Politicas Educacionais e Gestão
Pedagógica
Edneide Maria Ferreira da Silva
Texto:
Políticas
públicas e gestão da educação
em
tempos de redefinição do papel do Estado
Autora:
Vera
Maria Vidal Peroni / Universidade Federal do Rio Grande do Sul
O artigo tem como foco
principal as políticas educacionais, sendo vistas em um dado momento do
capitalismo, em que está ocorrendo redefinições no papel do Estado e onde os
direitos à educação foram conquistados, mas há dificuldade para implementá-los.
Segundo,
Evaldo Vieira (1997) em nosso país as políticas sociais, percorreram três
momentos políticos no último século: “o primeiro período de controle da
política (que corresponde à ditadura de Getúlio Vargas e ao populismo
nacionalista); o segundo período de política do controle (da ditadura militar
em 1964 até o final do período constituinte em 1988)” e o terceiro período,
denominado, pelo autor, de “política social sem direitos sociais”, iniciou-se
em 1988 e está em plena vigência. A política social que, por um lado, nunca
havia recebido tanto acolhimento por parte de uma constituição no Brasil, como
ocorreu na de 1988, por outro, simplesmente não viu esses direitos praticados e
nem mesmo regulamentados (quando exigiam regulamentação). Ao entender que a
política educacional é parte da redefinição do papel do Estado, não a
entendemos com uma relação de determinação, mas como partes de um mesmo
movimento deste período particular do capitalismo. Portanto, a primeira parte
do texto trata das mudanças que ocorreram no contexto macro-social, ressaltando
principalmente as influências da Teoria Neoliberal e da Terceira Via para a
redefinição do papel do Estado no Brasil.
A
segunda parte discute a atual função social da educação e a política
educacional que, apesar de ter como objetivo o acesso de todos na escola, tenta
induzir a qualidade através da avaliação institucional, ao invés de construir
políticas educacionais que proporcionem a qualidade. Essa qualidade muitas
vezes entendida como a lógica de mercado no público, impactando principalmente
a gestão educacional. E o sistema público, impelido principalmente pelas
avaliações, a buscar um padrão externo de qualidade, acaba procurando a
parceria com instituições privadas, como é o caso do Instituto Ayrton Senna.
No
Brasil, a atual política social é parte do projeto de reforma do Estado que
tem, como diagnóstico aquele proposto pelo neoliberalismo, e partilhado pela
Terceira Via, de que não é o capitalismo que está em crise, mas o Estado. A
estratégia, portanto, é reformar o Estado e diminuir sua atuação para superar a
crise. O mercado é que deverá superar as falhas do Estado, e assim a lógica do
mercado deve prevalecer inclusive no Estado, para que ele possa ser mais
eficiente e produtivo. O Terceiro Setor é a estratégia proposta pela Terceira
Via, em substituição à proposta de privatização do Neoliberalismo. Com base em
autores como Mészàros (2002), Antunes (1999) e Harvey (1989), há quem defenda a
tese contrária de que a crise atual não se encontra no Estado, é uma crise
estrutural do capital. As estratégias de superação da crise como o
Neoliberalismo, a Globalização, a Reestruturação Produtiva e a Terceira Via é
que estão redefinindo o papel do Estado.
Dessa
forma, tendo como diagnóstico que a crise está no Estado, o governo Fernando
Henrique Cardoso propôs em 1995 o Projeto de Reforma do Estado apresentado pelo
MARE (Ministério da Administração e Reforma do Estado). De acordo com o
documento, a
reforma
do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do
Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e
social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de
promotor e regulador desse desenvolvimento (BRASIL, MARE,1995, p. 12).
O
documento aponta, ainda, que o Estado gerou distorções e ineficiências ao
tentar assumir funções diretas de execução, e, nesse sentido, “reformar o
Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser
controladas pelo mercado” (BRASIL, MARE, 1995, p.11). Portanto, o que
aparentemente seria uma proposta de Estado mínimo, configura-se como realidade
de Estado mínimo para as políticas sociais e de Estado máximo para o capital.
(Peroni, 2003).
As
estratégias de reforma do Estado no Brasil são: a privatização, a publicização
e a terceirização. Terceirização, conforme Bresser Pereira, é o processo de
transferência para o setor privado dos serviços auxiliares ou de apoio. A
publicização consiste “na transferência para o setor público não-estatal dos
serviços sociais e científicos que hoje o Estado presta” (PEREIRA, 1997, p. 7).
Publicização, no Plano, significa “transformar uma organização estatal em uma
organização de direito privado, pública, não-estatal” (PEREIRA, 1997, p. 8). As
políticas sociais foram consideradas serviços não-exclusivos do Estado e, assim
sendo, de propriedade pública não-estatal ou privada.
O papel
do Estado para com as políticas sociais é alterado, pois com este diagnóstico
duas são as prescrições: racionalizar recursos e esvaziar o poder das
instituições, já que instituições democráticas são permeáveis às pressões e
demandas da população, além de serem consideradas como improdutivas, pela
lógica de mercado. Assim, a responsabilidade pela execução das políticas
sociais deve ser repassada para a sociedade: para os neoliberais através da
privatização (mercado), e para a Terceira Via pelo público não-estatal (sem
fins lucrativos) (PERONI, 2006, p. 14).
Destaca-se, portanto, que o Plano de
Reforma do Estado no Brasil teve influências do neoliberalismo, tanto no
diagnóstico, de que a crise está no Estado, quanto na estratégia de
privatização que é parte do Plano, mas também sofreu influências da Terceira
Via, que é atual social-democracia e tanto o Presidente da época, quanto o
Ministro da Reforma do Estado, Bresser Pereira, além de filiados ao Partido da
Social-Democracia Brasileira (PSDB), eram intelectuais orgânicos da Terceira
Via.
Neste
redesenho, verificamos que o Estado se retira da execução e permanece com parte
do financiamento (propriedade pública não-estatal), mas também, o que permanece
sob a propriedade do Estado passa a ter a lógica de mercado na gestão
(quase-mercado).(PERONI, 2007, p.16 )
Apesar do governo eleito em 2002 e
reeleito em 2006 não ter filiação com a Terceira Via, como o anterior, não
revogou o Plano Diretor da reforma do estado e tem assumido tanto as
estratégias de público não estatal quanto do quase mercado.
Wood destaca que o conceito de
democracia em uma sociedade sob a hegemonia do capitalismo não pode ser visto em
abstrato, pois afinal: “É o capitalismo que torna possível uma forma de
democracia em que a igualdade formal de direitos políticos tem efeito mínimo
sobre as desigualdades ou sobre as relações de dominação e de exploração em
outras esferas” (WOOD, 2003, p. 193).
Verifica-se, mais uma vez, a separação
entre o econômico e o político e o esvaziamento da democracia. A correlação de
forças sociais se perde neste enorme consenso onde sociedade civil e Banco
Mundial parecem ter os mesmos interesses. Resta discutir: que sociedade civil?
Como se todos tivessem os mesmos interesses em uma sociedade capitalista, onde
as classes não foram superadas.
No Brasil, a formação do Estado
nacional liberal conviveu com o escravismo e o latifúndio, o que em si é uma
contradição, já que o capitalismo tem como base o trabalho assalariado e a
produtividade. Enquanto em outros países da América Latina, a população lutou
pela independência, pela República, no Brasil, apesar das reivindicações
sociais, as mudanças ocorreram através de pactos pelo alto, possibilitando aos
grupos mais conservadores permanecerem no poder.
O Estado nacional
independente foi liberal apenas nas suas bases formais, pois, na prática, foi
instrumento da dominação patrimonialista em nível político. Essa dificuldade de
o Estado romper com o passado determinou o que Florestan Fernandes chamou de
“Estado-amálgama”: “Por ser um amálgama, ele preencheu as funções mutuamente
exclusivas e inconsistentes a que devia fazer face, entendendo a organização
política e a ordem legal através e além do vazio histórico deixado pela
economia colonial, pelo mandonismo e pela anomia social” (FERNANDES, 1976, p.
68).
Outra característica
marcante da constituição do Estado brasileiro foi que as relações sociais de
exploração, historicamente, deram-se via coerção violenta, mas também via
“ideologia do favor” de forma dissimulada e manipuladora.
Essas marcas da
história são parte constitutiva das relações políticas que ainda hoje se
estabelecem no Brasil. Essa questão é fundamental ao analisar a política social
como um direito em contraposição à ideologia do favor arraigados na nossa
cultura política.
Os
anos 1980 foram marcados por um processo de abertura política depois de um
longo período de ditadura. Foi um momento de grande participação popular e de
organização da sociedade na luta pelos seus direitos. Nesse contexto, os eixos
principais dos movimentos sociais estavam vinculados à democracia, à gestão
democrática do Estado, participação da comunidade, enfim, parte do movimento de
luta por uma sociedade mais justa e igualitária e por direitos sociais.
Mas a construção da
democracia encontrou enormes obstáculos. O Brasil viveu um processo de abertura
pactuado com as forças da ditadura. E, quando estava avançando alguns passos na
participação popular e na luta por direitos sociais, sofreu o impacto das
estratégias do capital para superação de sua crise: neoliberalismo,
globalização e reestruturação produtiva, que já estavam em curso no resto do
mundo e vinham em sentido contrário a esse movimento.
O esvaziamento do
conteúdo da democracia e a separação entre o econômico e o político são
evidentes. Perdeu-se a discussão das políticas sociais como a materialização de
direitos sociais.
As lutas e conquistas
dos anos 1980, de direitos universais, deram lugar à naturalização do possível,
isto é, se um Estado “em crise” não pode executar políticas, repassa para a
sociedade civil, que vai focalizar nos mais pobres para evitar o caos social. O
Estado apenas repassa parte do financiamento, e avalia. O Estado passa a ter o
papel mais avaliador do que executor.
A questão passa a ser
todos na escola com qualidade, mas que qualidade? Essa indagação remete ao
debate acerca da função social da escola neste período particular do
capitalismo, de tantas mudanças no contexto sócio político e econômico. O
debate diz respeito ao acesso não apenas à vaga na escola, mas ao conhecimento.
Vive-se em período de muita informação, com fácil acesso a notícias, via
internet, TVs, jornais, mas para entendê-las é necessário ter acesso à
linguagem específica de cada uma das áreas, aos conceitos; e ainda é preciso
abstrair, relacionar, para entender e poder posicionar-se frente ao mundo.
A própria
reestruturação produtiva exige um outro trabalhador, com capacidade de raciocinar,
resolver problemas, trabalhar em equipe, dar respostas muito rápidas, como visto
em relatórios como o SCAM 2000, que pensava como deveriam ser as escolas no ano
2000 nos EUA para dar respostas ao setor produtivo, ou o próprio relatório
Delors (UNESCO). Quer dizer, a função social da escola é proposta por alguns
organismos internacionais e pelo empresariado, que esperam que as escolas
apenas respondam ao setor produtivo, um retorno à teoria do capital humano.
Outros, como o Banco Mundial (1995), que evitem o caos social retirando as
crianças das ruas. E para a sociedade, qual é a função social da escola? A
resposta a esta pergunta dará pistas para responder à pergunta anterior sobre
que qualidade. Sem fazer essas perguntas, acaba-se analisando separadamente as
políticas educacionais atuais, como se tivessem um fim em si mesmas.
Nos itens seguintes, algumas
políticas são apresentadas , relacionando-as ao contexto atual.
Avaliação
Institucional
As políticas atuais
têm a avaliação como indutora da qualidade, naquela perspectiva de que o Estado
deve ser o avaliador, o coordenador e não mais o executor. Além disso, há
também o conteúdo da avaliação, quer dizer, o que vai ser avaliado importa já
que diz o que deverá ser ensinado, e remete à escola que se quer, e mais uma
vez à função social da escola hoje.
Quanto à avaliação
como indutora da qualidade, é uma total inversão ao objetivo proclamado das
avaliações institucionais, que deveriam ser diagnósticas, dando elementos para
a elaboração de políticas e, ao contrário, acaba por ser meritocrática,
culpabilizando as escolas e mais especificamente os professores pelo sucesso ou
fracasso escolar, como se o sistema público não fosse responsável pela rede de
escolas e sua qualidade.
Quanto ao que vai ser
avaliado, também tem uma relação direta com as redefinições do papel do Estado,
já que está intimamente vinculado à reestruturação produtiva, na discussão
sobre os standards ou o conteúdo da avaliação.
Outra questão
importante de materialização das redefinições do papel dos Estado nas políticas
de avaliação é a terceirização. Quem define o que será avaliado? Esta questão
foi analisada no texto: Perspectivas da gestão democrática da Educação:
avaliação institucional:
“O
processo de avaliação se iniciou, em parte, por determinação dos organismos
internacionais, que exigiam, nos seus projetos, a avaliação, mas também foi
influenciado por discussões sobre a qualidade do sistema educacional, a
democratização e a transparência na gestão; enfim, os eixos que caracterizamos
como sendo inerentes aos anos 80. O próprio Sistema de Avaliação da Educação
Básica (SAEB), no início, construía sua matriz com base nas discussões com os
estados, procedimento que foi interrompido com a terceirização, sendo que, a
partir de 1995, passaram a ser entidades de fora do Estado que definiam a
avaliação institucional, sem haver consultas ou debates com os setores
envolvidos no processo. Verificamos assim que, mais uma vez, nos anos 90, os
atores envolvidos no debate educacional foram silenciados. (PERONI, 2006b, p.
152)
Outra importante
questão, quando se discuti avaliação institucional, é: afinal, o que é feito
com os resultados? Luis Carlos Freitas, no Seminário organizado pela UNESP, USP
e UNICAMP, questionava: as avaliações, os indicadores que o Brasil dispõem, já
são suficientes para um ótimo diagnóstico da realidade educacional; a questão é
o que é feito com os resultados. Diagnosticado o problema, quais são as
políticas que estão sendo propostas para resolvê-los?
Educação para TODOS
Nos debates sobre a
qualidade da educação, a principal questão é pensar em uma educação de
qualidade para todos, o que é muito diferente de pensar em educação de
qualidade para alguns. A escola historicamente não atendeu a todos, o direito à
educação requer que se pense uma escola para os que historicamente estiveram
fora.
Neste sentido, pensar
a escola como no passado, quando não era para todos, pouco ou nada resolve, já
que a grande questão atual é como incorporar os que estiveram fora e como a
escola vai ser de qualidade para todos, já que ela foi pensada para aqueles que
tiveram estabilidade social, econômica e possibilidades culturais. A escola
para os sujeitos em vulnerabilidade social, com todos os seus problemas, passa
a ser o grande desafio. Expulsar o aluno da escola é o que historicamente foi
feito; assim, a questão é como não apenas ter acesso, mas permanecer e ter
acesso ao conhecimento a que tem direito. Várias experiências no Brasil e no
mundo têm trazido avanços nesta perspectiva, mas, na maioria dos casos, a
educação de qualidade para TODOS ainda está muito distante.
Público- privado na
educação
As redefinições do
papel do Estado também restabelecem as fronteiras entre o público e o privado,
principalmente através do público não estatal e do quase-mercado e o
esvaziamento da democracia, como direitos, materializada em políticas sociais
neste contexto.
Com o público não
estatal a propriedade é redefinida, deixa de ser estatal e passa a ser pública
de direito privado. Verificamos dois movimentos que concretizam a passagem da
execução das políticas sociais para o público não estatal: ou através do
público que passa a ser de direito privado ou o estado faz parcerias com
instituições do Terceiro Setor para a execução das políticas sociais.
Com o quase mercado a
propriedade permanece sendo estatal, mas a lógica de mercado é que orienta o
setor público. Principalmente por acreditar que o mercado é mais eficiente e
produtivo do que o Estado, como é a teoria neoliberal que embasa este pensamento.
Como afirma DALE são
muitas as dimensões da relação público privado:
o
que está envolvido não é tanto uma deslocação direta do público para o privado,
mas um conjunto muito mais complexo de mudanças nos mecanismos institucionais
através dos quais são regulados o que continuam a ser essencialmente sistemas
educativos estatais. (DALE, 1994, p. 112)
O repasse de dinheiro
público para o privado não é algo novo, mas que tem se transformado na própria
política pública, principalmente nos casos em que o governo apenas repassa
recursos para as ONGs, ou instituições privadas executarem as políticas
sociais. O outro movimento a destacar é o conteúdo, isto é, a lógica privada no
público, como ocorre, por exemplo, no Programa Rede Vencer do Instituto Ayrton
Senna, que realiza parcerias com redes públicas de ensino e entre seus projetos
está um que monitora através do Sistema Instituto Ayrton Senna de Informação
(SIASI) determinando,
assim onde a escola deve melhorar e influenciando na gestão e currículo
escolares. Neste caso, as redes públicas não recebem investimentos do
Instituto, ao contrário pagam por este monitoramento. É também o caso de outros
Programas do Instituto, como as Classes de Aceleração e a Alfabetização, em que
os municípios pagam pelos Kits, e o pior é que têm a proposta pronta
passo a passo, determinando assim o currículo da escola pública. São dois
questionamentos: o Instituto vive principalmente de dinheiro das empresas que
deixam de pagar impostos e entrar nos 25% da educação e, além de perderem esse
dinheiro, os municípios pagam o material, e ainda envolvem toda a rede de
ensino público. Professores, coordenadores pedagógicos, diretores, quadros das
secretarias de educação, todos, enfim, passam a definir suas atividades em
função das determinações do Instituto, tanto na área de gestão, como na
pedagógica, redefinindo assim o espaço público e sua autonomia. (PERONI, 2006a)
Outro exemplo na educação, foi o
Programa Dinheiro Direto na Escola que instituiu a obrigatoriedade para o
recebimento dos recursos da criação de Unidades Executoras, de direito privado
nas escolas públicas.
Gestão democrática
Avançando nos estudos e pesquisas
sobre a necessidade de entender a gestão democrática como processo de
construção, o que implicaria em mudanças culturais profundas. Muito debatem
sobre entendê-la não apenas como um meio, mas também como um fim, já que a
participação em si é pedagógica e estratégica, pois só se pode participar,
participando. No entanto, atualmente a gestão democrática, que inclusive é princípio
constitucional, está, na prática, cada vez menos sendo construída. Muitas
vezes, o termo soa como algo que ficou no passado, quando, na realidade, estava
ainda dando seus primeiros passos, já que a gestão educacional historicamente
teve grande influência do patrimonialismo, da burocracia, e como parâmetro o
mercado. Assim, o novo, a ser construído, é a gestão democrática.
Muito a sociedade
lutou para garantir a gestão democrática como princípio constitucional, mas
implantá-la é um longo processo que requer diálogo e participação coletiva de
todos os envolvidos: pais, alunos, professores, direção colegiada, enfim, a
sociedade como um todo, já que os rumos da educação transcendem a um governo,
são decisões de Estado, em todas as suas instâncias – escola, conselhos de
educação, secretarias municipais e estaduais, Ministério da Educação.
A autonomia da
escola, a eleição de diretores, o conselho escolar, são alguns pilares que
materializam a gestão democrática, mas não são suficientes para mudar a
histórica cultura autoritária. É necessário políticas que ampliem as
possibilidades de democratização da educação. Pesquisas demonstram que não se
analisa gestão democrática em abstrato. Os indicadores têm são: o direito à
educação, isto é: ampliou-se o acesso, a permanência, o conhecimento? Melhorou
o financiamento da educação? A valorização do magistério? Quer dizer, para
analisarmos se um sistema educacional avançou na gestão democrática e na
qualidade da educação, analisamos as políticas educacionais propostas, além dos
índices quantitativos.
Enfim, a gestão
educacional é outra política que mudou muito com as redefinições do papel do
Estado, pois dado o diagnóstico neoliberal, partilhado pela Terceira Via, de
que o culpado pela crise é o Estado, e o mercado é sinônimo de eficiência, toda
a gestão pública passa a ter como referência a lógica empresarial.
Quer dizer que está
mais uma vez vinculada à qualidade, mas aqui no caso, uma qualidade que tem
como parâmetro o mercado. Volta a questão: que qualidade? Para quem? Executada
por quem? Quer dizer quem é o responsável?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante
ressaltar que o eixo das políticas educativas foi se redefinindo. No período de
abertura política era centrado principalmente na democratização da escola,
mediante a universalização do acesso, e a gestão democrática centrada na
formação do cidadão. Atualmente ocorre a mudança dessa centralidade,
passando-se a enfatizar a qualidade, entendida como produtividade. O eixo é a
busca de maior eficiência e eficácia via controle de qualidade, da
descentralização de responsabilidades, da terceirização de serviços e da
autonomia da escola.
Os anos 1980 foram
marcados por um processo de abertura política depois de um longo período de
ditadura. Foi um momento de grande participação popular e de organização da
sociedade na luta pelos seus direitos. Nesse contexto, os eixos principais dos
movimentos sociais estavam vinculados à democracia, à gestão democrática do
Estado, participação da comunidade, enfim, parte do movimento de luta por uma
sociedade mais justa e igualitária e por direitos sociais.
Como parte deste
movimento, houve avanços na luta pelo direito à educação, entendido não apenas
como acesso à escola, mas ao conhecimento e a uma maior participação nas
definições educacionais. A gestão democrática passa a ser parte integrante da
luta por educação de qualidade. Mas a construção da democracia encontrou
enormes obstáculos. O Brasil viveu um processo de abertura pactuado com as
forças da ditadura. E, quando estava avançando alguns passos na participação
popular e na luta por direitos sociais, sofreu o impacto das estratégias do
capital para superação de sua crise: neoliberalismo, globalização e
reestruturação produtiva, que já estavam em curso no resto do mundo e vinham em
sentido contrário a esse movimento.(PERONI, 2007).
As lutas e conquistas
dos anos 1980, de direitos universais, deram lugar à naturalização do possível,
isto é, se um Estado “em crise” não deve executar políticas sociais, repassa
para a sociedade civil, que vai focalizar nos mais pobres para evitar o caos
social. O Estado apenas repassa parte do financiamento, e avalia.
E, essas redefinições
do papel do Estado restabelecem as fronteiras entre o público e o privado,
principalmente através do público não estatal e do quase-mercado e o
esvaziamento da democracia, como direitos, materializada em políticas sociais.
No Brasil, não temos
um histórico democrático e de participação efetiva da sociedade na luta por
direitos sociais, materializados em políticas públicas. No período de abertura
política, a sociedade começou a dar os primeiros passos nesse sentido. Mas, no
resto do mundo, a democracia e a participação eram questionadas como as
responsáveis pela crise do Estado, já que para atender às demandas dos grupos
organizados o Estado teria investido em políticas sociais, gastado demais e
gerado a crise fiscal e a inflação, a democracia passa a ser combatida não mais
por uma ditadura, mas no plano político e ideológico, e com a ajuda dos meios
de comunicação, passa-se a relacionar a luta por direitos como atos contra a
nação. Os culpados pela crise seriam os funcionários públicos e o investimento
nas políticas sociais. (PERONI, 2008).
Tem ainda a
influência da Terceira Via, que não vê a democracia como inimiga, mas como
instrumental à retirada do Estado das políticas sociais. Apela-se para a
subjetividade das pessoas através da ajuda mútua, da solidariedade, da
filantropia, enquanto o dinheiro público dos impostos é deslocado para a esfera
financeira.
Assim, o processo
democrático dá-se como parte da correlação de forças políticas. Portanto, a
questão central não pode ser sociedade civil X Estado, pois assim está se
deslocando o eixo central que é a correlação de forças por projetos de
sociedade, para perpetuar a sociedade do capital ou superá-la. Assim como não
acreditamos em sociedade civil em abstrato, também não é possível crer que
apenas ficando na esfera do Estado o interesse público esteja garantido, pelo
menos não em uma sociedade hegemonizada pelo capital. Os interesses de classes
perpassam sociedade civil e Estado. Portanto, urge localizar o debate em um
contexto próprio onde o Estado se retira das políticas sociais e repassa para a
sociedade, ocorrendo perdas de direitos.
Mais especificamente
na política educacional, ao mesmo tempo em que se avança na luta por uma
educação para todos, o Estado passa de executor a apenas o avaliador e indutor
da qualidade através da avaliação. A gestão democrática passa a dar lugar para
a gestão empresarial, já que o mercado é parâmetro de qualidade.
A
grande questão atual é a função social da escola neste período particular do
capitalismo de tantas mudanças. O capital sabe muito bem que escola quer, e os
que querem superá-lo, devem começar a ser mais propositivos depois de décadas
na defensiva.