terça-feira, 26 de agosto de 2014

Brasileiro: 'analfabeto' científico?

DISPONÍVEL:http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2014/08/brasileiro-analfabeto-cientifico
ACESSO: 26/08/2014
      
Novo índice mostra que a ciência influencia a forma de ver o mundo e de lidar com situações complexas de apenas 5% dos avaliados, enquanto mais da metade sequer consegue aplicar o que aprendeu na escola em situações cotidianas.
Por: Marcelo Garcia
Publicado em 18/08/2014 | Atualizado em 18/08/2014
Brasileiro: 'analfabeto' científico?
Desempenho brasileiro no primeiro Índice de Letramento Científico mostra que ciência não está integrada ao cotidiano do brasileiro. (foto: Flickr/ Fortimbras - CC BY-NC-ND 2.0)
Como você avalia a sua capacidade de utilizar o conhecimento científico para resolver questões do dia a dia? E para fazer abstrações, criar hipóteses, planejar e inovar? Em um mundo em que a ciência e a tecnologia estão cada vez mais presentes, em que a sociedade é chamada a se posicionar sobre grandes questões como pesquisas com células-tronco e cultivo de transgênicos e no qual inovar é a palavra de ordem das empresas, essas questões são fundamentais. Mas, segundo a primeira edição do Índice de Letramento Científico (ILC), no Brasil é muito baixa a quantidade de pessoas ‘letradas’ em ciências, capazes de empregar os conhecimentos escolares no seu cotidiano e no planejamento do futuro.
Bem diferente das avaliações de ensino existentes no Brasil, a proposta do ILC é medir quanto do conhecimento escolar é de fato aplicado na prática. Para seus criadores, o resultado negativo ajuda a entender alguns gargalos sociopolíticos e econômicos do país, como a baixa capacidade de inovação. O índice, cuja versão completa foi divulgada recentemente, é fruto de uma parceria entre o Instituto Abramundo, o Instituto Paulo Montenegro, responsável pela ação social do Grupo Ibope, e a ONG Ação Educativa.
O maior desafio foi traduzir o domínio de conceitos científicos em perguntas diretas e práticas para agrupar os participantes em faixas claras e facilitar ações posteriores
Para sua construção, foram aplicados questionários a 2002 pessoas entre 15 e 40 anos, com ao menos quatro anos do ensino fundamental completos, em oito capitais estaduais e no Distrito Federal. O questionário era composto por mais de 60 perguntas, que avaliaram a capacidade de identificar simples informações explícitas em texto, tabela ou gráfico (como consumo de energia ou dosagem em bula de remédio), de comparar informações simples para tomar decisões; de empregar informações não explícitas para resolver problemas práticos e processos do cotidiano e, ainda, de propor e analisar hipóteses sobre fenômenos complexos, mesmo não diretamente ligados ao seu dia a dia. A partir das respostas, os participantes foram classificados por nível de letramento: ausente, elementar, básico e proficiente.
O maior desafio foi traduzir o domínio de conceitos científicos em perguntas diretas e práticas para agrupar os participantes em faixas claras e facilitar ações posteriores. A metodologia aplicada foi adaptada do Índice de Analfabetismo Funcional (IAF), também produzido pelo Instituto Paulo Montenegro e que avalia os conhecimentos de português e matemática na prática. A ideia é que a avaliação seja repetida a cada dois anos.

Resultados preocupantes

De forma geral, 79% dos participantes ficaram na zona intermediária (48% no nível 2 e 31% no nível 3), enquanto 16% apresentaram letramento ausente (nível 1) e apenas 5% do total se mostraram de fato proficientes em ciência. O índice torna clara a dificuldade de grande parte dos entrevistados em realizar tarefas simples: 43% deles declararam ter problemas para compreender gráficos e tabelas, enquanto 48% acham difícil interpretar rótulos de alimentos. Entre aqueles com ILC elementar (mais comum), 58% tem problemas, por exemplo, para consultar dados sobre saúde e medicamentos na internet.
Ciência na gestão pública
Resultado ruim mesmo entre gestores públicos mostra que pensamento científico pouco influencia suas decisões, o que pode ter consequências negativas em todos os campos, da própria educação à saúde, ao saneamento e ao planejamento urbano, por exemplo. (foto: Flickr/ Samchio – CC BY-NC-SA 2.0)
Os resultados também foram relacionados ao nível de formação e à área de atuação dos entrevistados – e ficam ainda mais preocupantes, já que os indivíduos com ensino superior considerados proficientes em ciência foram apenas 11%, enquanto 48% estão no nível 3, 37% no nível 2 e quase inacreditáveis 4% apresentaram letramento ausente.
Em relação ao mercado de trabalho, as áreas de administração pública, educação e saúde alcançaram o melhor resultado, apesar de pouco animador: 43% das pessoas têm letramento básico e 9%, proficiente. Na indústria e na prestação de serviços, 42% e 31% dos trabalhadores ficaram no nível 3, enquanto apenas 5% e 6% eram proficientes, respectivamente.
A diretora executiva do Instituto Paulo Montenegro, Ana Lucia Lima, diz ter ficado surpresa com a baixa proficiência dos indivíduos mais escolarizados e dos tomadores de decisões, empreendedores e empresários, envolvidos diretamente no investimento e planejamento de atividades que vão desde o descarte do lixo à gestão da saúde e da educação. “Os dados mostram que o aprendizado fica restrito à escola e é preocupante que a ciência influencie tão pouco a visão de mundo dessas pessoas, sua atividade cotidiana e as decisões que tomam”, avalia.

Consequências adversas

Para os responsáveis pelo ILC, os impactos do cenário apontado pelo índice vão desde questões cotidianas a problemas que abrangem a vida econômica e social do país. “No dia a dia, isso se manifesta quando a cabeleireira usa um produto que ela deveria saber que faz mal ou quando os pais medicam os filhos por conta própria sem pensar nos efeitos colaterais ou nas interações entre medicamentos”, exemplifica Lima.
Garcia: “Os reflexos também aparecem na pífia capacidade de inovação de nossas empresas: os trabalhadores pouco refletem sobre seu trabalho, não desafiam o status quo
“Os reflexos também aparecem na pífia capacidade de inovação de nossas empresas: os trabalhadores pouco refletem sobre seu trabalho, não desafiam o status quo”, afirma Ricardo Uzal Garcia, presidente do Instituto Abramundo. “Além disso, o brasileiro não parece, em geral, preparado para opinar sobre grandes temas da ciência nem para tomar decisões cada vez mais necessárias sobre temas como transgênicos e células-tronco.”
Lima aponta ainda a formação de um gargalo de mão de obra no país e faz um alerta para o futuro. “Os empregos no país têm aumentado, mas apenas as vagas pouco especializadas; cargos melhores permanecem ociosos também pela inexistência de um pensamento científico aplicado, necessário para tais posições”, analisa. “Algo precisa ser feito para mudar essa situação, pois se nossos gestores tomam decisões que pouco consideram o conhecimento científico, a ciência nunca será valorizada como deve e isso continuará a impactar a inovação, a saúde, o meio ambiente e todas as áreas.”

Ensino de ciências

Junto com o índice, também foi feita uma pesquisa de percepção pública da ciência, cujo resultado é significativo: apesar do fraco desempenho no ILC, os participantes reconhecem a importância da ciência para a compreensão de mundo (42% concordam plenamente e 30% concordam em parte) e para obter boas oportunidades de trabalho (41% e 27%, respectivamente). “As pessoas têm interesse e acham a ciência importante, mas não vão a fundo porque não se sentem competentes”, avalia Lima. “É uma pista importante de que há algo errado na formação dos estudantes”, completa Garcia.
Uma olhada em outros indicadores de ensino reforça a má situação do país na área: no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), por exemplo, um dos piores desempenhos do Brasil é em ciências (59º entre 65 países).
Ciência para crianças
Para melhorar o índice, segredo pode estar em investir mais no ensino fundamental e buscar maneiras de manter o interesse dos jovens pela ciência. (foto: Flickr/ emeryjl - CC BY 2.0)
Lima recupera a história da educação no país para explicar a situação atual. “O ensino se tornou um grande desafio a partir da década de 1990, pois sua universalização incluiu pessoas historicamente segregadas, famílias com níveis muito baixos de escolaridade”, afirma. A mudança, segundo ela, levou a um natural privilégio do ensino de português e de matemática, por serem competências mais básicas. “Em 25 anos, os avanços nessas áreas ainda não foram suficientes, mas ainda assim acredito que já seja hora de avançar para outros campos, e a ciência é a candidata natural para receber mais atenção.”
Lima: “Como matamos essa curiosidade natural? Deve haver muita coisa errada, do currículo à forma de ensinar.”
Um dado que se destaca no ILC é o desempenho semelhante de indivíduos com ensino fundamental e com ensino médio – 50% de pessoas do primeiro grupo têm letramento elementar, contra 52% no segundo, que também conta com 15% de pessoas com letramento ausente. Para Lima, as conversas com professores dão pistas sobre os motivos por trás desse resultado, por reforçarem que nas séries iniciais as crianças adoram ciências, mas perdem o interesse depois. “O desempenho no ensino médio deveria ser proporcional ao investimento maior, com professores especialistas e maior carga horária”, diz. “Como matamos essa curiosidade natural? Deve haver muita coisa errada, do currículo à forma de ensinar.”
Garcia ressalta a necessidade de criação de programas de ensino voltados para as séries mais baixas. “O impacto da iniciação científica de qualidade desde as primeiras séries pode ser fundamental para despertar o gosto por ciências no futuro”, diz.
Os organizadores também apostam na educação não formal e na parceria com a iniciativa privada para tentar mudar esse quadro. “Precisamos criar museus e centros de ciência para estimular uma cultura científica que hoje não existe”, defende o presidente da Abramundo. “Podemos pensar, por exemplo, em exposições sobre os ciclos do petróleo ou da agricultura, áreas em que atuam empresas enormes.” Lima conclui: “O problema não é só da escola, já que muitas pessoas não voltarão à sala de aula; é aí que a ação de igrejas, sindicatos e empresas pode ser fundamental.”
Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line

terça-feira, 19 de agosto de 2014

RESENHA: A Violência na Escola: A Percepção dos Alunos e Professores/Aída Maria Monteiro Silvia


Estudos realizados por Rodrigues GUERREIRO (Colômbia) e João YUNES, destacados em artigo de Gilberto DIMENSTEIN (1996). A violência, para esses autores, é hoje uma questão mundial, pois afeta as grandes metrópoles, inclusive as dos países de Primeiro Mundo. É considerada "um problema de utilidade pública e usar apenas a repressão simplesmente não funciona. O germe da violência se propaga em proporções semelhantes às das doenças infecciosas". E o mais grave é que esta problemática não pode ser combatida com vacinas para que se obtenham resultados mais rápidos como nos casos das doenças. Estes pesquisadores, ao investigar as causas da violência, evidenciaram que são vários os fatores que a determinam: desemprego, renda, escolaridade, religião, cor, desestrutura familiar, entre outros. Esta compreensão sobre as causas da violência é também referendada por Marília SPOSITO (1994), ao enfatizar que são várias as explicações que têm sido utilizadas sobre o fenômeno da violência. Uma delas é calcada nas determinações sociais e econômicas.

Esta multiplicidade de fatores torna a problemática da violência muito mais difícil de ser combatida, uma vez que, por sua complexidade, requer definição e implementação de políticas públicas sociais nas áreas básicas destinadas ao atendimento de todos os cidadãos. Mas, no Brasil, ao que se tem assistido, além da ausência de políticas nesta direção, é a vivência de práticas sistemáticas de violência e de violação de direitos pelo próprio Estado, quando, por exemplo, este não garante aos cidadãos os direitos que lhes são assegurados, constitucionalmente, há várias décadas, como é o caso do direito à Educação, entre outros.

Em relação à Educação especificamente, a problemática da repetência e da evasão vem permeando o sistema escolar há várias décadas, numa demonstração de que o Estado, além de não ter garantido a universalização da Escola Pública para todos os cidadãos, também não tem conseguido garantir aos que nela ingressam a sua permanência com qualidade. Embora saibamos que as origens do fracasso escolar encontra explicação também no interior da escola, este interior é resultante do conjunto de determinações político-sociais, onde as definições e a vontade políticas têm maior peso. A não garantia pelo Estado do acesso à Escola Pública a todos desencadeia novas modalidades de exclusão social pelos mecanismos de seleção que o sistema educativo aplica. Esta seletividade se estabelece entre quem tem acesso à instituição escolar e os que são excluídos, estratificando e segmentando os cidadãos; dentro, os que sabem, os que têm cultura; e fora, os que não têm (SPÓSITO, 1994). Além disso, este processo de exclusão faz com que a maioria da juventude não tenha participação nem política, nem na produção econômica, social e cultural, por não ter acesso à educação básica, e daí o caminho do crime, muitas vezes, apresenta-se como um sucedâneo para a frustração social (Vicente BARRETO, 1996). Como visto no vídeo, onde o Juvelino foi “encontrado” por um traficante e assim conseguiu se impor frente a sociedade. Certamente, não da forma mais adequada, mas forma que lhe foi oferecida.

O que parece bastante grave, além da violência em si, é o fato de que as várias formas de violência, produzidas no cotidiano da sociedade, parecem não mais indignar a população brasileira. É como se ela fosse "aceita" por todos, a ponto de a população conviver com esta realidade sem maiores traumas, ou seja, a própria vida parece não ter maior significado, chegando a ser banalizada. Matar ou morrer não faz maior diferença. Tornou-se comum a indiferença instituída pela dor do outro.

Algumas reflexões.........

Há tempos, observo que a minha inserção na Educação vem ocorrendo de modo involuntário........calma, não quero afirmar com isso que esteja sendo descomprometida! Durante algum tempo participei de pesquisas educativas onde tentei parear os conteúdos formais aos acadêmicos, embora, tenha ao longo do desenvolvimento dessas atividades, agregado muito mais desencantos do que reconhecimento, posso afirmar que obtive sucesso! Pensando nisso e refletindo sobre algumas leituras, e principalmente em uma das últimas, que fora de Cachapuz, no texto Do ensino das ciências: seis ideais que aprendi, encontro alento para meus sentimentos de impotência e até mesmo incompetência frente a situação da formação dos professores. Logo no início do texto o autor cita o filósofo Cícero e faz a Ele a inferência que existem seis erros que os homens normalmente não aceitam/reconhecem como erro antes de atingir os 50 anos de idade. Considerando que o mais severo pra si, é o de não refinarmos continuamente a nossa mente, reflito que nossos colegas professores das ciências (foco principal) encontram-se nessa situação. Aqui poderíamos listar fatores afins que explicam essa inércia mental, contudo, quero mesmo é focar no aspecto de assistencialismo que a educação com o foco na formação de professores veio adquirindo ao longo de sua implantação. Vejam a situação: o fato de um colega ter que se deslocar para escolas distintas localizadas em outros municípios, não deve ser usado como meio de comoção para com o formador de uma dada disciplina.

RESENHA: Políticas e Gestão da Educação Básica: limites e perspectivas/LUIZ FERNANDES DOURADO


Qual a concepção de gestão educacional apresentada no texto?

No contexto nacional, a discussão sobre a gestão da educação básica apresenta-se a partir de várias proposições, bem como concepções e cenários complexos, articulados aos sistemas de ensino. Nessa direção, é fundamental situar os eixos que permeiam a presente análise sobre gestão, no tocante à concepção, formação e financiamento da educação. A concepção de educação é entendida, no texto, como prática social, portanto, constitutiva e constituinte das relações sociais mais amplas, a partir de embates e processos em disputa que traduzem distintas concepções de homem, mundo e sociedade. Para efeito de análise, a educação é entendida como processo amplo de socialização da cultura, historicamente produzida pelo homem, e a escola, como lócus privilegiado de produção e apropriação do saber, cujas políticas, gestão e processos se organizam, coletivamente ou não, em prol dos objetivos de formação. Sendo assim, políticas educacionais efetivamente implicam o envolvimento e o comprometimento de diferentes atores, incluindo gestores e professores vinculados aos diferentes sistemas de ensino.

Dessa forma, a gestão educacional tem natureza e características próprias, ou seja, tem escopo mais amplo do que a mera aplicação dos métodos, técnicas e princípios da administração empresarial, devido à sua especificidade e aos fins a serem alcançados. Ou seja, a escola, entendida como instituição social, tem sua lógica organizativa e suas finalidades demarcadas pelos fins político-pedagógicos que extrapolam o horizonte custo-benefício stricto sensu. Isto tem impacto direto no que se entende por planejamento e desenvolvimento da educação e da escola e, nessa perspectiva, implica aprofundamento sobre a natureza das instituições educativas e suas finalidades, bem como as prioridades institucionais, os processos de participação e decisão, em âmbito nacional, nos sistemas de ensino e nas escolas.

Nessa perspectiva, a articulação e a rediscussão de diferentes ações e programas, direcionados à gestão educacional, devem ter por norte uma concepção ampla de gestão que considere a centralidade das políticas educacionais e dos projetos pedagógicos das escolas, bem como a implementação de processos de participação e decisão nessas instâncias, balizados pelo resgate do direito social à educação e à escola, pela implementação da autonomia nesses espaços sociais e, ainda, pela efetiva articulação com os projetos de gestão do MEC, das secretarias, com os projetos político-pedagógicos das escolas e com o amplo envolvimento da sociedade civil organizada.

2- Quais as características das políticas educacionais implantadas nos últimos anos no Brasil?

A constituição e a trajetória histórica das políticas educacionais no Brasil, em especial os processos de organização e gestão da educação básica nacional, têm sido marcadas hegemonicamente pela lógica da descontinuidade, por carência de planejamento de longo prazo que evidenciasse políticas de Estado em detrimento de políticas conjunturais de governo. Tal dinâmica tem favorecido ações sem a devida articulação com os sistemas de ensino, destacando-se, particularmente, gestão e organização, formação inicial e continuada, estrutura curricular, processos de participação.

Desde a redemocratização do país, houve mudanças acentuadas na educação brasileira, com destaque para a aprovação e promulgação da Constituição Federal de 1988, que garantiu uma concepção ampla de educação e sua inscrição como direito social inalienável, bem como a partilha de responsabilidade entre os entes federados e a vinculação constitucional de recursos para a educação. No âmbito das políticas educacionais, destacaram-se, sobremaneira, as modificações de ordem jurídico-institucional.

Nesse contexto, é fundamental ressaltar a busca de organicidade das políticas, sobretudo no âmbito do governo federal e de alguns governos estaduais, na década de 1990, quando, em consonância com a reforma do Estado e a busca de sua “modernização”, se implementaram novos modelos de gestão, cujo norte político-ideológico objetivava, segundo Oliveira (2000, p. 331), “(...) introjetar na esfera pública as noções de eficiência, produtividade e racionalidade inerentes à lógica capitalista”.

No campo educacional, há que se destacar, ainda, o importante papel desempenhado pelos organismos multilaterais na formulação de políticas educacionais no período. Tais constatações evidenciam limites estruturais à lógica político- pedagógica dos processos de proposição e materialização das políticas educacionais, configurando-se, desse modo, em claro indicador de gestão centralizada e de pouca eficácia pedagógica para mudanças substantivas nos sistemas de ensino, ainda que provoque alterações de rotina, ajustes e pequenas adequações no cotidiano escolar, o que pode acarretar a suspensão de ações consolidadas na prática escolar sem a efetiva incorporação de novos formatos de organização e gestão. Isto não redundou em mudança e, sim, em um cenário de hibridismo no plano das concepções e das práticas que, historicamente, no Brasil, têm resultado em realidade educacional excludente e seletiva. Vivencia-se, no país, um conjunto de ações, de modo parcial ou pouco efetivo, sob a ótica da mudança educacional, mas que, de maneira geral, contribui para desestabilizar o instituído, sem a força política de instaurar novos parâmetros orgânicos à prática educativa.

Nessa direção, houve um conjunto de políticas de reestruturação da gestão, organização e financiamento da educação básica. Segundo Cury (2002, p. 197), nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998; 1999-2002) promoveram-se diversas alterações fortemente marcadas

(...) por políticas focalizadoras, com especial atenção ao ensino fundamental, a fim de selecionar e destinar os recursos para metas e objetivos considerados urgentes e necessários. Tais políticas vieram justificadas por um sentido, por vezes satisfatório, do princípio da equidade como se este fosse substituto do da igualdade.

 

Desse quadro, é possível depreender que as políticas focalizadas propiciaram a emergência de programas e ações orientados pelo governo federal aos estados e municípios, destacando-se: a disseminação de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a implantação do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) pelo FUNDESCOLA, a criação do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e a implementação de uma política de avaliação fortemente centralizada, em detrimento de um sistema que propiciasse a colaboração recíproca entre os entes federados.

A rapidez com que se processaram as políticas para a educação básica se deu em função da centralização no âmbito federal. Segundo Cury (2002, p. 199), sem a elaboração de lei complementar que defina o que é regime de colaboração entre os entes federados, prevista no § único do artigo 23, da CF/88, o país vivencia tensões no tocante ao pacto federativo, por meio de “um regime de decisões nacionalmente centralizadas e de execuções de políticas sociais subnacionalmente desconcentradas em que se percebe uma situação de competitividade recíproca (guerra fiscal) entre os subnacionais”.

Tal cenário contribuiu, sobremaneira, para a desarticulação de experiências e projetos em andamento e para a adoção de medidas ligadas às políticas federais para a educação básica, em função da necessidade dos sistemas e escolas buscarem fontes complementares de recursos. Tal adesão, contudo, não provocou, necessariamente, a mudança da cultura institucional dos sistemas e das escolas. Em muitos casos, resultou em ajustes e arranjos funcionais dos processos em curso nesses espaços, alterando, por vezes, a lógica e a natureza das escolas e, em alguns casos, a sua concepção pedagógica, a fim de cumprir obrigações “contratuais” com o governo federal no âmbito da prestação de contas.

Essa lógica e dinâmica política é, ainda, uma realidade no cenário educacional brasileiro, na medida em que não se elaborou a lei complementar que definiria o regime de colaboração recíproca entre os entes federados, manteve-se a indução de políticas, por meio de financiamento de programas e ações priorizadas pela esfera federal, e não se adotou o Plano Nacional de Educação (PNE) como referênciabase para as políticas educacionais. Adicione-se a isso, mais recentemente, a apresentação pelo MEC de um Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que não contou, na sua elaboração, com a participação efetiva de setores organizados da sociedade brasileira, de representantes dos sistemas de ensino e de setores do próprio Ministério.

O PDE apresenta indicações de grandes e importantes ações direcionadas à educação nacional. No entanto, não está balizado por fundamentação técnico-pedagógica suficiente e carece de articulação efetiva entre os diferentes programas e ações em desenvolvimento pelo próprio MEC e as políticas propostas. Tal constatação revela a necessidade de planejamento sistemático, que, após avaliar o conjunto de ações, programas e planos em desenvolvimento, contribua para o estabelecimento de políticas que garantam organicidade entre as políticas, entre os diferentes órgãos do MEC, sistemas de ensino e escola e, ainda, a necessária mediação entre o Estado, demandas sociais e o setor produtivo, em um cenário historicamente demarcado pela fragmentação e/ou superposição de ações e programas, o que resulta na centralização das políticas de organização e gestão da educação básica no país. Trata-se de um cenário ambíguo, no qual um conjunto de programas parece avançar na direção de políticas com caráter inclusivo e democrático, enquanto, de outro lado, prevalece a ênfase gerencial, com forte viés tecnicista e produtivista, que vislumbra nos testes estandardizados a naturalização do cenário desigual em que se dá a educação brasileira.

 

3- Descreva os Programas Federais para a Educação Básica citadas pelo autor e relacione com experiências vivenciadas por você no âmbito da instituição onde trabalha.

O PDE, PDDE e o Programa Nacional de Fortalecimento de Conselhos Escolares.

O FUNDESCOLA é um dos espaços de desenvolvimento de programas do Ministério da Educação, por meio de parcerias com as secretarias estaduais e municipais de educação das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e tem por objetivo promover um conjunto de ações voltadas para as escolas do ensino fundamental.

O FUNDESCOLA, por meio de processos formativos e de apoio à gestão educacional, tem como meta a busca da eficácia, eficiência e eqüidade no ensino fundamental público, ao focalizar o ensino-aprendizagem e as práticas de gestão das escolas e secretarias de educação. As estratégias descritas no PDE enfatizam o desenvolvimento de ações para aperfeiçoar o trabalho, elevar o grau de conhecimento e o compromisso de diretores, professores e outros funcionários da escola com os resultados educacionais. Na área de gestão, o PDE é um dos programas centrais do FUNDESCOLA, dada a sua abrangência e inserção nas três regiões.

Com relação ao PDE, Freitas et al. (2004, p. 71) afirmam que este plano estrutura-se por meio de “uma nova cultura organizacional firmada sobre princípios de gestão estratégica e do controle da qualidade total, orientada pela e para a racionalização, a eficiência e a eficácia”.

Desse modo, ideologicamente, o PDE, desde a sua concepção, “busca criar o consenso em torno da idéia de que a melhoria da educação estaria na adoção dos parâmetros de mercado, com a aplicação de estratégias da empresa privada na gestão da escola pública”. Tal concepção alicerça-se numa ressignificação da gestão democrática e da participação, entendidas a partir da criação de canais de efetiva participação e  decisão coletivas, tendo por norte a educação como um bem público.

Outro ponto fundamental a ser destacado articula-se à concepção restrita de autonomia (restrita à dimensão financeira) e ao caráter diretivo e centralizador do PDE, num cenário em que os profissionais da educação e alguns sistemas de ensino envidavam esforços no sentido de implementar, com base na legislação em vigor, projetos políticopedagógicos cujo norte se contrapunha à concepção gerencialista presente no PDE. Oliveira, Fonseca e Toschi (2004c, p. 198), ao avaliarem o PDE e a gestão pedagógica, físico-financeira e de materiais da escola, adjetivaram a proposição e materialização desse plano por meio da diretividade, burocratização e controle do trabalho escolar.

Apesar do distanciamento inicial da Secretaria de Ensino Fundamental (cuja denominação atual é Secretaria de Educação Básica – SEB) do MEC, o PDE, por meio do FUNDESCOLA, buscou, a partir de 2003, vincular-se a esta Secretaria, dada a singularidade das ações desenvolvidas. A esse respeito, são importantes os movimentos direcionados a uma articulação orgânica entre a Secretaria e o FUNDESCOLA. Por outro lado, em 2004, foi materializada a transferência da gestão integral do FUNDESCOLA para o FNDE (Dourado, 2004, p. 10). Tal mudança contribui, sobremaneira, para o crescente divórcio entre as ações do Fundo, entre elas o PDE, e as ações e programas da SEB, resultando, em muitos casos, na sobreposição de ações e em planos e programas com concepções político-pedagógicas distintas no âmbito do governo federal.

Assim, é fundamental registrar que o FUNDESCOLA desenvolve ações, em especial na área de gestão, sem clara interlocução com as demais políticas das Secretarias do MEC. O PDE, nesse cenário, tem foco e ação político-pedagógica baseados em concepção gerencial, cujo processo ignora o esforço desenvolvido pelo MEC no apoio técnico e financeiro para a democratização da gestão escolar.

O PDDE consiste no repasse anual de recursos por meio do FNDE às escolas públicas do ensino fundamental estaduais, municipais e do Distrito Federal e às do ensino especial mantidas por organizações nãogovernamentais (ONGs), desde que registradas no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).

Os recursos, oriundos predominantemente do “salário-educação”, são destinados à aquisição de material permanente e de consumo necessários ao funcionamento da escola; à manutenção, conservação e pequenos reparos da unidade escolar; à capacitação e ao aperfeiçoamento de profissionais da educação; à avaliação de aprendizagem; à implementação de projeto pedagógico; e ao desenvolvimento de atividades educacionais. Um dos limites interpostos ao Programa refere-se à estruturação de unidades executoras nas unidades escolares, o que, em muitos casos, tem resultado na instituição de entes privados como gestores de recursos das escolas públicas, em detrimento de outros atores, como conselhos escolares, fortemente referendados por outro programa da SEB/MEC.

Sem descurar da importância do referido Programa no que concerne à descentralização de recursos financeiros para a escola, em cenário de nítida escassez de recursos, a análise do PDDE demonstra que sua implementação tem resultado no desrespeito ao pacto federativo, na medida em que o Programa atropela os sistemas de ensino ao redefinir novos formatos de gestão para as escolas públicas, por meio do “estabelecimento de relações diretas entre as escolas beneficiadas e o FNDE, sem a intervenção de instâncias governamentais locais na definição e execução dos gastos” (idem, ibid., p. 264).

Outro aspecto ressaltado refere-se à pequena participação da comunidade escolar, pois “o fato do Programa não pressupor para a sua realização a efetiva democratização da gestão da esfera pública fez com que, em muitos casos, fosse pequena a desejada participação da comunidade na operação de recursos repassados”. Todos esses indicadores demonstram que as bases político-pedagógicas do PDDE, a despeito de possibilitar às unidades escolares a gestão de pequenos recursos, por meio de entidade privada, não contribuíram efetivamente para a democratização dos processos de deliberação coletiva e, ainda, restringiram a autonomia à gestão financeira da escola.

O Programa de Fortalecimento de Conselhos escolares tem por objetivo contribuir com a discussão sobre a importância de conselhos escolares nas instituições e visa, ainda, ao fortalecimento dos conselhos existentes. Os conselhos escolares configuram-se, historicamente, como espaços de participação de professores, funcionários, pais, alunos, diretores e comunidade nas unidades escolares. Em alguns casos, constituem-se em espaços coletivos de deliberação, assumindo, desse modo, o papel de órgão co-responsável pela gestão administrativa e pedagógica das escolas e, em outros, em razão de sua atuação restrita à aprovação da prestação de contas e medidas disciplinares, em determinadas situações, foram transformados em unidades executoras em razão do PDDE.

O Programa foi criado, portanto, pela Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação, mediante a Portaria Ministerial n.2.896/2004. Visa à implantação e ao fortalecimento de conselhos escolares nas escolas públicas de educação básica nas cinco regiões do país,envolvendo os sistemas de ensino públicos estaduais e municipais, por meio de sua adesão à sistemática de apoio técnico, pedagógico e financeiro do Ministério da Educação.

De acordo com a mesma Portaria Ministerial, tem por objetivos:

I - Ampliar a participação das comunidades escolar e local na gestão administrativa, financeira e pedagógica das escolas públicas;

II - apoiar a implantação e o fortalecimento de conselhos escolares;

III - instituir políticas de indução para implantação de conselhos escolares;

IV - promover, em parceria com os sistemas de ensino, a capacitação de conselheiros escolares, utilizando inclusive metodologias de educação a distância;

V - estimulara integração entre os conselhos escolares;

VI - apoiar os conselhos escolares na construção coletiva de um projeto educacional no âmbito da escola, em consonância com o processo de democratização da sociedade; e

VII - promover a cultura do monitoramento e avaliação no âmbito das escolas para a garantia da qualidade da educação.

A referida Portaria define, ainda, que a execução do Programa será de responsabilidade da SEB e que esta deverá contar com a participação de órgãos e organismos nacionais e internacionais em um trabalho integrado de parcerias para a consecução dos objetivos. Nesse sentido, vale ressaltar que a efetivação dos objetivos preconizados envolve, fundamentalmente, a adesão ao Programa pelos estados e municípios.

O Programa estruturou-se a partir de processos de formação continuada dos diversos segmentos que compõem a unidade escolar, por meio de duas frentes articuladas – de um lado, pela realização de seminários estaduais de formação, seminário internacional de gestão, seminários municipais e, de outro, pela oferta de curso de formação pela modalidade de educação a distancia.

Apresenta-se organizado a partir de cinco eixos iniciais – conselhos escolares, democratização da escola e construção da cidadania; conselho escolar e o respeito e valorização do saber e da cultura do estudante e da comunidade; conselho escolar e o aproveitamento significativo do tempo pedagógico; conselho escolar e a aprendizagem na escola; conselho escolar, gestão democrática da educação e escolha do diretor. Em seguida, o Programa ampliou tais eixos com as seguintes temáticas: conselho escolar como espaço de formação humana; conselho escolar e o financiamento da educação; conselho escolar e a educação no campo; conselho escolar e a relação entre a escola e o desenvolvimento com igualdade social.

Além desses núcleos temáticos, contemplou-se a discussão sobre os indicadores de qualidade da educação e os conselhos escolares como estratégia de gestão democrática da educação pública. Como é possível evidenciar, tais temáticas abrangem importantes questões em debate nas unidades escolares.

Em que pese a centralidade conferida a esse Programa, é fundamental destacar que o eixo da gestão democrática e da efetiva participação, bem como a centralidade conferida a órgãos de deliberação coletiva como os conselhos escolares, encontra limites em outros programas do próprio governo federal já analisados.

Niveis de ensino, desafios,avanços e contradições


NÍVEL DE ENSINO
DESAFIOS
AVANÇOS
CONTRADIÇÕES
Educação Infantil
- Enfrenta-se hoje o desafio de ampliar as políticas para a educação das crianças de zero a cinco anos, de refletir
sobre as diferentes formas de viver a infância (indígenas, quilombolas, ribeirinhas, urbanas, do campo, da
floresta) e de definir as bases curriculares nacionais para essa fase da vida escolar que passou a ser parte da
educação básica.
- Projetos pedagógicos específicos para essa etapa são necessários, bem como a redefinição do
trabalho docente para atuar em creches e pré-escolas, considerando as três funções indissociáveis da Educação
Infantil:
Função social
Função política
Função pedagógica
 
No ano de 2009, visa ndo a discussão dessa questão, elaborou-se um instrumento de autoavaliação intitulado “Indicadores de Qualidade da Educação Infantil”. O objetivo do documento foi traduzir e detalhar os parâmetros publicados em 2006 em indicadores operacionais, no sentido de oferecer às equipes de educadores e às comunidades atendidas pelas instituições de Educação Infantil um instrumento adicional de apoio ao seu trabalho. Essa iniciativa pretendeu contribuir com as instituições de Educação Infantil no sentido de encontrar seu próprio caminho na direção de práticas educativas que respeitem os direitos fundamentais das crianças e ajudem a construir uma sociedade mais democrática.
Dado que as características da faixa etária das crianças da Educação Infantil exigem conceber um outro tipo de estabelecimento educacional, é preciso também que a gestão da instituição se baseie numa revisão de conceitos sobre o que é a escola, a infância, o conhecimento e o currículo! O currículo na Educação Infantil é aquilo que se constrói no diálogo entre crianças, famílias e docentes e se manifesta em todas as interações do dia a dia. O documento, que objetiva pensar as práticas na Educação Infantil (MEC/SEB, 2009b), afirma que os campos de aprendizagem dessas crianças são as práticas sociais e as linguagens, expressos em inter-relação com o cotidiano. Nesse contexto, deve-se repensar o currículo compreendendo os elementos constituintes das práticas na Educação Infantil.
Ensino Fundamental
A ampliação do Ensino fundamental para nove anos. Seu objetivo é que todas as crianças de seis anos, sem distinção de classe, sejam matriculadas na escola. Contudo, inserir crianças de seis anos no ensino fundamental, evidentemente, não garante por si só uma aprendizagem de
maior qualidade. Isso depende, sobretudo, de um uso mais eficaz do tempo, baseado na organização qualitativa do trabalho pedagógico e dando atenção às características etárias, sociais e psicológicas das crianças.
Como assegurar a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental? Essa passagem deve ocorrer da forma mais natural possível, não provocando nas crianças rupturas e impactos negativos no seu processo de
escolarização. Dessa maneira, as escolas que estiverem organizadas pela estrutura seriada não podem acrescentar mais uma série, com as características e a natureza daquela que era a primeira série. Os seus projetos político pedagógicos devem ser propostos no sentido de permitir a flexibilização dos tempos, a fim de contribuir para o desenvolvimento da criança, possibilitando-lhe, efetivamente, uma ampliação qualitativa do seu tempo na escola.
Trabalhar com as crianças de seis anos na escola envolve compreender o fato de que elas vivem numa sociedade
cuja cultura dominante é a letrada. Desde que nascem, as crianças constroem conhecimentos prévios sobre o sistema de representação e o significado da leitura e da escrita que se transformam em valorização social da
aquisição de habilidades de ler e escrever. No entanto, a entrada na escola para essas crianças não pode
representar uma ruptura completa com o estágio de vivência anterior, em casa ou na instituição de Educação
Infantil, mas é preciso ser uma continuidade das suas experiências anteriores para que sistematizem
gradualmente os conhecimentos sobre a língua escrita.
A escola deve elaborar estratégias de formação continuada dos professores que atuam no Ensino
Fundamental para que sejam encontradas novas ações pedagógicas, sendo indispensável o desenvolvimento de atitudes investigativas, de alternativas pedagógicas e metodológicas na busca de uma qualidade social da
educação.
Ensino Médio Integrado (EMIEP)
- Um grande desafio para o Ensino Médio continuou sendo a dualidade entre o propedêutico e o profissionalizante. A busca de um modelo unitário, que integrasse os conceitos de trabalho, ciência e cultura como conceitos que estruturam as finalidades do Ensino Médio e orientam a sua organização curricular e as práticas pedagógicas do seu processo formativo, mais uma vez foi adiada e depende ainda hoje de experiências que possibilitem tal
organização.
- Eixos da organização do currículo dos cursos de EMIEP: o trabalho, a ciência e a cultura. Esta organização curricular é em dúvida um dos grandes desafios educacionais para o Século XXI.
A mobilização dos educadores, no entanto, e uma maior sensibilidade governamental, permitiu um passo
importante para a superação da dualidade. A nova legislação indicou três formas de articulação entre a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio: a integrada, a concomitante e a subseqüente.
O EMIEP é um curso planejado que conduz, simultaneamente, a um diploma e a um certificado com base em uma
única matriz curricular, uma única matrícula por aluno, e uma carga horária que pretende assegurar o cumprimento das duas finalidades – formação geral e profissional. Para tanto, há convergência de objetivos do ensino médio e do ensino técnico, buscando-se uma sólida e atualizada formação científica, tecnológica, cultural e ética.
Programa Ensino Médio Inovado
No ano de 2009, o governo federal lançou um programa viabilizando outras inovações para o currículo do ensino médio, de forma articulada aos programas e ações já em desenvolvimento nos âmbitos federal e estadual. O programa possui “linhas de ação” que envolvem diversos aspectos que permeiam o contexto escolar, tais como: fortalecimento da gestão escolar e dos sistemas; melhoria das condições de trabalho docente e sua formação
inicial e continuada; apoio às práticas docentes; desenvolvimento do protagonismo juvenil e apoio ao aluno jovem e adulto trabalhador; infra-estrutura física e recursos pedagógicos; elaboração de pesquisas relativas ao ensino médio e à juventude, entre outros.
A proposta do Programa Ensino Médio Inovador tem como objetivo a melhoria da qualidade do ensino médio nas escolas públicas, buscando principalmente desenvolver nos alunos a promoção da capacidade de pensar, refletir, compreender e agir sobre as determinações da vida social e produtiva, articulando trabalho, ciência e cultura na perspectiva da emancipação humana, de forma igualitária a todos os cidadãos.
O programa propõe, além das orientações metodológicas estabelecidas no seu interior, percursos formativos organizados pelas unidades escolares envolvidas seguindo a legislação em vigor e as diretrizes curriculares dos Estados. Permite a ampliação da carga horária, além da mínima anual de oitocentas horas, distribuídas em duzentos dias letivos.
Deve então o currículo do ensino médio ser modificado? Devem ser acrescentados
componentes  técnicos no currículo do ensino médio?
Tais componentes podem existir, mas devem ser necessariamente desenvolvidos de forma integrada aos diversos conhecimentos. Por isso mesmo não é uma proposta fácil e precisa ser construída  processualmente pelos sistemas
e instituições de ensino, visando a práticas curriculares e pedagógicas que levem à formação plena do educando e possibilitem construções intelectuais.

Excelentíssimo Senhor Ministro da Educação, José Henrique Paim,


Fortaleza/CE, 11 de fevereiro de 2014

Excelentíssimo Senhor Ministro da Educação, José Henrique Paim,

É sabido que a educação pública brasileira está muito a quem de uma educação de excelência, existe muitos fatos que poderiam explicar essa atual conjuntura, dentre eles, poderíamos citar: a péssima estrutura das nossas escolas públicas, a falta de formação continuada, investimentos mal aplicados e as desvalorização do profissional da educação. Mas, contudo ressalto que apesar do acesso as tecnologias estarem ao alcance de nossas mãos, nossos professores não tem o tempo para estarem descobrindo e aprendendo a usar novas tecnologias, por serem obrigados a trabalhar três turnos para adquirirem um salário suficiente para uma vida razoável.Os novos paradigmas tecnológicos, com a informatização veloz e quase generalizada da sociedade já se encontram presente em todo o mundo e, mesmo em países como o Brasil, onde as desigualdades sociais e regionais são muito grandes, ele é determinante, principalmente em termos de mercado de trabalho nos grandes centros urbanos. Muitos países até mesmo como o nosso, vivem contradições profundas em seus sistemas sociais, pois ao mesmo tempo em que uns estão inseridos plenamente no mercado de trabalho em determinadas e específicas áreas, outros estão completamente imersos ao descaso e no esquecimento por parte dos dirigentes do nosso país. Obviamente quando analisamos o sistema educacional, a situação é categoricamente distinta. Esta separação entre o mundo das tecnologias da comunicação com o mundo da educação é muito amplo, induzindo-nos a pensar na quase existência de um empecilho. Está claro que necessitamos de muito mais do que simplesmente aperfeiçoar o sistema educacional. O momento exige uma intensa transformação estrutural deste sistema com maior articulação com os sistemas de informação e comunicação. Neste contexto de mutações, somos realmente obrigados a pensar e refletir mais sobre o nosso sistema educacional, ainda centrado em velhos paradigmas, muitas vezes destacando apenas a formação uma mão de obra sem qualificação. Passados muitos anos neste discurso e continuamos a perceber a necessidade de um olhar mais atento nesta direção elaborada sob forte crítica da comunidade, reforçando a necessidade de uma concreta formação dos profissionais da educação, como sendo fundamental para a transformação deste sistema. Não é mais admissível mais uma proposta dos dirigentes da nação ser esquecida, pois mais do que nunca a formação continuada dos formadores de mentalidade do país é essencial. O esquecimento nos faz pensar que a desqualificação dos profissionais da educação foi e é um dos mecanismos para manter-nos fracos e covardes formando outros cidadãos com os mesmo pensamentos.Entretanto, a transformação do sistema educacional do nosso país tem que passar antemão pela transformação do professor. Não podemos continuar pensando em formar professores com teorias pedagógicas que se superam a nossa realidade cotidiana, centradas em princípios incompatíveis com o nosso currículo, programas, materiais didáticos, incluindo as tecnologias como: softwares educacionais, vídeos educativos. Se continuarem adotando esta perspectiva é desconhecer completamente as transformações que estamos vivendo no mundo contemporâneo e os novos elementos que estão fazendo parte da realidade de nossos jovens e adolescentes. Compreender os novos processos de aquisição e construção do conhecimento é básico para tentarmos superar este impasse. Esta compreensão, por outro lado, empurra-nos necessariamente para considerar como fundamental a introdução das chamadas tecnologias da comunicação e informação nos processos de ensino-aprendizagem. Uma escola, conectada, interligada, integrada, articulada com o conjunto da rede, passa a ser mais um elemento vital deste processo coletivo de produção de conhecimento. Diante disso, esta passagem não corresponde apenas a um aperfeiçoamento do sistema educacional. Ela exige uma transformação profunda, impondo, conseqüentemente, a implantação de políticas educacionais coerentes com as transformações da sociedade como um todo e não simplesmente articulados com uma perspectiva de modernização do nosso sistema. Desde já conto com sua colaboração no sentido de priorizar projetos governamentais, aos movimentos que relacionam as políticas educacionais, culturais, científicas, tecnológicas e de comunicação.

Atenciosamente,

Edneide Silva.

 

 

RESENHA: Politicas Educacionais e Gestão Pedagógica/Vera Maria Vidal Peroni / Universidade Federal do Rio Grande do Sul


Politicas Educacionais e Gestão Pedagógica

Edneide Maria Ferreira da Silva

 

Texto:

Políticas públicas e gestão da educação

em tempos de redefinição do papel do Estado

Autora:

Vera Maria Vidal Peroni / Universidade Federal do Rio Grande do Sul


                O artigo tem como foco principal as políticas educacionais, sendo vistas em um dado momento do capitalismo, em que está ocorrendo redefinições no papel do Estado e onde os direitos à educação foram conquistados, mas há dificuldade para implementá-los.

Segundo, Evaldo Vieira (1997) em nosso país as políticas sociais, percorreram três momentos políticos no último século: “o primeiro período de controle da política (que corresponde à ditadura de Getúlio Vargas e ao populismo nacionalista); o segundo período de política do controle (da ditadura militar em 1964 até o final do período constituinte em 1988)” e o terceiro período, denominado, pelo autor, de “política social sem direitos sociais”, iniciou-se em 1988 e está em plena vigência. A política social que, por um lado, nunca havia recebido tanto acolhimento por parte de uma constituição no Brasil, como ocorreu na de 1988, por outro, simplesmente não viu esses direitos praticados e nem mesmo regulamentados (quando exigiam regulamentação). Ao entender que a política educacional é parte da redefinição do papel do Estado, não a entendemos com uma relação de determinação, mas como partes de um mesmo movimento deste período particular do capitalismo. Portanto, a primeira parte do texto trata das mudanças que ocorreram no contexto macro-social, ressaltando principalmente as influências da Teoria Neoliberal e da Terceira Via para a redefinição do papel do Estado no Brasil.

A segunda parte discute a atual função social da educação e a política educacional que, apesar de ter como objetivo o acesso de todos na escola, tenta induzir a qualidade através da avaliação institucional, ao invés de construir políticas educacionais que proporcionem a qualidade. Essa qualidade muitas vezes entendida como a lógica de mercado no público, impactando principalmente a gestão educacional. E o sistema público, impelido principalmente pelas avaliações, a buscar um padrão externo de qualidade, acaba procurando a parceria com instituições privadas, como é o caso do Instituto Ayrton Senna.

No Brasil, a atual política social é parte do projeto de reforma do Estado que tem, como diagnóstico aquele proposto pelo neoliberalismo, e partilhado pela Terceira Via, de que não é o capitalismo que está em crise, mas o Estado. A estratégia, portanto, é reformar o Estado e diminuir sua atuação para superar a crise. O mercado é que deverá superar as falhas do Estado, e assim a lógica do mercado deve prevalecer inclusive no Estado, para que ele possa ser mais eficiente e produtivo. O Terceiro Setor é a estratégia proposta pela Terceira Via, em substituição à proposta de privatização do Neoliberalismo. Com base em autores como Mészàros (2002), Antunes (1999) e Harvey (1989), há quem defenda a tese contrária de que a crise atual não se encontra no Estado, é uma crise estrutural do capital. As estratégias de superação da crise como o Neoliberalismo, a Globalização, a Reestruturação Produtiva e a Terceira Via é que estão redefinindo o papel do Estado.

Dessa forma, tendo como diagnóstico que a crise está no Estado, o governo Fernando Henrique Cardoso propôs em 1995 o Projeto de Reforma do Estado apresentado pelo MARE (Ministério da Administração e Reforma do Estado). De acordo com o documento, a

reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento (BRASIL, MARE,1995, p. 12).

O documento aponta, ainda, que o Estado gerou distorções e ineficiências ao tentar assumir funções diretas de execução, e, nesse sentido, “reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado” (BRASIL, MARE, 1995, p.11). Portanto, o que aparentemente seria uma proposta de Estado mínimo, configura-se como realidade de Estado mínimo para as políticas sociais e de Estado máximo para o capital. (Peroni, 2003).

As estratégias de reforma do Estado no Brasil são: a privatização, a publicização e a terceirização. Terceirização, conforme Bresser Pereira, é o processo de transferência para o setor privado dos serviços auxiliares ou de apoio. A publicização consiste “na transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos que hoje o Estado presta” (PEREIRA, 1997, p. 7). Publicização, no Plano, significa “transformar uma organização estatal em uma organização de direito privado, pública, não-estatal” (PEREIRA, 1997, p. 8). As políticas sociais foram consideradas serviços não-exclusivos do Estado e, assim sendo, de propriedade pública não-estatal ou privada.

O papel do Estado para com as políticas sociais é alterado, pois com este diagnóstico duas são as prescrições: racionalizar recursos e esvaziar o poder das instituições, já que instituições democráticas são permeáveis às pressões e demandas da população, além de serem consideradas como improdutivas, pela lógica de mercado. Assim, a responsabilidade pela execução das políticas sociais deve ser repassada para a sociedade: para os neoliberais através da privatização (mercado), e para a Terceira Via pelo público não-estatal (sem fins lucrativos) (PERONI, 2006, p. 14).

Destaca-se, portanto, que o Plano de Reforma do Estado no Brasil teve influências do neoliberalismo, tanto no diagnóstico, de que a crise está no Estado, quanto na estratégia de privatização que é parte do Plano, mas também sofreu influências da Terceira Via, que é atual social-democracia e tanto o Presidente da época, quanto o Ministro da Reforma do Estado, Bresser Pereira, além de filiados ao Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), eram intelectuais orgânicos da Terceira Via.

Neste redesenho, verificamos que o Estado se retira da execução e permanece com parte do financiamento (propriedade pública não-estatal), mas também, o que permanece sob a propriedade do Estado passa a ter a lógica de mercado na gestão (quase-mercado).(PERONI, 2007, p.16 )

Apesar do governo eleito em 2002 e reeleito em 2006 não ter filiação com a Terceira Via, como o anterior, não revogou o Plano Diretor da reforma do estado e tem assumido tanto as estratégias de público não estatal quanto do quase mercado.

Wood destaca que o conceito de democracia em uma sociedade sob a hegemonia do capitalismo não pode ser visto em abstrato, pois afinal: “É o capitalismo que torna possível uma forma de democracia em que a igualdade formal de direitos políticos tem efeito mínimo sobre as desigualdades ou sobre as relações de dominação e de exploração em outras esferas” (WOOD, 2003, p. 193).

Verifica-se, mais uma vez, a separação entre o econômico e o político e o esvaziamento da democracia. A correlação de forças sociais se perde neste enorme consenso onde sociedade civil e Banco Mundial parecem ter os mesmos interesses. Resta discutir: que sociedade civil? Como se todos tivessem os mesmos interesses em uma sociedade capitalista, onde as classes não foram superadas.

No Brasil, a formação do Estado nacional liberal conviveu com o escravismo e o latifúndio, o que em si é uma contradição, já que o capitalismo tem como base o trabalho assalariado e a produtividade. Enquanto em outros países da América Latina, a população lutou pela independência, pela República, no Brasil, apesar das reivindicações sociais, as mudanças ocorreram através de pactos pelo alto, possibilitando aos grupos mais conservadores permanecerem no poder.

O Estado nacional independente foi liberal apenas nas suas bases formais, pois, na prática, foi instrumento da dominação patrimonialista em nível político. Essa dificuldade de o Estado romper com o passado determinou o que Florestan Fernandes chamou de “Estado-amálgama”: “Por ser um amálgama, ele preencheu as funções mutuamente exclusivas e inconsistentes a que devia fazer face, entendendo a organização política e a ordem legal através e além do vazio histórico deixado pela economia colonial, pelo mandonismo e pela anomia social” (FERNANDES, 1976, p. 68).

Outra característica marcante da constituição do Estado brasileiro foi que as relações sociais de exploração, historicamente, deram-se via coerção violenta, mas também via “ideologia do favor” de forma dissimulada e manipuladora.

Essas marcas da história são parte constitutiva das relações políticas que ainda hoje se estabelecem no Brasil. Essa questão é fundamental ao analisar a política social como um direito em contraposição à ideologia do favor arraigados na nossa cultura política.

Os anos 1980 foram marcados por um processo de abertura política depois de um longo período de ditadura. Foi um momento de grande participação popular e de organização da sociedade na luta pelos seus direitos. Nesse contexto, os eixos principais dos movimentos sociais estavam vinculados à democracia, à gestão democrática do Estado, participação da comunidade, enfim, parte do movimento de luta por uma sociedade mais justa e igualitária e por direitos sociais.

Mas a construção da democracia encontrou enormes obstáculos. O Brasil viveu um processo de abertura pactuado com as forças da ditadura. E, quando estava avançando alguns passos na participação popular e na luta por direitos sociais, sofreu o impacto das estratégias do capital para superação de sua crise: neoliberalismo, globalização e reestruturação produtiva, que já estavam em curso no resto do mundo e vinham em sentido contrário a esse movimento.

O esvaziamento do conteúdo da democracia e a separação entre o econômico e o político são evidentes. Perdeu-se a discussão das políticas sociais como a materialização de direitos sociais.

As lutas e conquistas dos anos 1980, de direitos universais, deram lugar à naturalização do possível, isto é, se um Estado “em crise” não pode executar políticas, repassa para a sociedade civil, que vai focalizar nos mais pobres para evitar o caos social. O Estado apenas repassa parte do financiamento, e avalia. O Estado passa a ter o papel mais avaliador do que executor.

A questão passa a ser todos na escola com qualidade, mas que qualidade? Essa indagação remete ao debate acerca da função social da escola neste período particular do capitalismo, de tantas mudanças no contexto sócio político e econômico. O debate diz respeito ao acesso não apenas à vaga na escola, mas ao conhecimento. Vive-se em período de muita informação, com fácil acesso a notícias, via internet, TVs, jornais, mas para entendê-las é necessário ter acesso à linguagem específica de cada uma das áreas, aos conceitos; e ainda é preciso abstrair, relacionar, para entender e poder posicionar-se frente ao mundo.

A própria reestruturação produtiva exige um outro trabalhador, com capacidade de raciocinar, resolver problemas, trabalhar em equipe, dar respostas muito rápidas, como visto em relatórios como o SCAM 2000, que pensava como deveriam ser as escolas no ano 2000 nos EUA para dar respostas ao setor produtivo, ou o próprio relatório Delors (UNESCO). Quer dizer, a função social da escola é proposta por alguns organismos internacionais e pelo empresariado, que esperam que as escolas apenas respondam ao setor produtivo, um retorno à teoria do capital humano. Outros, como o Banco Mundial (1995), que evitem o caos social retirando as crianças das ruas. E para a sociedade, qual é a função social da escola? A resposta a esta pergunta dará pistas para responder à pergunta anterior sobre que qualidade. Sem fazer essas perguntas, acaba-se analisando separadamente as políticas educacionais atuais, como se tivessem um fim em si mesmas.

Nos itens seguintes, algumas políticas são apresentadas , relacionando-as ao contexto atual.

 

Avaliação Institucional

As políticas atuais têm a avaliação como indutora da qualidade, naquela perspectiva de que o Estado deve ser o avaliador, o coordenador e não mais o executor. Além disso, há também o conteúdo da avaliação, quer dizer, o que vai ser avaliado importa já que diz o que deverá ser ensinado, e remete à escola que se quer, e mais uma vez à função social da escola hoje.

Quanto à avaliação como indutora da qualidade, é uma total inversão ao objetivo proclamado das avaliações institucionais, que deveriam ser diagnósticas, dando elementos para a elaboração de políticas e, ao contrário, acaba por ser meritocrática, culpabilizando as escolas e mais especificamente os professores pelo sucesso ou fracasso escolar, como se o sistema público não fosse responsável pela rede de escolas e sua qualidade.

Quanto ao que vai ser avaliado, também tem uma relação direta com as redefinições do papel do Estado, já que está intimamente vinculado à reestruturação produtiva, na discussão sobre os standards ou o conteúdo da avaliação.

Outra questão importante de materialização das redefinições do papel dos Estado nas políticas de avaliação é a terceirização. Quem define o que será avaliado? Esta questão foi analisada no texto: Perspectivas da gestão democrática da Educação: avaliação institucional:

“O processo de avaliação se iniciou, em parte, por determinação dos organismos internacionais, que exigiam, nos seus projetos, a avaliação, mas também foi influenciado por discussões sobre a qualidade do sistema educacional, a democratização e a transparência na gestão; enfim, os eixos que caracterizamos como sendo inerentes aos anos 80. O próprio Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), no início, construía sua matriz com base nas discussões com os estados, procedimento que foi interrompido com a terceirização, sendo que, a partir de 1995, passaram a ser entidades de fora do Estado que definiam a avaliação institucional, sem haver consultas ou debates com os setores envolvidos no processo. Verificamos assim que, mais uma vez, nos anos 90, os atores envolvidos no debate educacional foram silenciados. (PERONI, 2006b, p. 152)

Outra importante questão, quando se discuti avaliação institucional, é: afinal, o que é feito com os resultados? Luis Carlos Freitas, no Seminário organizado pela UNESP, USP e UNICAMP, questionava: as avaliações, os indicadores que o Brasil dispõem, já são suficientes para um ótimo diagnóstico da realidade educacional; a questão é o que é feito com os resultados. Diagnosticado o problema, quais são as políticas que estão sendo propostas para resolvê-los?

Educação para TODOS

Nos debates sobre a qualidade da educação, a principal questão é pensar em uma educação de qualidade para todos, o que é muito diferente de pensar em educação de qualidade para alguns. A escola historicamente não atendeu a todos, o direito à educação requer que se pense uma escola para os que historicamente estiveram fora.

Neste sentido, pensar a escola como no passado, quando não era para todos, pouco ou nada resolve, já que a grande questão atual é como incorporar os que estiveram fora e como a escola vai ser de qualidade para todos, já que ela foi pensada para aqueles que tiveram estabilidade social, econômica e possibilidades culturais. A escola para os sujeitos em vulnerabilidade social, com todos os seus problemas, passa a ser o grande desafio. Expulsar o aluno da escola é o que historicamente foi feito; assim, a questão é como não apenas ter acesso, mas permanecer e ter acesso ao conhecimento a que tem direito. Várias experiências no Brasil e no mundo têm trazido avanços nesta perspectiva, mas, na maioria dos casos, a educação de qualidade para TODOS ainda está muito distante.

Público- privado na educação

As redefinições do papel do Estado também restabelecem as fronteiras entre o público e o privado, principalmente através do público não estatal e do quase-mercado e o esvaziamento da democracia, como direitos, materializada em políticas sociais neste contexto.

Com o público não estatal a propriedade é redefinida, deixa de ser estatal e passa a ser pública de direito privado. Verificamos dois movimentos que concretizam a passagem da execução das políticas sociais para o público não estatal: ou através do público que passa a ser de direito privado ou o estado faz parcerias com instituições do Terceiro Setor para a execução das políticas sociais.

Com o quase mercado a propriedade permanece sendo estatal, mas a lógica de mercado é que orienta o setor público. Principalmente por acreditar que o mercado é mais eficiente e produtivo do que o Estado, como é a teoria neoliberal que embasa este pensamento.

Como afirma DALE são muitas as dimensões da relação público privado:

o que está envolvido não é tanto uma deslocação direta do público para o privado, mas um conjunto muito mais complexo de mudanças nos mecanismos institucionais através dos quais são regulados o que continuam a ser essencialmente sistemas educativos estatais. (DALE, 1994, p. 112)

O repasse de dinheiro público para o privado não é algo novo, mas que tem se transformado na própria política pública, principalmente nos casos em que o governo apenas repassa recursos para as ONGs, ou instituições privadas executarem as políticas sociais. O outro movimento a destacar é o conteúdo, isto é, a lógica privada no público, como ocorre, por exemplo, no Programa Rede Vencer do Instituto Ayrton Senna, que realiza parcerias com redes públicas de ensino e entre seus projetos está um que monitora através do Sistema Instituto Ayrton Senna de Informação (SIASI) determinando, assim onde a escola deve melhorar e influenciando na gestão e currículo escolares. Neste caso, as redes públicas não recebem investimentos do Instituto, ao contrário pagam por este monitoramento. É também o caso de outros Programas do Instituto, como as Classes de Aceleração e a Alfabetização, em que os municípios pagam pelos Kits, e o pior é que têm a proposta pronta passo a passo, determinando assim o currículo da escola pública. São dois questionamentos: o Instituto vive principalmente de dinheiro das empresas que deixam de pagar impostos e entrar nos 25% da educação e, além de perderem esse dinheiro, os municípios pagam o material, e ainda envolvem toda a rede de ensino público. Professores, coordenadores pedagógicos, diretores, quadros das secretarias de educação, todos, enfim, passam a definir suas atividades em função das determinações do Instituto, tanto na área de gestão, como na pedagógica, redefinindo assim o espaço público e sua autonomia. (PERONI, 2006a)

Outro exemplo na educação, foi o Programa Dinheiro Direto na Escola que instituiu a obrigatoriedade para o recebimento dos recursos da criação de Unidades Executoras, de direito privado nas escolas públicas.

Gestão democrática

Avançando nos estudos e pesquisas sobre a necessidade de entender a gestão democrática como processo de construção, o que implicaria em mudanças culturais profundas. Muito debatem sobre entendê-la não apenas como um meio, mas também como um fim, já que a participação em si é pedagógica e estratégica, pois só se pode participar, participando. No entanto, atualmente a gestão democrática, que inclusive é princípio constitucional, está, na prática, cada vez menos sendo construída. Muitas vezes, o termo soa como algo que ficou no passado, quando, na realidade, estava ainda dando seus primeiros passos, já que a gestão educacional historicamente teve grande influência do patrimonialismo, da burocracia, e como parâmetro o mercado. Assim, o novo, a ser construído, é a gestão democrática.

Muito a sociedade lutou para garantir a gestão democrática como princípio constitucional, mas implantá-la é um longo processo que requer diálogo e participação coletiva de todos os envolvidos: pais, alunos, professores, direção colegiada, enfim, a sociedade como um todo, já que os rumos da educação transcendem a um governo, são decisões de Estado, em todas as suas instâncias – escola, conselhos de educação, secretarias municipais e estaduais, Ministério da Educação.

A autonomia da escola, a eleição de diretores, o conselho escolar, são alguns pilares que materializam a gestão democrática, mas não são suficientes para mudar a histórica cultura autoritária. É necessário políticas que ampliem as possibilidades de democratização da educação. Pesquisas demonstram que não se analisa gestão democrática em abstrato. Os indicadores têm são: o direito à educação, isto é: ampliou-se o acesso, a permanência, o conhecimento? Melhorou o financiamento da educação? A valorização do magistério? Quer dizer, para analisarmos se um sistema educacional avançou na gestão democrática e na qualidade da educação, analisamos as políticas educacionais propostas, além dos índices quantitativos.

Enfim, a gestão educacional é outra política que mudou muito com as redefinições do papel do Estado, pois dado o diagnóstico neoliberal, partilhado pela Terceira Via, de que o culpado pela crise é o Estado, e o mercado é sinônimo de eficiência, toda a gestão pública passa a ter como referência a lógica empresarial.

Quer dizer que está mais uma vez vinculada à qualidade, mas aqui no caso, uma qualidade que tem como parâmetro o mercado. Volta a questão: que qualidade? Para quem? Executada por quem? Quer dizer quem é o responsável?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante ressaltar que o eixo das políticas educativas foi se redefinindo. No período de abertura política era centrado principalmente na democratização da escola, mediante a universalização do acesso, e a gestão democrática centrada na formação do cidadão. Atualmente ocorre a mudança dessa centralidade, passando-se a enfatizar a qualidade, entendida como produtividade. O eixo é a busca de maior eficiência e eficácia via controle de qualidade, da descentralização de responsabilidades, da terceirização de serviços e da autonomia da escola.

Os anos 1980 foram marcados por um processo de abertura política depois de um longo período de ditadura. Foi um momento de grande participação popular e de organização da sociedade na luta pelos seus direitos. Nesse contexto, os eixos principais dos movimentos sociais estavam vinculados à democracia, à gestão democrática do Estado, participação da comunidade, enfim, parte do movimento de luta por uma sociedade mais justa e igualitária e por direitos sociais.

Como parte deste movimento, houve avanços na luta pelo direito à educação, entendido não apenas como acesso à escola, mas ao conhecimento e a uma maior participação nas definições educacionais. A gestão democrática passa a ser parte integrante da luta por educação de qualidade. Mas a construção da democracia encontrou enormes obstáculos. O Brasil viveu um processo de abertura pactuado com as forças da ditadura. E, quando estava avançando alguns passos na participação popular e na luta por direitos sociais, sofreu o impacto das estratégias do capital para superação de sua crise: neoliberalismo, globalização e reestruturação produtiva, que já estavam em curso no resto do mundo e vinham em sentido contrário a esse movimento.(PERONI, 2007).

As lutas e conquistas dos anos 1980, de direitos universais, deram lugar à naturalização do possível, isto é, se um Estado “em crise” não deve executar políticas sociais, repassa para a sociedade civil, que vai focalizar nos mais pobres para evitar o caos social. O Estado apenas repassa parte do financiamento, e avalia.

E, essas redefinições do papel do Estado restabelecem as fronteiras entre o público e o privado, principalmente através do público não estatal e do quase-mercado e o esvaziamento da democracia, como direitos, materializada em políticas sociais.

No Brasil, não temos um histórico democrático e de participação efetiva da sociedade na luta por direitos sociais, materializados em políticas públicas. No período de abertura política, a sociedade começou a dar os primeiros passos nesse sentido. Mas, no resto do mundo, a democracia e a participação eram questionadas como as responsáveis pela crise do Estado, já que para atender às demandas dos grupos organizados o Estado teria investido em políticas sociais, gastado demais e gerado a crise fiscal e a inflação, a democracia passa a ser combatida não mais por uma ditadura, mas no plano político e ideológico, e com a ajuda dos meios de comunicação, passa-se a relacionar a luta por direitos como atos contra a nação. Os culpados pela crise seriam os funcionários públicos e o investimento nas políticas sociais. (PERONI, 2008).

Tem ainda a influência da Terceira Via, que não vê a democracia como inimiga, mas como instrumental à retirada do Estado das políticas sociais. Apela-se para a subjetividade das pessoas através da ajuda mútua, da solidariedade, da filantropia, enquanto o dinheiro público dos impostos é deslocado para a esfera financeira.

Assim, o processo democrático dá-se como parte da correlação de forças políticas. Portanto, a questão central não pode ser sociedade civil X Estado, pois assim está se deslocando o eixo central que é a correlação de forças por projetos de sociedade, para perpetuar a sociedade do capital ou superá-la. Assim como não acreditamos em sociedade civil em abstrato, também não é possível crer que apenas ficando na esfera do Estado o interesse público esteja garantido, pelo menos não em uma sociedade hegemonizada pelo capital. Os interesses de classes perpassam sociedade civil e Estado. Portanto, urge localizar o debate em um contexto próprio onde o Estado se retira das políticas sociais e repassa para a sociedade, ocorrendo perdas de direitos.

Mais especificamente na política educacional, ao mesmo tempo em que se avança na luta por uma educação para todos, o Estado passa de executor a apenas o avaliador e indutor da qualidade através da avaliação. A gestão democrática passa a dar lugar para a gestão empresarial, já que o mercado é parâmetro de qualidade.

A grande questão atual é a função social da escola neste período particular do capitalismo de tantas mudanças. O capital sabe muito bem que escola quer, e os que querem superá-lo, devem começar a ser mais propositivos depois de décadas na defensiva.