terça-feira, 2 de setembro de 2014

VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS.....

ACESSO: 02/09/2014
 
O Brasil é o país com mais violência nas escolas na lista de 34 nações pesquisadas pela Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico. Segundo a OCDE, 12,5% dos profissionais brasileiros dos ensinos fundamental é médio disseram ser vítimas de agressões verbais ou de intimidação de alunos ao menos uma vez por semana. A média entre os países pesquisados é de 3,4%. Os professores brasileiros recebem R$1,9 mil por mês, três vezes menos que a média dos países da OCDE, de R$ 5,7 mil.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

USO DE NOVAS TECNOLOGIAS AUMENTAM INTERESSE DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO

DISPONÍVEL: http://revistapesquisa.fapesp.br/2014/08/21/treinamento-avancado/
ACESSO: 01/09/2014

Treinamento avançado

Plataforma on-line utiliza recursos de games para motivar alunos a estudar conteúdo de disciplinas do ensino médio
DINORAH ERENO | Edição 222 - Agosto de 2014
© VISCA
Uma plataforma on-line chamada Meu Tutor, criada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) com foco na preparação e treinamento de alunos que irão se submeter ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), tem se expandido rapidamente e recebido um expressivo fluxo de adesão. Somente entre abril e junho deste ano, o número de usuários ativos da plataforma, que pode ser acessada pela internet ou pelo Facebook, saltou de 5 mil para 10 mil. O Meu Tutor disponibiliza os conteúdos de todas as disciplinas abordadas no Enem por meio de mecanismos de recompensa como pontuação, níveis a serem atingidos, rankings e missões a serem cumpridas pelos participantes. E também permite fazer os simulados do exame nacional. Para que o estudante se sinta motivado, ele é desafiado e quando vence ganha bonificações em prêmios virtuais.

Os pesquisadores trabalharam com três conceitos no desenvolvimento da ferramenta. Um deles é a aprendizagem personalizada, em que o ritmo é ditado pela dificuldade do aluno em assimilar a disciplina. “O conteúdo é adequado às necessidades de cada aluno”, diz o professor Seiji Isotani, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP de São Carlos, um dos criadores da ferramenta. A motivação é outro elemento utilizado no processo. “Um aluno que não está engajado e comprometido com a sua própria educação não aprende. Para mudar esse quadro, utilizamos de maneira inteligente técnicas de games para motivar o aprendizado on-line”, diz o pesquisador. “Essa é uma das características inovadoras que diferenciam o projeto.” A plataforma educacional também aposta na aprendizagem social ao formar grupos colaborativos, em que o conhecimento e as experiências são compartilhados. Além disso, há também a preocupação de propiciar uma aprendizagem personalizada, adequando o conteúdo às necessidades específicas de cada aluno. Na avaliação de Isotani, a inovação tecnológica pode melhorar o processo de ensino e aprendizagem de forma a aumentar a motivação e o rendimento dos alunos, o que resultará na melhora de índices escolares em avaliações nacionais e internacionais.
Uma startup, sediada na Ufal, foi criada em 2012 com o objetivo de trabalhar na ferramenta e dar continuidade a novos projetos de uso da plataforma em trabalhos educacionais. Ela foi premiada na Olimpíada USP de Inovação 2014 na categoria Empresa Nascente e também recebeu neste ano o prêmio Alagoano Empreendedor Inovador. Atualmente é cobrada uma mensalidade de R$ 9,90 para cada aluno cadastrado. “Ao se cadastrar, ele pode fazer o treinamento em todas as disciplinas dadas no ensino médio e realizar simulados do Enem”, diz Isotani. Caso o foco do aluno seja apenas matemática, ele pode usar a ferramenta livremente, sem pagar nenhuma taxa.
Parceria universitária
A ideia de criar uma empresa para produzir plataformas educacionais surgiu em 2007, durante um congresso. Na ocasião, Isotani, que estava terminando o seu doutorado na área de computação aplicada à educação na Universidade de Osaka, no Japão, conheceu o também pesquisador Ig Ilbert Bittencourt, atualmente professor na Ufal. “Vimos que havia um grande potencial de uso de tecnologias inteligentes no processo de aprendizagem e pouca coisa desenvolvida no Brasil”, relata. “Decidimos então abrir uma empresa para suprir essa lacuna.”
As pesquisas são realizadas em conjunto entre as duas universidades, com o envolvimento de 10 alunos de mestrado e doutorado atualmente. Na empresa outras 10 pessoas trabalham no desenvolvimento de softwares. “A plataforma que criamos pode ser utilizada em diferentes domínios”, diz Isotani. O grupo de pesquisa está trabalhando agora no Meu Tutor Prova Brasil – avaliação em larga escala aplicada aos alunos de 5º a 9º ano do ensino fundamental nas redes municipais, estaduais e federais – e outras frentes estão sendo estudadas, como o treinamento de pessoas em empresas.
Segundo Isotani, o mercado de aplicativos e softwares educacionais tem registrado crescimento no Brasil. Ele cita dados apresentados em um estudo realizado em parceria pelas empresas Inspirare e Potencia Ventures, intitulado “Oportunidades em educação para negócios voltados para a população de baixa renda no Brasil”, que mostram um mercado potencial de R$ 60 bilhões para a educação, sendo que cursos, games e softwares representam 78% desse mercado potencial.
Uma das principais linhas de pesquisa no Laboratório de Computação Aplicada à Educação do ICMC, que tem Isotani como um dos coordenadores, é a formação de grupos de aprendizagem e uso de dispositivos móveis no ensino. Na sua avaliação, para que os alunos aprendam de maneira colaborativa, a seleção dos grupos não pode ser baseada em afinidades entre os participantes, nem o ambiente de ensino deve estar restrito a uma sala de aula. “Nesses casos, os conflitos, que contribuem para novas ideias e aprendizados, quase sempre são evitados.” Entre os critérios a serem levados em conta para a criação de grupos com bons resultados estão alunos com níveis de conhecimento variados, para garantir que o grupo seja o mais heterogêneo possível, além de aspectos culturais, socioeconômicos e motivacionais dos participantes. A partir da identificação dessas características os pesquisadores criam algoritmos – sequências de comandos passadas para o computador – para que esses grupos sejam formados da melhor forma possível em ambientes apoiados por dispositivos móveis como tablets e celulares.

A FAMÍLIA CURIE


ACESSO: 01/09/2014

O nome Curie surge na Física por intermédio das descobertas realizadas pelos físicos franceses Pierre (1859-1906; PNF, 1903) e Paul-Jacques (1855-1941) sobre os fenômenos da piro e da piezo-eletricidade. Com efeito, em 1880 (Comptes Rendus Hebdomadaires des Séances de l´Academie de Sciences 91, pgs. 294; 383), 1881 (Comptes Rendus Hebdomadaires des Séances de l´Academie de Sciences 92, pgs. 186; 350; 93, pgs. 204; 1137) e 1882 (Comptes Rendus Hebdomadaires des Séances de l´Academie de Sciences 95, p. 914), esses dois irmãos realizaram experiências nas quais observaram que havia uma diferença de potencial na face de um cristal toda vez que sobre ela se colocava um peso. Eles encontraram esse mesmo efeito em vários cristais: quartzo, cristal de Rochelle, turmalina e topázio. Eles observaram, também, que todos os corpos piroelétricos são simultaneamente piezoelétricos, pois os fenômenos resultantes das variações de temperatura e os resultados das variações de pressão são devidos a uma única e mesma causa: a contração ou a dilatação do cristal. É oportuno destacar que os cristais piezoelétricos são muito usados na indústria acústica como transdutores, pois transformam a onda sonora em corrente alternada ou vice-versa.

Em 1895 (Annales de Chimie et de Physique 5, p. 289), Pierre Curie apresentou o resultado de suas pesquisas, realizadas para a sua Tese de Doutoramento, nas quais estudou as propriedades magnéticas dos materiais paramagnéticos, diamagnéticos e ferromagnéticos. Nesse estudo, descobriu que a relação entre a suscetibilidade magnética ( ) e a temperatura absoluta (T), traduzida pela hoje célebre lei de Curie: , valia para as substâncias paramagnéticas enquanto que para as diamagnéticas era independente dessa mesma temperatura, exceto para o bismuto (Bi). Ainda nesses trabalhos, Pierre Curie estudou o comportamento da magnetização de substâncias ferromagnéticas em função de T e/ou do campo magnético externo aplicado e, em conseqüência dessas pesquisas, descobriu que existe uma determinada temperatura T – mais tarde conhecida como temperatura Curie (TC) – acima da qual a substância ferromagnética se comporta como paramagnética. É oportuno notar que o físico e químico inglês Michael Faraday (1791-1867), em suas experiências realizadas em 1845, observou que nem todas as substâncias reagem da mesma maneira na presença de um campo magnético. Assim, algumas delas conduzem bem o campo magnético, fazendo convergir as “linhas de força” desse campo através de si próprias. A esse grupo de substâncias denominou de paramagnéticas [p.e., oxigênio (O) e paládio (Pd)]. Por outro lado, outro grupo de substâncias são pobres condutoras de campo magnético, divergindo suas “linhas de força” através de si mesmas; a esse grupo, Faraday deu o nome de diamagnéticos [p.e., antimônio (Sb) e bismuto (Bi)]. Logo depois, em 1847 (Leipzig Berichte 1, p. 346 ), o físico alemão Wilhelm Eduard Weber (1804-1891) tentou explicar esse comportamento magnético dos corpos usando as “correntes amperianas” (correntes elétricas no interior dos corpos) e, em 1852 (Annalen der Physik 87, p. 145), ao usar essa mesma explicação, descobriu que existem substâncias em que a magnetização induzida pelo campo magnético externo, não aumenta na mesma proporção do aumento do campo externo, mas tende para um valor de saturação. Tais substâncias foram mais tarde denominadas de ferromagnéticas [p.e., ferro (Fe) e níquel (Ni)].

Um terceiro nome famoso Curie é o da física e química polonesa Marya Salomee Sklodowska (1867-1934; PNF, 1903; PNQ, 1911) que, ao casar com Pierre Curie, em 1895, passou a se chamar de Marie Curie, conhecida mundialmente como Madame Curie. Como já tratei, em verbete desta série, dos trabalhos que o casal Curie realizou sobre a radioatividade, neste verbete vou destacar alguns fatos curiosos sobre esse célebre casal e, para isso, usarei os seguintes textos: Eva Curie, Madame Curie (Companhia Editora Nacional, 1962); Françoise Giroud, Madame Curie (Martins Fontes, 1989); A. M. Nunes dos Santos, Maria Amália Bento e Christopher Auretta (Organizadores), Mulheres na Ciência: Lise Meitner, Maria Goeppert Mayer e Marie Curie (Gradiva, 1991); Sharon Bertsch McGrayne, Mulheres que Ganharam o Prêmio Nobel em Ciências: Suas Vidas, Lutas e Notáveis Descobertas (Marco Zero, 1994); Isabelle Chavannes, Leçons de Marie Curie: Physique Élémentaire pour les enfants de nos amis (1907) (EDP Sciences, 2003); e Bárbara Goldsmith, Gênio Obsessivo: O Mundo Interior de Marie Curie (Companhia das Letras, 2006).

Conforme registramos no verbete referido sobre as pesquisas do casal Curie, em dezembro de 1898, esse casal e mais o químico francês Gustave Bémont (1857-1932) anunciaram que haviam descoberto mais um elemento radioativo, similar ao bário (Ba), ao qual deram o nome de rádio (Ra). É oportuno registrar que, no dia 28 de março de 1902, Madame Curie anotou em sua caderneta preta: Ra = 225, 93. O peso de um átomo de rádio. Pois bem, apesar de Pierre e Marie Curie viverem com um orçamento apertado, eles recusaram a patentear o método (cristalização fracionária) que Madame Curie desenvolveu para purificar o rádio, cuja primeira prova de sua existência foi fornecida por análise espectral. Quando Pierre leu à sua esposa uma carta vinda dos Estados Unidos da América na qual lhe propunham patentear seu método para assegurar seus próprios direitos, Madame Curie foi incisiva: Impossível! É contrário ao espírito científico. Pierre concordou imediatamente. Noutra ocasião, já viúva de Pierre (que morreu atropelado por uma carruagem conduzida pelo cocheiro Luís Marin, na rua Dauphine, no dia 19 de abril de 1906, quando se dirigia ao escritório da Comptes Rendus para conferir as provas de um novo artigo), Madame Curie doou (contra o parecer da família de seu marido) ao laboratório que trabalhava o grama de rádio que o casal havia isolado, durante vários anos de trabalho, e que valia um milhão de francos-ouro. Ela repetiria o mesmo gesto com o grama de rádio que o Governo dos Estados Unidos lhe doara para as suas pesquisas, chegando inclusive a solicitar que o documento de doação fosse retificado, poucas horas antes da solenidade.

A falta de apego, por parte dos Curie, às glórias de qualquer natureza e, também, aos bens materiais, está registrada nos seguintes fatos. Conforme já assinalei em um verbete desta série, o matemático francês Paul Appell (1855-1930), grande estudioso da Mecânica Racional e então Reitor da Universidade de Paris indicou o nome de Pierre Curie para receber a Legião de Honra da França. Em resposta a essa indicação, Pierre respondeu: Peço-vos agradecer ao Sr. Ministro e informá-lo de que não tenho absolutamente necessidade de ser condecorado e sim de dispor de um laboratório. Anos depois, em 1910, Madame Curie também recusou essa honraria. Creio ser oportuno registrar que quando Madame Curie começou suas pesquisas com uma tonelada de resíduos de pechblenda [um minério de urânio (U) que existia nas minas de Saint-Joachimsthal, na Boêmia] que havia sido doada pelo Governo Austríaco, ela trabalhava em um galpão desativado, em uma antiga sala de dissecação de cadáveres usada pelos estudantes da Escola de Medicina da Universidade de Paris (Sorbonne). Esse galpão, de teto envidraçado, esburacado, e com piso em chão batido, ficava na rua Lhomond, defronte da École de Physique, onde os Curie trabalhavam.

Em novembro de 1903 os Curie receberam uma carta da Royal Society of London indicando que eles haviam recebido a Medalha Davy, uma das mais altas condecorações daquela Sociedade. Adoentada, Madame Curie pede ao seu marido que vá a Londres receber a pesada medalha de ouro em que estão gravados os nomes Pierre e Marie Curie. Como não existia um local apropriado na casa onde moravam, no Boulevard Kellermann, eles deram-na para a filha Irene, então com seis anos de idade. Quando os amigos iam visitar o casal Curie e viam a filha Irene brincando com a medalha, os Curie diziam: Irene adora o tostãosão amarelo!

Por ocasião da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) Madame Curie chegou a oferecer, ao Banco Francês, as medalhas de ouro que ela havia ganhado com os dois Prêmios Nobel (Física, 1903 e Química, 1911), assim com a do PNF (1903) de Pierre, para serem fundidas e transformadas em ouro na tentativa de ajudar no esforço de guerra desferido pela França. O funcionário do Banco recusou-se a receber essas medalhas. Aliás, no começo dessa Guerra, usando os recursos da União das Mulheres Francesas, Madame Curie organizou um verdadeiro hospital ambulante, composto de 20 viaturas, da marca Renault, dotadas de aparelhos de raios X e acionados pelo próprio motor de cada viatura, para atender os feridos nas linhas do “front” da Guerra. Certo dia, quando um dos motoristas faltou, Madame Curie chegou a dirigir uma dessas “petites Curies”, como eram chamadas pelos soldados franceses, pelas esburacadas estradas francesas. É interessante notar que essa sua experiência com a radiologia X foi registrada em um texto intitulado La Radiologie et la Guerre, escrito em 1921.

Antes de passarmos a relatar aspectos curiosos de outros Curie famosos, é oportuno destacar dois fatos inusitados da vida de Madame Curie. O primeiro deles relaciona-se com a cooperativa de ensino que ela inventou, em 1907 (agora morando em uma casa de campo em Sceaux, com seu sogro Eugène Curie e suas duas filhas: Irène, nascida em 1897 e Eve, nascida em 1904), para proporcionar a Irène, bem como aos filhos de seus amigos, uma educação diferente da que o ensino francês proporcionava. Assim, junto com seus vizinhos franceses de Sceaux, os físicos Jean Baptiste Perrin (1870-1942; PNF, 1926) e Paul Langevin (1872-1946) e o sinólogo Emmanuel-Édouard Chavannes (1865-1918), decidiram que esses jovens alunos teriam uma aula diária com professores da Sorbonne e do Collège de France. Desse modo, esses alunos (Aline e Francis Perrin; Irène Curie; Jean e André Langevin; Pierre, Etienne e Mathieu Hadamard; Paul Magrou; André Mouton; Marguerite e Isabelle Chavannes; e Pierre Brucker) tinham aula de Química com Jean Perrin, na Sorbonne; e Matemática com Paul Langevin, em Fontenay-aux-Roses. Marie Henriette Mouton (1873-1964) e o escultor Jean Magrou (1869-1936) encarregavam-se do ensino das Ciências Naturais, Desenho e Modelagem. Por sua vez, as aulas de Francês, Literatura, História e visitas ao Louvre foram conduzidas por Henriette Perrin e Alice Chavannes. As aulas de Física eram dadas por Madame Curie, na École de Physique (Sorbonne), nas tardes de quinta-feira. Note-se que algumas dessas aulas encontram-se no citado livro de Isabelle Chavannes.

O outro fato inusitado da vida de Madame Curie, e que foi bastante doloroso para ela, trata-se de seu envolvimento amoroso com Paul Langevin, ocorrido em 1910, quatro anos depois de ficar viúva. Físico e matemático brilhante [em 1906 chegou a demonstrar a célebre fórmula: E = mc2, sem saber que o físico germano-norte-americano Albert Einstein (1879-1955; PNF, 1921), já havia realizado tal demonstração em 1905], Paul Langevin, ex-aluno de Pierre Curie, era amigo dos Curie há muito tempo. Cinco anos mais novo do que Madame Curie, era um homem alto, de porte militar, olhos penetrantes, cabelos curtos à escovinha, um bigode espesso com pontas recurvadas, e que declamava com entusiasmo os mil versos que sabia de cor. Enquanto ajudava na preparação e no esmero da apresentação das aulas que Madame Curie dava na Sorbonne, Paul Langevin lamentava seu casamento desastroso com Jeanne Desfosses, que chegou a contratar um detetive particular para vigiar o casal de amantes. Esse relacionamento provocou um escândalo muito grande em Paris. Os “tablóides” sensacionalistas parisienses abriam manchetes do tipo: A Vestal do Rádio rouba marido de uma mãe francesa. Em um certo dia, um grupo de pessoas gritava na frente da casa dela: Ladra de maridos! Fora com a estrangeira! . Não irei mais me estender nesse escândalo, cujos detalhes podem ser vistos nos livros citados acima, apenas registro o que o filho dos Langevin, André escreveu na biografia que fez do pai: Era bastante natural que aquela amizade (com Marie), acrescida de mútua admiração, se transformasse, vários anos depois da morte de Pierre Curie, pouco a pouco, em uma paixão e uma ligação (...). O lar em que fôramos educados até então foi momentaneamente destruído. Meu pai e minha mãe iriam viver separados até a guerra de 1914.

Tratemos, agora, de um outro casal famoso e que leva também o nome Curie. No entanto, nesse caso, esse nome famoso está associado ao de Joliot. Vejamos a razão dessa associação. Ao casar com a física francesa Irene Curie (1897-1956; PNQ, 1935), o físico francês Jean Frédéric Joliot (1900-1958) resolveu adotar o nome Joliot-Curie para que ficasse preservado o nome Curie, uma vez que sua mulher só possuía a irmã Eve, conforme registramos anteriormente. A fama do casal Joliot-Curie se deveu ao fato da descoberta da radioatividade artificial ocorrida em 1934 (Comptes Rendus de l´Academie de Sciences de Paris 198, pgs. 254; 559 e Nature 133, p. 201), em conseqüência de experiências que o casal realizou, nas quais bombardeou alumínio ( ) com partículas ( ). Depois de remover a fonte dessas partículas, os Joliot-Curie observaram que o alvo de alumínio, depois de expelir nêutrons ( ), continuava a emitir radiações e interpretou-as como provindas de um isótopo, na realidade, um radioisótopo do fósforo ( ) não encontrado na Natureza. Desse modo, esse casal acabara de descobrir a radioatividade artificial, de acordo com a seguinte reação nuclear:

Muito mais tarde, na década de 1950, as radiações que aparecem nesse tipo de reação nuclear, foram explicadas como sendo devidas ao decaimento desse fósforo radioativo em silício ( ), com a emissão de um pósitron ( ) e seu respectivo neutrino ( ), em uma reação do tipo: com a vida média tendo o seguinte valor: T = 3,25 min.

É oportuno destacar que, antes dessa sensacional descoberta, o casal Joliot-Curie esteve perto de realizar duas outras notáveis descobertas. Vejamos como. Em 1932 (Comptes Rendus de l´Academie de Sciences de Paris 194, pgs. 273; 708; 876), esse casal bombardeou um alvo de berílio (Be) com partículas , observando uma “radiação penetrante” capaz de arrancar prótons (p) do absorvente de parafina que esse casal havia usado. Aliás, esse tipo de “radiação penetrante” já havia sido observado pelos físicos alemães Walther Bothe (1891-1957; PNF, 1954) e Herbert Becker (1887-1955), em 1930 (Zeitschrift für Physik 66, p. 289; Naturwissenschaften 18, p. 705), ao bombardearem os elementos químicos leves [lítio (Li), Be, boro (B) etc.] com partículas emitidas pelo polônio (Po), descoberto pelo casal Curie, em 1898. Esse tipo de “radiação” foi então interpretada como radiação gama ( ). Contudo, o casal Joliot-Curie interpretou-a como sendo um novo tipo de radiação, diferente da . Ao apresentarem essa interpretação, admitiram que essa “nova radiação penetrante” havia sofrido um espalhamento Compton com o próton da parafina e, com isso, o casal calculou sua energia como sendo de 55 Mev. Porém, nessa época, não havia evidência experimental para uma energia tão alta, uma vez que o máximo de energia então observada experimentalmente era da ordem de 10,6 Mev.

É oportuno registrar que essa possível “nova radiação” da Natureza foi interpretada corretamente pelo físico inglês Sir James Chadwick (1891-1974; PNF, 1935), ainda em 1932 (Proceedings of the Royal Society of London A136, pgs. 696; 735 e Nature 129, p. 312), ao realizar uma experiência na qual estudou a colisão de partículas com um alvo de boro ( ), colisão essa que produziu o nitrogênio ( ) e mais uma “radiação penetrante”, conforme acontecera nos casos vistos acima. No entanto, Chadwick interpretou essa “radiação” como sendo uma partícula neutra (conforme já havia sugerido, em 1931, em um trabalho que escreveu com H. C. Webster), a qual chamou de nêutron ( ), conforme indica a seguinte reação nuclear: , partícula essa cuja massa era aproximadamente igual à do próton. Observe-se que, nessa experiência, Chadwick usou um novo tipo de detector, o chamado escala de dois-contadores (“scale of two-counter”), que havia sido inventado pelos físicos ingleses F. A. B. Ward, Charles Eryl Wynn-Williams e H. M. Cave, em 1929 (Proceedings of the Royal Society of London A125, p. 715). Segundo nos relata o físico ítalo-norte-americano Emílio Gino Segré (1905-1989; PNF, PNF, 1959) em seu livro Dos Raios-X aos Quarks (Editora UnB, 1987), quando o físico italiano Ettore Majorana (1906-1938) leu o trabalho dos Joliot-Curie, exclamou: Que tolice. Eles descobriram um próton neutro e não o reconheceram. [O leitor poderá ver uma discussão matemática sobre as interpretações do casal Joliot-Curie e de Chadwick, no seguinte livro: V. Acosta, C. L. Cowan e B. J. Graham, Curso de Física Moderna (Harla, 1975).]

A segunda quase-descoberta do casal Joliot-Curie aconteceu no ano seguinte, em 1933 (Journal de Physique 4, p. 494), quando apresentou o resultado de experiências que realizou sobre a irradiação do alumínio ( ) e do boro ( ) com partículas , nas quais esse casal pensou que havia produzido a desintegração do próton (1p1) no nêutron (0n1) e no elétron positivo ( ), que acabara de ser descoberto pelo físico norte-americano Carl David Anderson (1905-1991; PNF, 1936), em 1932 (Proceedings of the Royal Society of London A41, p. 405 e Science 76, p. 238). Com essas experiências, os Joliot-Curie haviam observado, sem perceber, o que seria no ano seguinte, em 1934, interpretado como decaimento beta ( ) inverso, em trabalhos independentes, do físico italiano Gian Carlo Wick (1909-1992) (Atti Reconditi Lincei. Accademia nationale dei Lincei 19, p. 319) e dos físicos, o germano-norte-americano Hans Bethe (1906-2005; PNF, 1967) e o inglês Rudolf Ernst Peierls (1907-1995) (Nature 133, p. 532). Em linguagem atual, as experiências dos Joliot-Curie são representadas pelas seguintes reações nucleares: 

Antes do início da Segunda Guerra Mundial (01/09/1939-08/05/1945), Frédéric Joliot-Curie observou que durante a fissão do urânio (U) [que havia sido produzida pela física sueco-austríaca Lise Meitner (1878-1968) e pelos químicos alemães Otto Hahn (1879-1968; PNQ, 1944) e Fritz Strassmann (1902-1980), em 1938, e da qual já falamos em um verbete desta série] havia produção de nêutrons e iniciou, a partir de então, uma linha de pesquisa que poderia levar a uma reação em cadeia. Segundo o químico francês Bertrand Goldschmidt (1912-2002) - que pertencia ao Laboratório de Frédéric, localizado em Clermont-Ferrand - em maio de 1939, Frédéric já havia conseguido um certo número de patentes, que o levaria a construir uma central nuclear, utilizando para isso a água pesada (D2O) e o urânio. Contudo, com a invasão da França pelo exército alemão nazista, em 10 de maio de 1940, aquele Laboratório foi evacuado e o estoque de água pesada (180 quilos) que a França havia adquirido da Noruega, foi guardado na Prisão de Riom. É oportuno esclarecer que, graças a essa providência, pôde a França construir, em 1948, seu primeiro reator nuclear, sob a direção de Frédéric.

Aliás, sobre Lise Meitner [uma amante da música, que tocava duetos para piano com o sobrinho, o físico austro-alemão Otto Robert Frisch (1904-1979) e também com Max Karl Ernst Ludwig Planck (1858-1947; PNF, 1918), um pianista dotado], há um fato curioso a registrar. Em 1907, ela ofereceu-se voluntariamente para trabalhar no laboratório de Madame Curie, uma vez que tinha uma profunda veneração por essa cientista. Foi rejeitada. Segundo ela própria teria dito posteriormente: Como Irène era a “princesa” do Laboratório, sua mãe não queria outras “mentes brilhantes”. Essa rejeição permitiu que, ainda em 1907 e por indicação de Planck, Otto Hahn a contratasse e realizassem a famosa experiência citada acima que, ela própria com a colaboração de seu sobrinho Frisch interpretaram-na, em 1939 (Nature 143, pgs. 239; 471), como uma fissão nuclear, pois acreditavam que a experiência referida podia ser explicada com a suposição de que o urânio ao receber o nêutron, se partiria em dois fragmentos (xenônio – Xe e estrôncio – Sr), obedecendo a seguinte reação nuclear (em notação atual):
É interessante registrar que o nome fissão nuclear foi sugerido a Frisch pelo bioquímico norte-americano William A. Arnold, uma vez que era um termo utilizado na divisão celular de uma bactéria. Aliás, a idéia de fissão já havia sido pensada pela química alemã Ida Eva Tacke Noddack (1896-1979), em 1934 (Angewandte Chemie 47, p. 653), ao interpretar as experiências realizadas pelo físico ítalo-norte-americano Enrico Fermi (1901-1954; PNF, 1938) e seu grupo na Universidade de Roma (vide verbete nesta série), em maio de 1934, como sendo devidas a uma “fissão”. No entanto, ela nunca se preocupou em realizar uma experiência para confirmar essa sua conjectura. Registre-se, também, que a primeira explicação teórica sobre a “fissão nuclear” foi formulada, em 1939, em trabalhos independentes realizados pelos físicos, o dinamarquês Niels Henrik David Bohr (1885-1962; PNF, 1922) e o norte-americano John Archibald Wheeler (n.1911) (Physical Review 56, pgs. 426; 1056), e o russo Yakov Ilyich Frenkel (1894-1954) (Journal de Physique – URSS 1, p. 125) , usando o modelo da “gota líquida” que havia sido formulada por Bohr, em 1936 (Naturwissenschaften 24, p. 241 e Nature 137, p. 344). Segundo esse modelo, as reações nucleares envolvendo a colisão de partículas leves (p.e.: prótons e nêutrons) com o núcleo que, junto com a partícula incidente, formava um núcleo composto (“gota líquida”) com uma certa “energia de excitação” e que tem uma determinada vida-média antes de cindir-se (“fissionar-se”).

Voltemos ao casal Joliot-Curie. Muito embora a invasão alemã tenha feito com que alguns membros da equipe de Frédéric saíssem da França, os Joliot-Curie permaneceram em seu país natal, ajudando a organizar a Resistência Francesa contra o nazismo Hitleriano. Quando o filho de Planck e o genro de Langevin, o físico francês Jacques Solomon (1908-1942), foram assassinados pelos nazistas, o casal Joliot-Curie tornou-se convictamente comunista. Por essa razão, Irène teve, em 1954, rejeitada sua proposta de admissão à Sociedade Norte-Americana de Química. Antes, em 1950, devido às suas atividades políticas esquerdistas, Frédéric foi destituído do cargo que ocupava no Alto Comissariado para a Energia Atômica da França, por afirmar, publicamente, que a energia atômica nunca deveria ser empregada para qualquer tipo de Guerra. Seu substituto foi seu amigo Jean-Baptiste Perrin.

Por fim, ao concluir esse verbete sobre a saga da Família Curie, devemos relacionar mais um nome Curie famoso. Trata-se da jornalista Eve Curie Labouisse que escreveu o famoso livro intitulado Madame Curie (Gallimard, 1937), no qual contou a saga de sua mãe, a célebre Madame Curie e que, a partir dele, muitos outros livros foram escritos sobre essa genial cientista, alguns deles relacionados neste verbete. É oportuno dizer que, embora o nome Curie não tenha permanecido no cenário atual da ciência, ficou, no entanto, o nome Joliot, por intermédio da neta da Madame Curie, a física francesa Hélène Langevin-Joliot (n.1927), casada com o filho de André Langevin.

Não poderíamos finalizar este verbete sem fazer referência ao fato de que o nome Curie está perpetuado no elemento químico radioativo denominado cúrio (“curium”) (96Cm247,10), sintetizado em 1944, pelos químicos norte-americanos Glenn Theodore Seaborg (1912-1999; PNQ, 1951), Ralph A. James e Albert Ghiorso, na Universidade da Califórnia, em Berkeley, quando trabalhavam para o Projeto Manhattan. Eles irradiaram uma amostra de plutônio (94Pu244,10) (que havia sido sintetizado por Seaborg e sua equipe nessa mesma Universidade, em 1940) com partículas de 32 MeV de energia cinética. Em 1946, Seaborg batizou esse novo elemento químico de cúrio para homenagear o Casal Curie. [Agradeço ao amigo, o físico brasileiro Roberto Aureliano Salmeron (n.1922), pela ajuda no preparo deste verbete.] 
José Maria Bassalo    

A EDUCADORA MARIE CURIE

DISPONÍVEL: http://cienciahoje.uol.com.br/alo-professor/intervalo/2014/07/a-educadora-marie-curie
ACESSO: 01/09/2014

Menos conhecida do público, a atuação no ensino de ciências da única mulher a ganhar dois prêmios Nobel merece ser lembrada. O destaque vai para a ênfase dada por ela à experimentação e para a cooperativa que criou para despertar vocações.
Por: Vera Rita da Costa
Publicado em 10/07/2014 | Atualizado em 10/07/2014
A educadora Marie Curie
Uma das personalidades mais conhecidas e admiradas em todo o mundo, Marie Curie dedicou-se e deu especial valor ao ensino de ciências. (foto: Smithsonian Institution Archives)
 
Há 80 anos, mais precisamente em 4 de julho de 1934, morria Madame Curie – uma das personalidades mais conhecidas e admiradas na história da ciência. Pouco se conhece e se divulga, no entanto, a ligação que tinha a cientista com a educação em ciência e, principalmente, o valor que dava a ela.
Maria Salomee Sklodowska, mais tarde Marie Curie, nasceu em 1867 em Varsóvia, Polônia, em um ambiente familiar rico em cultura e educação. Marie era filha de professores conhecidos em Varsóvia. Sua mãe, Bronsilawa Boguska, era professora primária e dava aulas de piano e canto, mas morreu jovem, quando Marie Curie tinha apenas 10 anos. Seu pai, Władysław Skłodowski (1832-1902), era um admirado professor secundário de física e matemática, influente politicamente entre os estudantes, em um período de resistência à dominação russa sobre a Polônia.
 
O pai foi a principal influência de Marie Curie e o desencadeador de sua paixão pela ciência. Conta-se que, embora tenha sido sempre excelente aluna e primeira colocada em todas as matérias, o contato mais íntimo de Marie com a ciência, em especial com a ciência experimental – em que se mostrou tão competente no futuro –, se deu em casa e por um golpe negativo do destino.
Proibido de ensinar ciência experimental pelas autoridades russas (a Polônia na segunda metade do século 19 estava sob domínio russo), Władysław Skłodowski transferiu os instrumentos de seu laboratório de ensino de física para casa, onde passou a enriquecer a cultura da filha também nesse aspecto, estimulando-a ainda jovem na atitude científica essencial: buscar conhecimento por meio da experimentação.
Outro aspecto interessante e pouco apresentado da biografia de Marie Curie, que diz respeito diretamente à educação, é o fato de ela, desde muito cedo, ter se dedicado ao ensino.
Em 1885, aos 18 anos – muito antes, portanto, de suas conquistas acadêmicas –, Marie Curie driblou as dificuldades financeiras vividas pela família, tornando-se professora particular (preceptora) de filhos de famílias ricas na Polônia.
 
Nessa oportunidade, arriscou-se politicamente, ao manter uma sala de aula improvisada e ensinar a língua e a cultura polonesas, proibidas pelas autoridades russas, a crianças e jovens camponeses. Também se envolveu, juntamente com sua irmã Bronislawa Sklodowska (1865-1939), com a ‘Universidade Volante’, uma escola noturna informal e ilegal criada para estudantes poloneses, principalmente mulheres, impedidos de seguir cursos regulares por restrições das autoridades russas.
Aliás, foi também por conta da proibição de as mulheres frequentarem universidades que Marie Curie mudou-se para a França, para satisfazer seu desejo de se aprofundar nos estudos.
Mais tarde, já aos 33 anos e enfronhada na pesquisa científica, Marie Curie tornou-se novamente professora, dessa vez na Escola Secundária de Sévres, onde era comum professores oriundos da Universidade de Sorbonne e do Collége de France darem aulas, embora fosse raríssimo encontrar docentes mulheres.
Marie Curie foi a primeira mulher a participar do corpo docente da Sorbonne e, segundo consta dos relatos de suas ex-alunas, inovou no ensino de física ao ampliar o tempo de suas aulas, produzir seu próprio material de ensino, levar suas alunas para conhecer laboratórios de pesquisa, inclusive aquele onde ela trabalhava com o primeiro marido, o físico Pierre Curie (1859-1906), e pôr as meninas em contato direto com equipamentos e experimentos – atividade antes restrita aos rapazes.

Despertar vocações
Mas de todas as experiências pedagógicas de Marie Curie, há uma que, embora não seja com frequência mencionada em suas biografias, deveria ser mais destacada e enaltecida. Trata-se da cooperativa de ensino, criada por iniciativa dela e de um grupo de amigos e destinada a aprofundar os conhecimentos culturais e ensinar ciência, sob uma perspectiva experimental, aos próprios filhos.
A ideia, como foi mais tarde relatada pela própria filha de Marie, Irene Joliot-Curie (1897-1956), era despertar vocações científicas, mas fazê-lo fugindo da, já tradicional na época, apresentação teórica da ciência.
Na Cooperativa, como era chamada a escola informal por alunos e professores, as próprias crianças realizavam as experiências, orientadas e estimuladas pelos professores – e os professores, nesse caso, não poderiam ser melhores. Entre eles estavam, além de Marie e Pierre Curie, os físicos Jean Baptiste Perrin (1870-1942) e Paul Langevin (1872-1946).
Também participaram da iniciativa, como professores de francês, literatura ou história, Marie Henriette Mouton, Henriette Perrin e Alice Chavannes, além do escultor Jean Magrou (1869-1936), que se encarregava das aulas de desenho e modelagem.
Alunas de Marie Curie
Tirada aproximadamente entre 1910 e 1915, a foto mostra Marie com quatro de suas estudantes. Ela foi a primeira mulher a dar aulas de física na Universidade de Sorbonne, na França. (foto: Library of Congress)

 
A biografia de Marie Curie é fascinante e deveria ser ainda mais conhecida em seus muitos e variados aspectos por todo aquele que é professor ou interessado em ciência
A parte árdua, romântica e dramática da história – aquela que envolve a descoberta do elemento rádio, o casamento e a colaboração científica com Pierre Curie, assim como a sua morte trágica – pode ser conhecida no clássico filme hollywoodiano Madame Curie. A produção é de 1943, baseou-se na biografia escrita por sua filha Ève Curie (1904-2007) e tem como atores principais Greer Garson (Marie) e Walter Pidgeon (Pierre). Dirigida por Paul Osborn e Paul Rameau, contou também com o auxílio do escritor Aldous Huxley (1894-1963), o que certamente contribuiu para a veracidade e qualidade do filme.
Mas se o interesse pela obra de Marie Curie for pedagógico ou didático, há outra dica interessante. Vale, nesse caso, ler Aulas de Marie Curie, coletânea das aulas de física dadas por Marie às crianças da Cooperativa, anotadas e comentadas, em 1907, por Isabelle Chavannes, uma das alunas na oportunidade.
As aulas de Madame Curie abordam questões essenciais da física. Nelas, por exemplo, as crianças são instigadas a distinguir o vácuo do ar; a descobrir que o ar pesa sobre os ombros; a compreender como a água chega à torneira ou, ainda, a descobrir como fazer flutuar os barcos.
Isabelle Chavannes tinha apenas 13 anos quando participou da Cooperativa. Era uma das crianças mais velhas da turma e tornou-se mais tarde engenheira química do grupo industrial francês Ugine Kuhlmann. Graças a suas detalhadas anotações, podemos hoje perceber qual o método usado por Marie Curie para despertar a curiosidade e fazer as crianças estudarem.
Da leitura das anotações de Isabelle, depreende-se que, de modo geral, nada era oferecido por Madame Curie às crianças ‘de bandeja’. O que de fato ela fazia era relativamente simples: instigava, encorajava e orientava as crianças a pensar e a experimentar.
Leia tambémA educadora Marie Curie: uma perspectiva diferenciada dessa cientista, de Ingrid Nunes Derossi e Ivoni Freitas-Reis. XVI Encontro Nacional de Ensino de Química (XVI ENEQ) e X Encontro de Educação Química da Bahia (X EDUQUI) Salvador, BA, Brasil – 17 a 20 de julho de 2012.
A família Curie, de José Maria Bassalo. Curiosidades da Física. Seara da ciência/ UFCE.


Vera Rita da Costa


Ciência Hoje/ SP

17 ANOS APÓS A SUGESTÃO DAS DIRETRIZES CURRICULARES......o que mudou???

 
ACESSO: 01/09/2014
 

A passo de tartaruga

Diretrizes sugeridas pelos parâmetros curriculares há 17 anos apontam para um ensino de ciência exemplar. Porém, as mudanças necessárias ainda não ocorreram na nossa educação, que mantém uma abordagem excessivamente ‘conteudista’.
Por: Vera Rita da Costa
Publicado em 27/08/2014 | Atualizado em 27/08/2014
 
 

Já faz 17 anos que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) foram lançados e, cada vez que refaço essa conta, fico admirada com o quanto caminhamos lentamente em nosso país quando o objetivo é promover mudanças significativas na educação. De maneira específica no ensino de ciências, sinto-me até obrigada a mudar o termo usado antes. Pensando bem, nossa lentidão em mudar o ensino de ciências no país é de deixar qualquer um chocado ou, ainda, escandalizado.
Será que hoje acordei pessimista? Pode ser. Mas se essa é a razão da minha constatação, a causa de fundo talvez esteja na divulgação, na semana passada, de mais um índice sobre nosso ‘analfabetismo’ científico.
Você deve ter lido na publicaçã anterior da CH On-line. De crianças a adultos, incluindo quem tem nível universitário, quem é gestor público ou trabalha nas áreas de educação e saúde, praticamente ninguém escapa. Por melhor que sejam os índices alcançados, ainda estamos todos muito longe do ‘letramento’ desejável em ciências.
Curiosamente, no entanto, os parâmetros definidos para o ensino de ciências há quase 20 anos não apontavam nem de longe essa direção. Ao contrário, revelavam um futuro animador. Mesmo tendo recebido críticas e ponderações, o que foi proposto naquela oportunidade indicava uma boa direção a seguir.

Olhar para trás

Retomemos o texto original dos PCNs do ensino fundamental (1ª a 4ª séries): uma das ideias importantes que lá figuram é justamente a de explorar com os alunos as competências ou habilidades que lhes permitam “compreender o mundo e atuar como indivíduo e como cidadão, utilizando conhecimentos de natureza científica e tecnológica”. Alfabetização ou letramento científico, pura e simplesmente.
Também se sugere, como forma de romper com a fragmentação excessiva do ensino, o trabalho por blocos temáticos e a ênfase em conceitos-chave ou estruturantes do pensamento em ciência.
A ideia era favorecer a integração entre as diversas disciplinas, em substituição à abordagem tradicional, compartimentalizada, das diferentes áreas que compõem as ciências naturais
A ideia era favorecer a integração entre as diversas disciplinas, em substituição à abordagem tradicional, compartimentalizada, das diferentes áreas que compõem as ciências naturais e reintroduzir nas salas de aula o conteúdo de importantes disciplinas, como a física, a astronomia, as geociências e a química, havia muito esquecidas nas séries iniciais.
O foco, no entanto, não deveria estar na mera transmissão de informações, mas no trabalho em torno daqueles conceitos realmente importantes, presentes nas diferentes ciências, e que se revelam, portanto, como integradores nos diversos campos do conhecimento.
Ou seja, mais do que informações isoladas e descontextualizadas, a ideia expressa nos PCNs para o ensino de ciências nas primeiras séries do ensino fundamental – e que se mantém ainda atual – estava centrada na abordagem de conceitos (como energia, matéria, espaço, tempo, transformação, sistema, equilíbrio, variação, ciclo, fluxo, relação e interação) que permeiam e dão sentido às mais importantes ideias e teorias científicas – e que, por isso mesmo, tornam-se fundamentais para a sua compreensão adequada.
Há nos PCNs, ainda, uma terceira orientação importante a destacar, mas que também espera por ser efetivada em nosso ensino de ciências: a incorporação de atitudes e valores como conteúdo a ser desenvolvido e, de fato, valorizado nessa faixa do ensino.
Em outras palavras, está lá também a importante noção de que, tanto quanto desenvolver conteúdos conceituais e habilidades cognitivas e procedimentais, é fundamental desenvolver posturas e valores e promover o aprendizado de atitudes características da ciência.
Nunca antes essa dimensão da aprendizagem havia sido destacada de forma tão explícita em nossas propostas curriculares oficiais e, no entanto, essa parece ser a dimensão menos abordada em nosso ensino de ciências.

Valores da ciência

Pensemos por um instante. Quais são os valores e atitudes típicos da ciência que deveriam ser cultivados entre nossos alunos? Quais os valores, atitudes e posturas que deveriam constar como prioridade em nossos planejamentos e em nossas avaliações do processo de ensino e aprendizagem em ciências?
Faça essas perguntas a algum colega professor de ciências (ou a si mesmo) e perceberá: a resposta não se encontra na ponta da língua, como deveria, pois esse não é um assunto que se debata com frequência entre nós.
Nosso foco de atenção costuma recair nos temas ou conceitos a serem abordados ou, ainda, nas informações a serem transmitidas
Não que não estejamos preocupados com o que ensinar. É que nosso foco de atenção costuma recair nos temas ou conceitos a serem abordados ou, ainda, nas informações a serem transmitidas. Generalizando, somos, como se diz por aí, ‘conteudistas’. Não incorporamos o desenvolvimento das habilidades e, menos ainda, o de valores e atitudes entre nossas preocupações pedagógicas.
No entanto, valores e atitudes são o centro ou a característica principal dessa atividade que se chama ciência.
O matemático, historiador e divulgador da ciência Jacob Bronowski (1908-1974) escreveu um livro sobre esse tema, Ciência e valores humanos (Itatiaia/Edusp, 1979), no qual defende a ideia de que a ciência não apenas se baseia em valores, mas ajuda a criá-los e a moldá-los.
vidros laboratório
Entre os parâmetros curriculares, destacam-se valores da ciência que devem ser apresentados: curiosidade, atitude proativa, organização, sistematização, rigor, precisão, reflexão e crítica. (foto: Jean Scheijen/ Freeimages)
Para Bronowski, independência, originalidade, discordância, liberdade e tolerância estão entre esses valores que derivam do processo de busca da verdade que caracteriza a ciência e que nos têm sido ensinados por ela desde o Renascimento. A ciência – diz ele – humanizou nosso modo de ser, nossos valores e ensinou-nos, basicamente, o livre pensar, o livre agir e o livre opinar.
É para se pensar, portanto, se não seria esse o objetivo principal do ensino de ciências.
Mas, talvez, nem precisemos ir tão além. Voltemos aos PCNs. Neles, também se destacam os valores da ciência. A curiosidade está entre eles. Também se encontram a atitude proativa ou a disposição para fazer e conhecer; a organização e sistematização; o rigor e a precisão; a reflexão e a crítica; a atitude cooperativa; o respeito à diversidade de opiniões ou às provas obtidas por meio da investigação e a persistência e o empenho na busca e compreensão das informações e mesmo na consecução de uma tarefa.

Atrasados nas mudanças

Considerando, portanto, a inquietude inicial que motivou esse texto, pergunto: por que estamos tão atrasados nesse processo de mudança?
Somos todos, mesmo, analfabetos funcionais’ em ciência
É certo que a falta de condições estruturais (salários, infraestrutura, formação adequada, entre outras) pesa nesse fato. Mas, certamente, o atraso não se deve só a isso. Falta também pôr em prática entre nós esses mesmos valores humanos que caracterizam o fazer objetivo da ciência.
Das mais altas esferas do poder da educação em nosso país à sala de aula e à nossa relação direta com os alunos, ainda somos muito carentes de atitude proativa; organização; sistematização; rigor; precisão; reflexão; crítica; atitude cooperativa; respeito à diversidade de opiniões; persistência e empenho – os valores principais da ciência.
Nesse sentido, não há mesmo o que duvidar dos resultados em mais essa pesquisa divulgada: somos todos, mesmo, ‘analfabetos funcionais’ em ciência. Nossos rudimentares conhecimentos científicos, sobretudo em termos dos valores e atitudes que caracterizam a ciência, não têm nos permitido ser eficazes e avançar a passos largos e em termos práticos.

Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP