ACESSO: 01/09/2014
O nome Curie surge na Física por intermédio
das descobertas realizadas pelos físicos franceses Pierre (1859-1906; PNF, 1903)
e Paul-Jacques (1855-1941) sobre os fenômenos da piro e da piezo-eletricidade. Com efeito, em 1880
(Comptes Rendus Hebdomadaires des Séances de
l´Academie de Sciences 91, pgs.
294; 383), 1881 (Comptes Rendus Hebdomadaires des Séances de
l´Academie de Sciences 92, pgs.
186; 350; 93, pgs. 204; 1137) e 1882
(Comptes Rendus Hebdomadaires des Séances de
l´Academie de Sciences 95, p.
914), esses dois irmãos realizaram experiências nas quais observaram que havia
uma diferença de potencial na face de um cristal toda vez que sobre ela se
colocava um peso. Eles encontraram esse mesmo efeito em vários cristais:
quartzo, cristal de Rochelle, turmalina e topázio. Eles observaram, também, que
todos os corpos piroelétricos são simultaneamente piezoelétricos, pois os
fenômenos resultantes das variações de temperatura e os resultados das variações
de pressão são devidos a uma única e mesma causa: a contração ou a dilatação do
cristal. É oportuno destacar que os cristais piezoelétricos são muito usados na
indústria acústica como transdutores, pois transformam a onda
sonora em corrente alternada ou vice-versa.
Em 1895 (Annales de Chimie et de Physique 5, p. 289), Pierre Curie apresentou o
resultado de suas pesquisas, realizadas para a sua Tese de Doutoramento, nas
quais estudou as propriedades magnéticas dos materiais paramagnéticos,
diamagnéticos e ferromagnéticos. Nesse estudo, descobriu que a relação entre a
suscetibilidade magnética
( ) e a temperatura
absoluta (T), traduzida pela hoje célebre lei de Curie: , valia para as
substâncias paramagnéticas enquanto que para as diamagnéticas era independente
dessa mesma temperatura, exceto para o bismuto (Bi). Ainda nesses trabalhos,
Pierre Curie estudou o comportamento da magnetização de substâncias
ferromagnéticas em função de T e/ou do campo magnético externo aplicado e, em
conseqüência dessas pesquisas, descobriu que existe uma determinada temperatura
T – mais tarde conhecida como temperatura Curie (TC) – acima da qual a substância
ferromagnética se comporta como paramagnética. É oportuno notar que o físico e
químico inglês Michael Faraday (1791-1867), em suas experiências realizadas em
1845, observou que nem todas as substâncias reagem da mesma maneira na presença
de um campo magnético. Assim, algumas delas conduzem bem o campo magnético,
fazendo convergir as “linhas de força” desse campo através de si próprias. A
esse grupo de substâncias denominou de paramagnéticas [p.e., oxigênio (O) e
paládio (Pd)]. Por outro lado, outro grupo de substâncias são pobres condutoras
de campo magnético, divergindo suas “linhas de força” através de si mesmas; a
esse grupo, Faraday deu o nome de diamagnéticos [p.e., antimônio (Sb) e
bismuto (Bi)]. Logo depois, em 1847 (Leipzig Berichte 1, p. 346 ), o físico alemão Wilhelm Eduard Weber
(1804-1891) tentou explicar esse comportamento magnético dos corpos usando as
“correntes amperianas” (correntes elétricas no interior dos corpos) e, em 1852
(Annalen der Physik 87, p. 145), ao usar essa mesma
explicação, descobriu que existem substâncias em que a magnetização induzida
pelo campo magnético externo, não aumenta na mesma proporção do aumento do campo
externo, mas tende para um valor de saturação. Tais substâncias foram mais tarde
denominadas de ferromagnéticas
[p.e., ferro (Fe) e níquel (Ni)].
Um terceiro nome famoso Curie é o da física e química polonesa
Marya Salomee Sklodowska (1867-1934; PNF, 1903; PNQ, 1911) que, ao casar com
Pierre Curie, em 1895, passou a se chamar de Marie Curie, conhecida mundialmente
como Madame Curie. Como já tratei, em verbete desta série, dos trabalhos que o
casal Curie realizou sobre a radioatividade, neste verbete vou destacar alguns
fatos curiosos sobre esse célebre casal e, para isso, usarei os seguintes
textos: Eva Curie, Madame Curie
(Companhia Editora Nacional, 1962); Françoise Giroud, Madame Curie (Martins Fontes, 1989); A.
M. Nunes dos Santos, Maria Amália Bento e Christopher Auretta (Organizadores),
Mulheres na Ciência: Lise Meitner, Maria
Goeppert Mayer e Marie Curie (Gradiva, 1991); Sharon Bertsch McGrayne, Mulheres que Ganharam o Prêmio Nobel em
Ciências: Suas Vidas, Lutas e Notáveis Descobertas (Marco Zero, 1994);
Isabelle Chavannes, Leçons de Marie
Curie: Physique Élémentaire pour les enfants de nos amis (1907) (EDP
Sciences, 2003); e Bárbara Goldsmith, Gênio Obsessivo: O Mundo Interior de Marie
Curie (Companhia das Letras, 2006).
Conforme registramos no
verbete referido sobre as pesquisas do casal Curie, em dezembro de 1898, esse
casal e mais o químico francês Gustave Bémont (1857-1932) anunciaram que haviam
descoberto mais um elemento radioativo, similar ao bário (Ba), ao qual deram o
nome de rádio (Ra). É oportuno
registrar que, no dia 28 de março de 1902, Madame Curie anotou em sua caderneta
preta: Ra = 225, 93. O peso de um átomo
de rádio. Pois bem, apesar de Pierre
e Marie Curie viverem com um orçamento apertado, eles recusaram a patentear o
método (cristalização fracionária) que Madame Curie desenvolveu para purificar o
rádio, cuja primeira prova de sua existência foi fornecida por análise
espectral. Quando Pierre leu à sua esposa uma carta vinda dos Estados Unidos da
América na qual lhe propunham patentear seu método para assegurar seus próprios
direitos, Madame Curie foi incisiva: Impossível! É contrário ao espírito
científico. Pierre concordou imediatamente. Noutra ocasião, já viúva de
Pierre (que morreu atropelado por uma carruagem conduzida pelo cocheiro Luís
Marin, na rua Dauphine, no dia 19 de abril de 1906, quando se dirigia ao
escritório da Comptes Rendus para
conferir as provas de um novo artigo), Madame Curie doou (contra o parecer da
família de seu marido) ao laboratório que trabalhava o grama de rádio que o
casal havia isolado, durante vários anos de trabalho, e que valia um milhão de
francos-ouro. Ela repetiria o mesmo gesto com o grama de rádio que o Governo dos
Estados Unidos lhe doara para as suas pesquisas, chegando inclusive a solicitar
que o documento de doação fosse retificado, poucas horas antes da
solenidade.
A falta de apego, por parte
dos Curie, às glórias de qualquer natureza e, também, aos bens materiais, está
registrada nos seguintes fatos. Conforme já assinalei em um verbete desta série,
o matemático francês Paul Appell (1855-1930), grande estudioso da Mecânica
Racional e então Reitor da Universidade de Paris indicou o nome de Pierre Curie
para receber a Legião de Honra da França. Em resposta a essa indicação, Pierre
respondeu: Peço-vos agradecer ao Sr.
Ministro e informá-lo de que não tenho absolutamente necessidade de ser
condecorado e sim de dispor de um laboratório. Anos depois, em 1910, Madame
Curie também recusou essa honraria. Creio ser oportuno registrar que quando
Madame Curie começou suas pesquisas com uma tonelada de resíduos de pechblenda
[um minério de urânio (U) que existia nas minas de Saint-Joachimsthal, na
Boêmia] que havia sido doada pelo Governo Austríaco, ela trabalhava em um galpão
desativado, em uma antiga sala de dissecação de cadáveres usada pelos estudantes
da Escola de Medicina da Universidade de
Paris (Sorbonne). Esse galpão, de teto envidraçado, esburacado, e com piso
em chão batido, ficava na rua Lhomond, defronte da École de Physique, onde os Curie
trabalhavam.
Em novembro de 1903 os Curie
receberam uma carta da Royal Society of
London indicando que eles haviam recebido a Medalha Davy, uma das mais altas
condecorações daquela Sociedade. Adoentada, Madame Curie pede ao seu marido que
vá a Londres receber a pesada medalha de ouro em que estão gravados os nomes
Pierre e Marie Curie. Como não existia um local apropriado na casa onde moravam,
no Boulevard Kellermann, eles deram-na para a filha Irene, então com seis anos
de idade. Quando os amigos iam visitar o casal Curie e viam a filha Irene
brincando com a medalha, os Curie diziam: Irene adora o tostãosão amarelo!
Por ocasião da Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
Madame Curie chegou a oferecer, ao Banco Francês, as medalhas de ouro que ela
havia ganhado com os dois Prêmios Nobel (Física, 1903 e Química, 1911), assim
com a do PNF (1903) de Pierre, para serem fundidas e transformadas em ouro na
tentativa de ajudar no esforço de guerra desferido pela França. O funcionário do
Banco recusou-se a receber essas medalhas. Aliás, no começo dessa Guerra, usando
os recursos da União das Mulheres
Francesas, Madame Curie organizou um verdadeiro hospital ambulante, composto
de 20 viaturas, da marca Renault, dotadas de aparelhos de raios X e acionados
pelo próprio motor de cada viatura, para atender os feridos nas linhas do
“front” da Guerra. Certo dia, quando um dos motoristas faltou, Madame Curie
chegou a dirigir uma dessas “petites Curies”, como eram chamadas pelos soldados
franceses, pelas esburacadas estradas francesas. É interessante notar que essa
sua experiência com a radiologia X foi registrada em um texto intitulado
La Radiologie et la Guerre, escrito em
1921.
Antes de passarmos a relatar
aspectos curiosos de outros Curie
famosos, é oportuno destacar dois fatos inusitados da vida de Madame Curie.
O primeiro deles relaciona-se com a cooperativa de ensino que ela
inventou, em 1907 (agora morando em uma casa de campo em Sceaux, com seu sogro
Eugène Curie e suas duas filhas: Irène, nascida em 1897 e Eve, nascida em 1904),
para proporcionar a Irène, bem como aos filhos de seus amigos, uma educação
diferente da que o ensino francês proporcionava. Assim, junto com seus vizinhos
franceses de Sceaux, os físicos Jean Baptiste Perrin (1870-1942; PNF, 1926) e
Paul Langevin (1872-1946) e o sinólogo Emmanuel-Édouard Chavannes (1865-1918),
decidiram que esses jovens alunos teriam uma aula diária com professores da Sorbonne e do Collège de France. Desse modo, esses
alunos (Aline e Francis Perrin; Irène Curie; Jean e André Langevin; Pierre,
Etienne e Mathieu Hadamard; Paul Magrou; André Mouton; Marguerite e Isabelle
Chavannes; e Pierre Brucker) tinham aula de Química com Jean Perrin, na Sorbonne; e Matemática com Paul
Langevin, em Fontenay-aux-Roses. Marie Henriette Mouton (1873-1964) e o escultor
Jean Magrou (1869-1936) encarregavam-se do ensino das Ciências Naturais, Desenho
e Modelagem. Por sua vez, as aulas de Francês, Literatura, História e visitas ao
Louvre foram conduzidas por Henriette Perrin e Alice Chavannes. As aulas de
Física eram dadas por Madame Curie, na École de Physique (Sorbonne), nas tardes
de quinta-feira. Note-se que algumas dessas aulas encontram-se no citado livro
de Isabelle Chavannes.
O outro fato inusitado da
vida de Madame Curie, e que foi bastante doloroso para ela, trata-se de seu
envolvimento amoroso com Paul Langevin, ocorrido em 1910, quatro anos depois de
ficar viúva. Físico e matemático brilhante [em 1906 chegou a demonstrar a
célebre fórmula: E = mc2, sem saber que o físico
germano-norte-americano Albert Einstein (1879-1955; PNF, 1921), já havia
realizado tal demonstração em 1905], Paul Langevin, ex-aluno de Pierre Curie,
era amigo dos Curie há muito tempo. Cinco anos mais novo do que Madame Curie,
era um homem alto, de porte militar, olhos penetrantes, cabelos curtos à
escovinha, um bigode espesso com pontas recurvadas, e que declamava com
entusiasmo os mil versos que sabia de cor. Enquanto ajudava na preparação e no
esmero da apresentação das aulas que Madame Curie dava na Sorbonne, Paul Langevin lamentava seu
casamento desastroso com Jeanne Desfosses, que chegou a contratar um detetive
particular para vigiar o casal de amantes. Esse relacionamento provocou um
escândalo muito grande em
Paris. Os “tablóides” sensacionalistas parisienses abriam
manchetes do tipo: A Vestal do Rádio
rouba marido de uma mãe francesa. Em um certo dia, um grupo de pessoas
gritava na frente da casa dela: Ladra de
maridos! Fora com a estrangeira! . Não irei mais me estender nesse
escândalo, cujos detalhes podem ser vistos nos livros citados acima, apenas
registro o que o filho dos Langevin, André escreveu na biografia que fez do pai:
Era bastante natural que aquela amizade
(com Marie), acrescida de mútua admiração, se transformasse, vários anos depois
da morte de Pierre Curie, pouco a pouco, em uma paixão e uma ligação (...). O
lar em que fôramos educados até então foi momentaneamente destruído. Meu pai e
minha mãe iriam viver separados até a guerra de 1914.
Tratemos, agora, de um outro
casal famoso e que leva também o nome Curie. No entanto, nesse caso, esse
nome famoso está associado ao de Joliot. Vejamos a razão dessa associação. Ao
casar com a física francesa Irene Curie (1897-1956; PNQ, 1935), o físico francês
Jean Frédéric Joliot (1900-1958) resolveu adotar o nome Joliot-Curie para que ficasse
preservado o nome Curie, uma vez que
sua mulher só possuía a irmã Eve, conforme registramos anteriormente. A fama do
casal Joliot-Curie se deveu ao fato da descoberta da radioatividade artificial ocorrida em
1934 (Comptes Rendus de l´Academie de Sciences de
Paris 198, pgs. 254; 559 e Nature 133, p. 201), em conseqüência de
experiências que o casal realizou, nas quais bombardeou alumínio ( ) com partículas
( ). Depois de remover a
fonte dessas partículas, os Joliot-Curie observaram que o alvo de alumínio,
depois de expelir nêutrons ( ), continuava a emitir
radiações e interpretou-as como provindas de um isótopo, na realidade, um radioisótopo do fósforo ( ) não encontrado na
Natureza. Desse modo, esse casal acabara de descobrir a radioatividade artificial, de acordo
com a seguinte reação nuclear:
Muito mais tarde, na década
de 1950, as radiações que aparecem nesse tipo de reação nuclear, foram
explicadas como sendo devidas ao decaimento desse fósforo radioativo em silício
( ), com a emissão de um
pósitron ( ) e seu respectivo
neutrino ( ), em uma reação do
tipo: com a vida média tendo
o seguinte valor: T = 3,25 min.
É oportuno destacar que,
antes dessa sensacional descoberta, o casal Joliot-Curie esteve perto de
realizar duas outras notáveis descobertas. Vejamos como. Em 1932 (Comptes Rendus de l´Academie de Sciences de
Paris 194, pgs. 273; 708; 876), esse casal
bombardeou um alvo de berílio (Be) com partículas , observando uma
“radiação penetrante” capaz de arrancar prótons (p) do absorvente de parafina
que esse casal havia usado. Aliás, esse tipo de “radiação penetrante” já havia
sido observado pelos físicos alemães Walther Bothe (1891-1957; PNF, 1954) e
Herbert Becker (1887-1955), em 1930 (Zeitschrift für Physik 66, p. 289; Naturwissenschaften 18, p. 705), ao bombardearem os
elementos químicos leves [lítio (Li), Be, boro (B) etc.] com partículas
emitidas pelo polônio (Po), descoberto pelo
casal Curie, em 1898. Esse tipo de “radiação” foi então interpretada como radiação gama ( ). Contudo, o casal
Joliot-Curie interpretou-a como sendo um novo tipo de radiação, diferente da
. Ao apresentarem essa
interpretação, admitiram que essa “nova radiação penetrante” havia sofrido um espalhamento Compton com o próton da
parafina e, com isso, o casal
calculou sua energia como sendo de 55 Mev. Porém, nessa época, não havia
evidência experimental para uma energia tão alta, uma vez que o máximo de
energia então observada experimentalmente era da ordem de 10,6 Mev.
É oportuno registrar que
essa possível “nova radiação” da Natureza foi interpretada corretamente pelo
físico inglês Sir James Chadwick (1891-1974; PNF, 1935), ainda em 1932 (Proceedings of the Royal Society of London
A136, pgs. 696; 735 e Nature 129, p. 312), ao realizar uma
experiência na qual estudou a colisão de partículas com um alvo de boro ( ), colisão essa que
produziu o nitrogênio ( ) e mais uma “radiação
penetrante”, conforme acontecera nos casos vistos acima. No entanto, Chadwick
interpretou essa “radiação” como sendo uma partícula neutra (conforme já havia
sugerido, em 1931, em um trabalho que escreveu com H. C. Webster), a qual chamou
de nêutron ( ), conforme indica a
seguinte reação nuclear: , partícula essa cuja
massa era aproximadamente igual à do próton. Observe-se que, nessa experiência,
Chadwick usou um novo tipo de detector, o chamado escala de dois-contadores (“scale of
two-counter”), que havia sido inventado pelos físicos ingleses F. A. B. Ward,
Charles Eryl Wynn-Williams e H. M. Cave, em 1929 (Proceedings of the Royal Society of London
A125, p. 715). Segundo nos
relata o físico ítalo-norte-americano Emílio Gino Segré (1905-1989; PNF, PNF,
1959) em seu livro Dos Raios-X aos
Quarks (Editora UnB, 1987), quando o físico italiano Ettore Majorana
(1906-1938) leu o trabalho dos Joliot-Curie, exclamou: Que tolice. Eles descobriram um próton
neutro e não o reconheceram. [O leitor poderá ver uma discussão matemática
sobre as interpretações do casal Joliot-Curie e de Chadwick, no seguinte livro:
V. Acosta, C. L. Cowan e B. J. Graham, Curso de Física Moderna (Harla, 1975).]
A segunda quase-descoberta
do casal Joliot-Curie aconteceu no ano seguinte, em 1933 (Journal de Physique 4, p. 494), quando apresentou o
resultado de experiências que realizou sobre a irradiação do alumínio
( ) e do boro
( ) com partículas
, nas quais esse casal
pensou que havia produzido a desintegração do próton (1p1)
no nêutron (0n1) e no elétron positivo ( ), que acabara de ser
descoberto pelo físico norte-americano Carl David Anderson (1905-1991; PNF,
1936), em 1932 (Proceedings of the Royal
Society of London A41, p. 405
e Science 76, p. 238). Com essas experiências, os
Joliot-Curie haviam observado, sem perceber, o que seria no ano seguinte, em
1934, interpretado como decaimento beta
( ) inverso, em
trabalhos independentes, do físico italiano Gian Carlo Wick (1909-1992) (Atti Reconditi Lincei. Accademia nationale
dei Lincei 19, p. 319) e dos
físicos, o germano-norte-americano Hans Bethe (1906-2005; PNF, 1967) e o inglês
Rudolf Ernst Peierls (1907-1995) (Nature
133, p. 532). Em linguagem
atual, as experiências dos Joliot-Curie são representadas pelas seguintes
reações nucleares:
Antes do início da Segunda Guerra Mundial
(01/09/1939-08/05/1945), Frédéric Joliot-Curie observou que durante a fissão
do urânio (U) [que havia sido produzida pela física sueco-austríaca Lise Meitner
(1878-1968) e pelos químicos alemães Otto Hahn (1879-1968; PNQ, 1944) e Fritz
Strassmann (1902-1980), em 1938, e da qual já falamos em um verbete desta série]
havia produção de nêutrons e iniciou, a partir de então, uma linha de pesquisa
que poderia levar a uma reação em cadeia. Segundo o químico
francês Bertrand Goldschmidt (1912-2002) - que pertencia ao Laboratório de
Frédéric, localizado em Clermont-Ferrand - em maio de 1939, Frédéric já havia
conseguido um certo número de patentes, que o levaria a construir uma central
nuclear, utilizando para isso a água pesada (D2O) e o urânio.
Contudo, com a invasão da França pelo exército alemão nazista, em 10 de maio de
1940, aquele Laboratório foi evacuado e o estoque de água pesada (180 quilos)
que a França havia adquirido da Noruega, foi guardado na Prisão de Riom. É
oportuno esclarecer que, graças a essa providência, pôde a França construir, em
1948, seu primeiro reator nuclear, sob a direção de Frédéric.
Aliás, sobre Lise Meitner
[uma amante da música, que tocava duetos para piano com o sobrinho, o físico
austro-alemão Otto Robert Frisch (1904-1979) e também com Max Karl Ernst Ludwig
Planck (1858-1947; PNF, 1918), um pianista dotado], há um fato curioso a
registrar. Em 1907, ela ofereceu-se voluntariamente para trabalhar no
laboratório de Madame Curie, uma vez que tinha uma profunda veneração por essa
cientista. Foi rejeitada. Segundo ela própria teria dito posteriormente: Como Irène era a “princesa” do Laboratório,
sua mãe não queria outras “mentes brilhantes”. Essa rejeição permitiu que,
ainda em 1907 e por indicação de Planck, Otto Hahn a contratasse e realizassem a
famosa experiência citada acima que, ela própria com a colaboração de seu
sobrinho Frisch interpretaram-na, em 1939 (Nature 143, pgs. 239; 471), como uma fissão nuclear, pois acreditavam que a
experiência referida podia ser explicada com a suposição de que o urânio ao
receber o nêutron, se partiria em dois fragmentos (xenônio – Xe e estrôncio –
Sr), obedecendo a seguinte reação nuclear (em notação
atual):
É interessante registrar que
o nome fissão nuclear foi sugerido a
Frisch pelo bioquímico norte-americano William A. Arnold, uma vez que era um
termo utilizado na divisão celular de uma bactéria. Aliás, a idéia de fissão já
havia sido pensada pela química alemã Ida Eva Tacke Noddack (1896-1979), em 1934
(Angewandte Chemie 47, p. 653), ao interpretar as
experiências realizadas pelo físico ítalo-norte-americano Enrico Fermi
(1901-1954; PNF, 1938) e seu grupo na Universidade de Roma (vide verbete nesta
série), em maio de 1934, como sendo devidas a uma “fissão”. No entanto, ela
nunca se preocupou em realizar uma experiência para confirmar essa sua
conjectura. Registre-se, também, que a primeira explicação teórica sobre a
“fissão nuclear” foi formulada, em 1939, em trabalhos independentes realizados
pelos físicos, o dinamarquês Niels Henrik David Bohr (1885-1962; PNF, 1922) e o
norte-americano John Archibald Wheeler (n.1911) (Physical Review 56, pgs. 426; 1056), e o russo Yakov
Ilyich Frenkel (1894-1954) (Journal de
Physique – URSS 1, p. 125) ,
usando o modelo da “gota líquida” que havia sido formulada por Bohr, em 1936 (Naturwissenschaften 24, p. 241 e Nature 137, p. 344). Segundo esse modelo, as
reações nucleares envolvendo a colisão de partículas leves (p.e.: prótons e
nêutrons) com o núcleo que, junto com a partícula incidente, formava um núcleo composto (“gota líquida”) com uma certa “energia de excitação” e
que tem uma determinada vida-média antes de cindir-se (“fissionar-se”).
Voltemos ao casal
Joliot-Curie. Muito embora a invasão alemã tenha feito com que alguns membros da
equipe de Frédéric saíssem da França, os Joliot-Curie permaneceram em seu país
natal, ajudando a organizar a Resistência Francesa contra o nazismo Hitleriano.
Quando o filho de Planck e o genro de Langevin, o físico francês Jacques Solomon
(1908-1942), foram assassinados pelos nazistas, o casal Joliot-Curie tornou-se
convictamente comunista. Por essa razão, Irène teve, em 1954, rejeitada sua
proposta de admissão à Sociedade
Norte-Americana de Química. Antes, em 1950, devido às suas atividades
políticas esquerdistas, Frédéric foi destituído do cargo que ocupava no Alto
Comissariado para a Energia Atômica da França, por afirmar, publicamente, que a
energia atômica nunca deveria ser empregada para qualquer tipo de Guerra. Seu
substituto foi seu amigo Jean-Baptiste Perrin.
Por fim, ao concluir esse
verbete sobre a saga da Família
Curie, devemos relacionar mais um nome Curie famoso. Trata-se da jornalista
Eve Curie Labouisse que escreveu o famoso livro intitulado Madame Curie (Gallimard, 1937), no
qual contou a saga de sua mãe, a célebre Madame Curie e que, a partir dele,
muitos outros livros foram escritos sobre essa genial cientista, alguns deles
relacionados neste verbete. É oportuno dizer que, embora o nome Curie não tenha
permanecido no cenário atual da ciência, ficou, no entanto, o nome Joliot, por
intermédio da neta da Madame Curie, a física francesa Hélène Langevin-Joliot
(n.1927), casada com o filho de André Langevin.
Não poderíamos finalizar
este verbete sem fazer referência ao fato de que o nome Curie está perpetuado no
elemento químico radioativo denominado cúrio (“curium”)
(96Cm247,10), sintetizado em 1944, pelos químicos
norte-americanos Glenn Theodore Seaborg (1912-1999; PNQ, 1951), Ralph A. James
e Albert Ghiorso, na Universidade da Califórnia, em Berkeley,
quando trabalhavam para o Projeto
Manhattan. Eles irradiaram uma amostra de plutônio
(94Pu244,10) (que havia sido sintetizado por Seaborg e sua
equipe nessa mesma Universidade, em 1940) com partículas de 32 MeV de energia cinética. Em 1946,
Seaborg batizou esse novo elemento químico de cúrio para homenagear o Casal Curie. [Agradeço ao amigo, o
físico brasileiro Roberto Aureliano Salmeron (n.1922), pela ajuda no preparo
deste verbete.]
José Maria Bassalo