quarta-feira, 4 de novembro de 2015

"DE IDEIA EM IDEIA A EDUCAÇÃO SE ALIMENTA"

DISPONÍVEL: http://cienciahoje.uol.com.br/alo-professor/intervalo/2015/01/boas-ideias
ACESSO: 04/11/2015 as 17:01h


Bióloga compartilha com os leitores iniciativas e opiniões que podem ajudar professores a refletir sobre o ensino formal e tornar mais prazerosa a educação em ciências.
Por: Vera Rita da Costa
Publicado em 16/01/2015 | Atualizado em 16/01/2015
Boas ideias
(foto: Martin Rotovnik/ Freeimages) 

Assim como avisa o ditado popular que ‘de grão em grão, a galinha enche o papo’, podemos considerar também que ‘de ideia em ideia, a educação se alimenta’. Divulgar e discutir ideias e iniciativas que ajudem a ampliar e tornar mais prazeroso e eficiente o ensino de ciências em nosso país é um de nossos objetivos.Não são ideias que vão, de maneira isolada, transformar e resolver a questão da educação científica no Brasil, mas elas têm o potencial de fazer os professores de ciências refletir e se entusiasmar no empreendimento de novas propostas. A primeira das dicas é a leitura da entrevista que a escritora Marina Colassanti deu à Folhinha (a seção para crianças do jornal Folha de S. Paulo), publicada logo na primeira semana do ano e que se encontra na íntegra aqui.É uma entrevista curta e simples, mas muito significativa. Nela, a escritora, que acaba de ganhar seu sétimo prêmio Jabuti com a obra Breve história de um pequeno amor (FTD, 2013), discute a importância da literatura infantil, assim como a falta de reconhecimento e cuidado para com esse gênero literário em nosso país.O interessante na entrevista de Marina Colassanti para quem é professor de ciências não está, no entanto, apenas nesses temas. Na realidade, está subentendido ou expresso em questões transversais a essas e que interligam de forma sutil a literatura e o ensino formal.Um exemplo? A ideia de que tudo o que está voltado para crianças e jovens tem que ser educativo ou, nas palavras da própria escritora, “ter um pé amarrado na educação” e “carregar conhecimentos”. Outro? A ideia de que aquilo que é voltado para o público infantil e jovem em nosso país tem que ser simplificado.“No Brasil, a literatura chega às crianças quase que exclusivamente através da escola. Num país onde quem compra o livro é o governo e os professores não costumam ler, escolhem-se obras educativas e o mais simplificadas possível”, diz a certo momento Marina Colassanti. Para quem está de alguma forma envolvido com a educação, o conteúdo da entrevista de Marina Colassanti dá realmente o que pensar. E, mais especificamente para quem ensina ciências, também fornece elementos para questionar e refletir.

Envenenamento do ensino?

Uma questão imediata que surge a partir da leitura da entrevista é, por exemplo, se aquilo a que Colassanti se refere como o que “envenena a literatura” não estaria também envenenando o ensino de ciências e a educação de modo geral. Em outras palavras, como aponta a escritora para a literatura infantil e juvenil, é de se perguntar se não estamos – também em outras áreas – subestimando a inteligência de crianças e jovens, simplificando, banalizando ou priorizando conteúdos que os adultos acreditam ser interessantes e importantes para eles, mas de fato não o são. A segunda dica é uma interessante palestra intitulada ‘A ciência é para todos, inclusive para crianças’, que se encontra entre aquelas disponibilizadas pela Fundação TED (Technology, Entertainment, Design), e que foi proferida em conjunto por Beau Lotto e Amy O'Toole. Beau Lotto é um conhecido neurocientista, coordenador do Estúdio Lottolab, um espaço de pesquisas sobre a percepção, instalado no Museu de Ciências de Londres (Science Museum). Amy O´Toole, por sua vez, é ‘apenas’ uma estudante de ciências que, na época da palestra em questão (2012), tinha 12 anos. Repare que no parágrafo anterior colocamos a palavra apenas entre aspas, porque talvez ela não seja a mais adequada para apresentar Amy O´Toole. Afinal, ela não é simplesmente uma estudante, como o senso comum poderia nos fazer pensar. Ela é uma das 25 crianças, entre oito e 10 anos de idade, que Beau Lotto orientou em 2010 em projeto sobre percepção das abelhas, e que se tornaram os mais ‘jovens cientistas’ a darem uma contribuição original em uma área científica e a publicarem seus resultados em uma revista reconhecida pela comunidade científica.
VER VÍDEO EM PUBLICAÇÃO ANTERIOR.
O projeto de pesquisa do qual participou Amy O'Toole foi realizado em uma escola primária pública do Reino Unido (Blackawton Primary School), sob a orientação do Estúdio Lottolab. Chamava-se originalmente Projeto Abelhas de Blackawton e progrediu percorrendo as etapas básicas que praticamente toda pesquisa científica segue. Em linhas gerais, como explica Beau Lotto em sua apresentação na TED, as crianças propuseram perguntas sobre o comportamento das abelhas que lhes eram de interesse, selecionaram aquelas que julgaram as melhores, fizeram observações, coletaram, organizaram e analisaram dados e chegaram a conclusões que foram submetidas à apreciação da comunidade científica por meio de um artigo escrito por elas e apresentado a uma revista reconhecida na área.

Contribuição original

A maior dificuldade encontrada, como relata Beau Lotto, não esteve em nenhum momento com as crianças ou seu trabalho de pesquisa que durou cerca de quatro meses. Esteve apenas em convencer as pessoas que, de fato, mesmo crianças são capazes de gerar conhecimento científico original – processo que levou quase dois anos para acontecer e que atrasou, inclusive, a divulgação dos resultados obtidos pelas crianças. Os próprios professores envolvidos com o projeto, por exemplo, não acreditavam inicialmente que seus alunos seriam capazes de realizar ciência e precisaram ser convencidos disso. Também o comitê científico que analisou o pedido de financiamento da pesquisa proposto pelas crianças desacreditou da capacidade delas de gerarem conhecimento original, rejeitando qualquer ajuda e justificando seu parecer com a observação de que “crianças não poderiam dar uma contribuição útil para a ciência”. Para que o artigo final fosse publicado, foi preciso, ainda, vencer outras barreiras existentes também na comunidade científica. Uma delas, o fato de a linguagem empregada no artigo não seguir o formalismo exigido nas publicações científicas, mas se valer da linguagem narrativa, que é própria das crianças (o artigo inicia-se, por exemplo, com a célebre frase “Era uma vez...”). Outro, o fato de as tabelas terem sido coloridas a lápis de cor, motivo também considerado na rejeição inicial da publicação, por não atender ao “controle de qualidade exigido para publicações científicas”.
Gráficos de crianças
Os gráficos feitos pelas crianças, coloridos a lápis, foram um dos motivos que fizeram com que o artigo fosse inicialmente rejeitado pelo periódico, por não atender ao “controle de qualidade exigido para publicações científicas”. (imagem: Reprodução/ Biology Letters)
Apenas depois de submetido à revisão de importantes pesquisadores que escreveram comentários contextualizados e referenciados dando conta da originalidade e importância dos resultados obtidos pelas crianças e de ser submetido à crítica e revisão de cinco consultores independentes, o artigo ‘Blackawton bees’ foi finalmente publicado em março de 2011, na revista Biology Letters, e é um dos mais acessados para leitura e reprodução (download). É assinado pela escola (autor principal) e pelas 25 crianças (coautoras).
 

Estudantes ‘divulgadores’

Por fim, para começar o ano realmente animados, queremos também comentar uma iniciativa de que tomamos conhecimento e que nos parece um exemplo de que é possível ensinar ciência de modo realmente eficaz e prazeroso. Trata-se de um projeto de pesquisa e produção de conhecimento realizado pelos alunos do 2º ano do ensino médio da Escola Estadual de Ensino Médio Cecília Meireles, em Sapucaia do Sul (RS), orientados por suas professoras de biologia, Gisele Fontinelli, e de língua portuguesa, Keli Rabello. No projeto, os alunos constataram a contaminação do solo de algumas praças da cidade em que moram e procuraram, por meio de um texto de divulgação, alertar a população para os riscos envolvidos no uso desses locais públicos e sobre a necessidade da prática de medidas simples para a prevenção de doenças. Nas aulas de biologia, tiveram oportunidade de aprender técnicas de coleta e análise de solo, o que lhes permitiu constatar a presença de parasitas, principalmente em tanques de areia e espaços de lazer de praças de sua cidade, e identificá-los. Nas aulas de língua portuguesa, puderam aprimorar as habilidades de leitura e escrita, ao estudar textos técnicos e de divulgação científica e exercitar como produzi-los. Os alunos da Escola Estadual de Ensino Médio Cecília Meireles adquiriram, assim, importantes informações e desenvolveram também variadas habilidades. Mas, o que dizer dos valores aprendidos? Certamente, eles estiveram presentes no processo de ensino e aprendizagem desenvolvido nesse projeto. Não contentes em apenas ‘conquistar’ informações para si, os alunos decidiram em conjunto com suas professoras e orientadoras também compartilhar os conhecimentos adquiridos – e esse é um valor essencial na ciência.
A etapa final do projeto, portanto, envolveu a produção de um texto coletivo de divulgação, destinado às crianças e escrito nos moldes daqueles publicados na revista Ciência Hoje das Crianças, a ser divulgado na comunidade local.
O texto dos alunos de Sapucaia do Sul também foi enviado para nós, do Instituto Ciência Hoje, para que soubéssemos e compartilhássemos com nossos leitores não apenas as informações nele contidas, mas também a ideia de que há esperança para o ensino de ciências e para a divulgação científica em nosso país, porque também entre nós, há boas iniciativas sendo desenvolvidas.

Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP

Beau Lotto + Amy O’Toole: A ciência é para todos, inclusive para crianças.