O
segundo capítulo intitulado ''Ácido Ascórbico'',
explica o que foi a Era dos
Descobrimentos. Traz o relato de que foi movida pelo comércio das
especiarias e quase encerrada pela falta de uma molécula capaz de aniquilar com
a doença da navegação. No referido capítulo, conta-se que mais de 90% da
tripulação do navegador português Fernão de Magalhães não sobreviveram à sua
circunavegação de 1519-1522, por causa de uma doença devastadora
causada pela deficiência de ácido ascórbico (vitamina C), conhecida como ESCORBUTO.
Exaustão e fraqueza, inchaço dos braços e pernas, amolecimento das
gengivas, equimoses, hemorragias nasais e bucais, hálito fétido, diarreia, dores
musculares, perda dos dentes, afecções do pulmão e do fígado são alguns dos sintomas do escorbuto.
O nome oficial da vitamina C é ácido L-ascórbico, ou simplesmente ácido ascórbico. Esse nome transmite os papeis químicos e
biológicos do composto. O aspecto químico está associado ao fato de a
substância apresentar caráter ácido, pois contém em sua estrutura um grupo
hidróxi-fenólico. O grupo fenólico ligado ao terceiro carbono da cadeia sofre
ionização em solução aquosa, como mostrado abaixo, liberando o íon hidroxônio
(H3O+), que é característico do comportamento ácido:
Já a palavra “ascórbico” vem da sua propriedade biológica
de combater a doença chamada escorbuto. A denominação “L” advém do fato de que
o ácido ascórbico possui um centro assimétrico no carbono 5, conferindo
atividade óptica a molécula. É esse isômero L (levogiro) que apresenta
atividade antiescorbútica e que tem uma rotação específica em água de 24°.
O ser humano e outros animais, como o macaco, alguns pássaros
e peixes, não conseguem sintetizar a vitamina C. A deficiência dessa vitamina
no organismo leva à síntese defeituosa do tecido colagenoso e ao ESCORBUTO.
O aparecimento dessa doença nos navios ocorria com elevada
frequência devido ao fato de que, durante o inverno, a falta de frutas e
verduras frescas ricas em vitamina eram comuns a bordo dos navios e nas
comunidades nórdicas. Entre os séculos XIV e XV, com o desenvolvimento de jogos
de velas mais eficientes e de navios bem equipados tornaram-se possíveis as
viagens mais longas, e com isso o escorbuto passou a ser comum no mar.
Durante as viagens de longa distância em alto mar, o
número dos tripulantes aumentou e, portanto, o número de mantimentos era maior.
Esses fatos favoreciam a uma condição de vida precária para a tripulação. Dessa
forma, notou-se a dependência de alimentos em conserva, e, por conseguinte
aumentou o número de doenças infecciosas, pois a comida habitual dos marinheiros
não favorecia em nada à saúde naquela época. Muito em razão de que era
extremamente difícil armazenar e conservar os alimentos secos e livre de bolor
nos navios de madeira.
Relatos sobre as viagens nas embarcações a vela
descrevem como o mofo crescia nas roupas pessoais e de cama, nas botas, cintos
de couro e nos livros, devido à extrema umidade e pouca ventilação do ambiente.
A comida comumente usada pelos marinheiros era carne
de vaca ou de porco salgada e uma espécie de bolacha feita de água, farinha e
sem sal, assada até ficar dura como pedra, usada como substituto do pão. Essas
bolachas tinham características valiosas que eram relativamente imunes ao mofo.
Seu grau de dureza era tão alto que elas se mantinham consumíveis por décadas.
Por outro lado, era extremamente difícil mordê-las, principalmente aqueles que
tinham inflamações nas gengivas devido ao início do escorbuto.
Um fator importante que precisa ser enfatizado é que
os marinheiros tinham temor ao fogo, por isso sentiam a necessidade de uma
constante diligência para evitar os incêndios no mar. Por essa razão, o único
fogo permitido a bordo era o da cozinha, e mesmo assim só quando o tempo estava
relativamente bom. Ao primeiro sinal de mau tempo, o fogo da cozinha era
apagado e assim permanecido até a tempestade passar. Muitas vezes não se podia
cozinhar durante vários dias seguidos. Com isso, não era possível dessalgar
devidamente a carne, fervendo-a em água pelo número de horas necessário; os
marinheiros ficavam também impedidos de tornar as bolachas de bordo pelo menos
um pouco mais palatáveis mergulhando-as num ensopado ou num caldo quente.
Os alimentos que embarcavam em mantimentos nas
viagens se estragavam rapidamente, e como nenhum desses alimentos continha
vitamina C, os sinais de escorbuto frequentemente apareciam em apenas seis
semanas depois que o navio deixava o porto.
Nesse caso, estima-se que o escorbuto tenha causado
mais mortes no mar do que todas as outras causas em centenas de anos, por mais
que já existissem remédios para o escorbuto nessa época, em geral eram
desconsiderados.
Outros
países do sudeste da Ásia que tinham contato com as embarcações mercantes dos
chineses tiveram sem dúvida acesso à ideia de que frutas e hortaliças frescas
podiam aliviar os sintomas do escorbuto. Possivelmente essa ideia
deve ter sido transmitida aos holandeses e retransmitida por estes aos demais
povos europeus, pois se sabe que, em 1601, a primeira frota da Companhia
Inglesa das Índias Orientais colheu laranjas e limões em Madagascar em seu
caminho para o Oriente.
Essa pequena esquadra de quatro navios estava sob o comando do
Capitão James Lancaster, que levou consigo no Dragon (nome do navio), a nau
capitânia, suco de limão engarrafado. Todos os homens que apresentavam sintomas
de escorbuto recebiam três colheres de chá de suco de limão a cada manhã. Na
chegada ao cabo da Boa Esperança, não havia ninguém a bordo do Dragon acometido
pela doença, mas nos outros três navios ela fizera uma devastação
significativa. Assim, apesar do exemplo de Lancaster, quase um quarto do total
de marinheiros que participou dessa expedição morreu de escorbuto e nenhuma
dessas mortes ocorreu em sua nau capitânia. Percebeu-se então que o suco de
limão teria sido um remédio de eficácia imediata. Com isso, relatos de
tratamentos bem-sucedidos chegaram mesmo a ser publicados. Em 1617, na obra The
Surgeon’s Mate, John Woodall relatou a prescrição de suco de limão tanto
para o tratamento quanto para a prevenção do escorbuto. Oitenta anos depois, o
dr. William Cockburn recomendou frutas e verduras frescas em seu livro Sea
Diseases, or the Treatise of their Nature. Outros remédios sugeridos, como
vinagre, salmoura, canela e soro de leite, eram absolutamente ineficazes e é
possível que tenham obscurecido a ação correta.
No entanto, como mencionado anteriormente, era difícil conservar
alimentos, frutas cítricas ou sucos frescos por semanas durante a viagem.
Embora tenham feito tentativas de concentrar e preservar o suco de limão, esses
procedimentos demandavam muito tempo, eram caros e talvez não fossem
eficientes, pois hoje sabemos que a vitamina C é rapidamente destruída pelo
calor e pela luz, e que sua quantidade em frutas e verduras é reduzida quando
estas ficam armazenadas por muito tempo.
James Cook, da Real Marinha Britânica, foi o primeiro capitão de
navio a assegurar que suas tripulações ficassem livres do escorbuto. Por vezes
o associam à descoberta de antiescorbúticos, como são chamados os alimentos que
curam o escorbuto, mas na verdade seu feito residiu em insistir na manutenção
de níveis elevados de dieta e higiene a bordo de todas as suas embarcações. O resultado
de seus padrões meticulosos foi um nível de saúde extraordinariamente bom e
baixa taxa de mortalidade em suas tripulações.
Uma tripulação saudável, eficiente, foi essencial para as
realizações de Cook em suas viagens. Esse fato foi reconhecido pela Roy al Society
quando ela lhe conferiu sua mais elevada honraria, a medalha de ouro Copley. Não
por suas proezas como navegador, mas por ter demonstrado que o escorbuto não
era um companheiro inevitável nas viagens oceânicas de longo curso.
Os métodos que Cook usavam eram simples. Ele fazia questão de que
todo o navio fosse mantido limpo, em especial os desvãos apertados onde se
alojavam os marinheiros. Todos eles eram obrigados a lavar suas vestes
regularmente, arejar e secar sua roupa de cama quando o tempo permitia e sempre
que havia oportunidade, o capitão aterrava para se reabastecer e colher ervas
locais (valisnéria, cocleária) ou
plantas com que se podiam fazer chá de ervas.
Esperamos que vocês
tenham gostado do resumo do segundo capítulo do livro OS BOTÕES DE NAPOLEÃO: As
17 moléculas que mudaram a história.
BOA LEITURA, e se
possível, FIQUEM EM CASA!!!