo em silício ( ), com a emissão de um pósitron ( ) e seu respectivo neutrino ( ), em uma reação do tipo: com a vida média tendo o seguinte valor: T = 3,25 min.

É oportuno destacar que, antes dessa sensacional descoberta, o casal Joliot-Curie esteve perto de realizar duas outras notáveis descobertas. Vejamos como. Em 1932 (Comptes Rendus de l´Academie de Sciences de Paris 194, pgs. 273; 708; 876), esse casal bombardeou um alvo de berílio (Be) com partículas , observando uma “radiação penetrante” capaz de arrancar prótons (p) do absorvente de parafina que esse casal havia usado. Aliás, esse tipo de “radiação penetrante” já havia sido observado pelos físicos alemães Walther Bothe (1891-1957; PNF, 1954) e Herbert Becker (1887-1955), em 1930 (Zeitschrift für Physik 66, p. 289; Naturwissenschaften 18, p. 705), ao bombardearem os elementos químicos leves [lítio (Li), Be, boro (B) etc.] com partículas emitidas pelo polônio (Po), descoberto pelo casal Curie, em 1898. Esse tipo de “radiação” foi então interpretada como radiação gama ( ). Contudo, o casal Joliot-Curie interpretou-a como sendo um novo tipo de radiação, diferente da . Ao apresentarem essa interpretação, admitiram que essa “nova radiação penetrante” havia sofrido um espalhamento Compton com o próton da parafina e, com isso, o casal calculou sua energia como sendo de 55 Mev. Porém, nessa época, não havia evidência experimental para uma energia tão alta, uma vez que o máximo de energia então observada experimentalmente era da ordem de 10,6 Mev.

É oportuno registrar que essa possível “nova radiação” da Natureza foi interpretada corretamente pelo físico inglês Sir James Chadwick (1891-1974; PNF, 1935), ainda em 1932 (Proceedings of the Royal Society of London A136, pgs. 696; 735 e Nature 129, p. 312), ao realizar uma experiência na qual estudou a colisão de partículas com um alvo de boro ( ), colisão essa que produziu o nitrogênio ( ) e mais uma “radiação penetrante”, conforme acontecera nos casos vistos acima. No entanto, Chadwick interpretou essa “radiação” como sendo uma partícula neutra (conforme já havia sugerido, em 1931, em um trabalho que escreveu com H. C. Webster), a qual chamou de nêutron ( ), conforme indica a seguinte reação nuclear: , partícula essa cuja massa era aproximadamente igual à do próton. Observe-se que, nessa experiência, Chadwick usou um novo tipo de detector, o chamado escala de dois-contadores (“scale of two-counter”), que havia sido inventado pelos físicos ingleses F. A. B. Ward, Charles Eryl Wynn-Williams e H. M. Cave, em 1929 (Proceedings of the Royal Society of London A125, p. 715). Segundo nos relata o físico ítalo-norte-americano Emílio Gino Segré (1905-1989; PNF, PNF, 1959) em seu livro Dos Raios-X aos Quarks (Editora UnB, 1987), quando o físico italiano Ettore Majorana (1906-1938) leu o trabalho dos Joliot-Curie, exclamou: Que tolice. Eles descobriram um próton neutro e não o reconheceram. [O leitor poderá ver uma discussão matemática sobre as interpretações do casal Joliot-Curie e de Chadwick, no seguinte livro: V. Acosta, C. L. Cowan e B. J. Graham, Curso de Física Moderna (Harla, 1975).]

A segunda quase-descoberta do casal Joliot-Curie aconteceu no ano seguinte, em 1933 (Journal de Physique 4, p. 494), quando apresentou o resultado de experiências que realizou sobre a irradiação do alumínio ( ) e do boro ( ) com partículas , nas quais esse casal pensou que havia produzido a desintegração do próton (1p1) no nêutron (0n1) e no elétron positivo ( ), que acabara de ser descoberto pelo físico norte-americano Carl David Anderson (1905-1991; PNF, 1936), em 1932 (Proceedings of the Royal Society of London A41, p. 405 e Science 76, p. 238). Com essas experiências, os Joliot-Curie haviam observado, sem perceber, o que seria no ano seguinte, em 1934, interpretado como decaimento beta ( ) inverso, em trabalhos independentes, do físico italiano Gian Carlo Wick (1909-1992) (Atti Reconditi Lincei. Accademia nationale dei Lincei 19, p. 319) e dos físicos, o germano-norte-americano Hans Bethe (1906-2005; PNF, 1967) e o inglês Rudolf Ernst Peierls (1907-1995) (Nature 133, p. 532). Em linguagem atual, as experiências dos Joliot-Curie são representadas pelas seguintes reações nucleares: 

Antes do início da Segunda Guerra Mundial (01/09/1939-08/05/1945), Frédéric Joliot-Curie observou que durante a fissão do urânio (U) [que havia sido produzida pela física sueco-austríaca Lise Meitner (1878-1968) e pelos químicos alemães Otto Hahn (1879-1968; PNQ, 1944) e Fritz Strassmann (1902-1980), em 1938, e da qual já falamos em um verbete desta série] havia produção de nêutrons e iniciou, a partir de então, uma linha de pesquisa que poderia levar a uma reação em cadeia. Segundo o químico francês Bertrand Goldschmidt (1912-2002) - que pertencia ao Laboratório de Frédéric, localizado em Clermont-Ferrand - em maio de 1939, Frédéric já havia conseguido um certo número de patentes, que o levaria a construir uma central nuclear, utilizando para isso a água pesada (D2O) e o urânio. Contudo, com a invasão da França pelo exército alemão nazista, em 10 de maio de 1940, aquele Laboratório foi evacuado e o estoque de água pesada (180 quilos) que a França havia adquirido da Noruega, foi guardado na Prisão de Riom. É oportuno esclarecer que, graças a essa providência, pôde a França construir, em 1948, seu primeiro reator nuclear, sob a direção de Frédéric.

Aliás, sobre Lise Meitner [uma amante da música, que tocava duetos para piano com o sobrinho, o físico austro-alemão Otto Robert Frisch (1904-1979) e também com Max Karl Ernst Ludwig Planck (1858-1947; PNF, 1918), um pianista dotado], há um fato curioso a registrar. Em 1907, ela ofereceu-se voluntariamente para trabalhar no laboratório de Madame Curie, uma vez que tinha uma profunda veneração por essa cientista. Foi rejeitada. Segundo ela própria teria dito posteriormente: Como Irène era a “princesa” do Laboratório, sua mãe não queria outras “mentes brilhantes”. Essa rejeição permitiu que, ainda em 1907 e por indicação de Planck, Otto Hahn a contratasse e realizassem a famosa experiência citada acima que, ela própria com a colaboração de seu sobrinho Frisch interpretaram-na, em 1939 (Nature 143, pgs. 239; 471), como uma fissão nuclear, pois acreditavam que a experiência referida podia ser explicada com a suposição de que o urânio ao receber o nêutron, se partiria em dois fragmentos (xenônio – Xe e estrôncio – Sr), obedecendo a seguinte reação nuclear (em notação atual):
É interessante registrar que o nome fissão nuclear foi sugerido a Frisch pelo bioquímico norte-americano William A. Arnold, uma vez que era um termo utilizado na divisão celular de uma bactéria. Aliás, a idéia de fissão já havia sido pensada pela química alemã Ida Eva Tacke Noddack (1896-1979), em 1934 (Angewandte Chemie 47, p. 653), ao interpretar as experiências realizadas pelo físico ítalo-norte-americano Enrico Fermi (1901-1954; PNF, 1938) e seu grupo na Universidade de Roma (vide verbete nesta série), em maio de 1934, como sendo devidas a uma “fissão”. No entanto, ela nunca se preocupou em realizar uma experiência para confirmar essa sua conjectura. Registre-se, também, que a primeira explicação teórica sobre a “fissão nuclear” foi formulada, em 1939, em trabalhos independentes realizados pelos físicos, o dinamarquês Niels Henrik David Bohr (1885-1962; PNF, 1922) e o norte-americano John Archibald Wheeler (n.1911) (Physical Review 56, pgs. 426; 1056), e o russo Yakov Ilyich Frenkel (1894-1954) (Journal de Physique – URSS 1, p. 125) , usando o modelo da “gota líquida” que havia sido formulada por Bohr, em 1936 (Naturwissenschaften 24, p. 241 e Nature 137, p. 344). Segundo esse modelo, as reações nucleares envolvendo a colisão de partículas leves (p.e.: prótons e nêutrons) com o núcleo que, junto com a partícula incidente, formava um núcleo composto (“gota líquida”) com uma certa “energia de excitação” e que tem uma determinada vida-média antes de cindir-se (“fissionar-se”).

Voltemos ao casal Joliot-Curie. Muito embora a invasão alemã tenha feito com que alguns membros da equipe de Frédéric saíssem da França, os Joliot-Curie permaneceram em seu país natal, ajudando a organizar a Resistência Francesa contra o nazismo Hitleriano. Quando o filho de Planck e o genro de Langevin, o físico francês Jacques Solomon (1908-1942), foram assassinados pelos nazistas, o casal Joliot-Curie tornou-se convictamente comunista. Por essa razão, Irène teve, em 1954, rejeitada sua proposta de admissão à Sociedade Norte-Americana de Química. Antes, em 1950, devido às suas atividades políticas esquerdistas, Frédéric foi destituído do cargo que ocupava no Alto Comissariado para a Energia Atômica da França, por afirmar, publicamente, que a energia atômica nunca deveria ser empregada para qualquer tipo de Guerra. Seu substituto foi seu amigo Jean-Baptiste Perrin.

Por fim, ao concluir esse verbete sobre a saga da Família Curie, devemos relacionar mais um nome Curie famoso. Trata-se da jornalista Eve Curie Labouisse que escreveu o famoso livro intitulado Madame Curie (Gallimard, 1937), no qual contou a saga de sua mãe, a célebre Madame Curie e que, a partir dele, muitos outros livros foram escritos sobre essa genial cientista, alguns deles relacionados neste verbete. É oportuno dizer que, embora o nome Curie não tenha permanecido no cenário atual da ciência, ficou, no entanto, o nome Joliot, por intermédio da neta da Madame Curie, a física francesa Hélène Langevin-Joliot (n.1927), casada com o filho de André Langevin.

Não poderíamos finalizar este verbete sem fazer referência ao fato de que o nome Curie está perpetuado no elemento químico radioativo denominado cúrio (“curium”) (96Cm247,10), sintetizado em 1944, pelos químicos norte-americanos Glenn Theodore Seaborg (1912-1999; PNQ, 1951), Ralph A. James e Albert Ghiorso, na Universidade da Califórnia, em Berkeley, quando trabalhavam para o Projeto Manhattan. Eles irradiaram uma amostra de plutônio (94Pu244,10) (que havia sido sintetizado por Seaborg e sua equipe nessa mesma Universidade, em 1940) com partículas de 32 MeV de energia cinética. Em 1946, Seaborg batizou esse novo elemento químico de cúrio para homenagear o Casal Curie. [Agradeço ao amigo, o físico brasileiro Roberto Aureliano Salmeron (n.1922), pela ajuda no preparo deste verbete.] 
José Maria Bassalo