terça-feira, 19 de agosto de 2014

RESENHA: Politicas Educacionais e Gestão Pedagógica/Vera Maria Vidal Peroni / Universidade Federal do Rio Grande do Sul


Politicas Educacionais e Gestão Pedagógica

Edneide Maria Ferreira da Silva

 

Texto:

Políticas públicas e gestão da educação

em tempos de redefinição do papel do Estado

Autora:

Vera Maria Vidal Peroni / Universidade Federal do Rio Grande do Sul


                O artigo tem como foco principal as políticas educacionais, sendo vistas em um dado momento do capitalismo, em que está ocorrendo redefinições no papel do Estado e onde os direitos à educação foram conquistados, mas há dificuldade para implementá-los.

Segundo, Evaldo Vieira (1997) em nosso país as políticas sociais, percorreram três momentos políticos no último século: “o primeiro período de controle da política (que corresponde à ditadura de Getúlio Vargas e ao populismo nacionalista); o segundo período de política do controle (da ditadura militar em 1964 até o final do período constituinte em 1988)” e o terceiro período, denominado, pelo autor, de “política social sem direitos sociais”, iniciou-se em 1988 e está em plena vigência. A política social que, por um lado, nunca havia recebido tanto acolhimento por parte de uma constituição no Brasil, como ocorreu na de 1988, por outro, simplesmente não viu esses direitos praticados e nem mesmo regulamentados (quando exigiam regulamentação). Ao entender que a política educacional é parte da redefinição do papel do Estado, não a entendemos com uma relação de determinação, mas como partes de um mesmo movimento deste período particular do capitalismo. Portanto, a primeira parte do texto trata das mudanças que ocorreram no contexto macro-social, ressaltando principalmente as influências da Teoria Neoliberal e da Terceira Via para a redefinição do papel do Estado no Brasil.

A segunda parte discute a atual função social da educação e a política educacional que, apesar de ter como objetivo o acesso de todos na escola, tenta induzir a qualidade através da avaliação institucional, ao invés de construir políticas educacionais que proporcionem a qualidade. Essa qualidade muitas vezes entendida como a lógica de mercado no público, impactando principalmente a gestão educacional. E o sistema público, impelido principalmente pelas avaliações, a buscar um padrão externo de qualidade, acaba procurando a parceria com instituições privadas, como é o caso do Instituto Ayrton Senna.

No Brasil, a atual política social é parte do projeto de reforma do Estado que tem, como diagnóstico aquele proposto pelo neoliberalismo, e partilhado pela Terceira Via, de que não é o capitalismo que está em crise, mas o Estado. A estratégia, portanto, é reformar o Estado e diminuir sua atuação para superar a crise. O mercado é que deverá superar as falhas do Estado, e assim a lógica do mercado deve prevalecer inclusive no Estado, para que ele possa ser mais eficiente e produtivo. O Terceiro Setor é a estratégia proposta pela Terceira Via, em substituição à proposta de privatização do Neoliberalismo. Com base em autores como Mészàros (2002), Antunes (1999) e Harvey (1989), há quem defenda a tese contrária de que a crise atual não se encontra no Estado, é uma crise estrutural do capital. As estratégias de superação da crise como o Neoliberalismo, a Globalização, a Reestruturação Produtiva e a Terceira Via é que estão redefinindo o papel do Estado.

Dessa forma, tendo como diagnóstico que a crise está no Estado, o governo Fernando Henrique Cardoso propôs em 1995 o Projeto de Reforma do Estado apresentado pelo MARE (Ministério da Administração e Reforma do Estado). De acordo com o documento, a

reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento (BRASIL, MARE,1995, p. 12).

O documento aponta, ainda, que o Estado gerou distorções e ineficiências ao tentar assumir funções diretas de execução, e, nesse sentido, “reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado” (BRASIL, MARE, 1995, p.11). Portanto, o que aparentemente seria uma proposta de Estado mínimo, configura-se como realidade de Estado mínimo para as políticas sociais e de Estado máximo para o capital. (Peroni, 2003).

As estratégias de reforma do Estado no Brasil são: a privatização, a publicização e a terceirização. Terceirização, conforme Bresser Pereira, é o processo de transferência para o setor privado dos serviços auxiliares ou de apoio. A publicização consiste “na transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos que hoje o Estado presta” (PEREIRA, 1997, p. 7). Publicização, no Plano, significa “transformar uma organização estatal em uma organização de direito privado, pública, não-estatal” (PEREIRA, 1997, p. 8). As políticas sociais foram consideradas serviços não-exclusivos do Estado e, assim sendo, de propriedade pública não-estatal ou privada.

O papel do Estado para com as políticas sociais é alterado, pois com este diagnóstico duas são as prescrições: racionalizar recursos e esvaziar o poder das instituições, já que instituições democráticas são permeáveis às pressões e demandas da população, além de serem consideradas como improdutivas, pela lógica de mercado. Assim, a responsabilidade pela execução das políticas sociais deve ser repassada para a sociedade: para os neoliberais através da privatização (mercado), e para a Terceira Via pelo público não-estatal (sem fins lucrativos) (PERONI, 2006, p. 14).

Destaca-se, portanto, que o Plano de Reforma do Estado no Brasil teve influências do neoliberalismo, tanto no diagnóstico, de que a crise está no Estado, quanto na estratégia de privatização que é parte do Plano, mas também sofreu influências da Terceira Via, que é atual social-democracia e tanto o Presidente da época, quanto o Ministro da Reforma do Estado, Bresser Pereira, além de filiados ao Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), eram intelectuais orgânicos da Terceira Via.

Neste redesenho, verificamos que o Estado se retira da execução e permanece com parte do financiamento (propriedade pública não-estatal), mas também, o que permanece sob a propriedade do Estado passa a ter a lógica de mercado na gestão (quase-mercado).(PERONI, 2007, p.16 )

Apesar do governo eleito em 2002 e reeleito em 2006 não ter filiação com a Terceira Via, como o anterior, não revogou o Plano Diretor da reforma do estado e tem assumido tanto as estratégias de público não estatal quanto do quase mercado.

Wood destaca que o conceito de democracia em uma sociedade sob a hegemonia do capitalismo não pode ser visto em abstrato, pois afinal: “É o capitalismo que torna possível uma forma de democracia em que a igualdade formal de direitos políticos tem efeito mínimo sobre as desigualdades ou sobre as relações de dominação e de exploração em outras esferas” (WOOD, 2003, p. 193).

Verifica-se, mais uma vez, a separação entre o econômico e o político e o esvaziamento da democracia. A correlação de forças sociais se perde neste enorme consenso onde sociedade civil e Banco Mundial parecem ter os mesmos interesses. Resta discutir: que sociedade civil? Como se todos tivessem os mesmos interesses em uma sociedade capitalista, onde as classes não foram superadas.

No Brasil, a formação do Estado nacional liberal conviveu com o escravismo e o latifúndio, o que em si é uma contradição, já que o capitalismo tem como base o trabalho assalariado e a produtividade. Enquanto em outros países da América Latina, a população lutou pela independência, pela República, no Brasil, apesar das reivindicações sociais, as mudanças ocorreram através de pactos pelo alto, possibilitando aos grupos mais conservadores permanecerem no poder.

O Estado nacional independente foi liberal apenas nas suas bases formais, pois, na prática, foi instrumento da dominação patrimonialista em nível político. Essa dificuldade de o Estado romper com o passado determinou o que Florestan Fernandes chamou de “Estado-amálgama”: “Por ser um amálgama, ele preencheu as funções mutuamente exclusivas e inconsistentes a que devia fazer face, entendendo a organização política e a ordem legal através e além do vazio histórico deixado pela economia colonial, pelo mandonismo e pela anomia social” (FERNANDES, 1976, p. 68).

Outra característica marcante da constituição do Estado brasileiro foi que as relações sociais de exploração, historicamente, deram-se via coerção violenta, mas também via “ideologia do favor” de forma dissimulada e manipuladora.

Essas marcas da história são parte constitutiva das relações políticas que ainda hoje se estabelecem no Brasil. Essa questão é fundamental ao analisar a política social como um direito em contraposição à ideologia do favor arraigados na nossa cultura política.

Os anos 1980 foram marcados por um processo de abertura política depois de um longo período de ditadura. Foi um momento de grande participação popular e de organização da sociedade na luta pelos seus direitos. Nesse contexto, os eixos principais dos movimentos sociais estavam vinculados à democracia, à gestão democrática do Estado, participação da comunidade, enfim, parte do movimento de luta por uma sociedade mais justa e igualitária e por direitos sociais.

Mas a construção da democracia encontrou enormes obstáculos. O Brasil viveu um processo de abertura pactuado com as forças da ditadura. E, quando estava avançando alguns passos na participação popular e na luta por direitos sociais, sofreu o impacto das estratégias do capital para superação de sua crise: neoliberalismo, globalização e reestruturação produtiva, que já estavam em curso no resto do mundo e vinham em sentido contrário a esse movimento.

O esvaziamento do conteúdo da democracia e a separação entre o econômico e o político são evidentes. Perdeu-se a discussão das políticas sociais como a materialização de direitos sociais.

As lutas e conquistas dos anos 1980, de direitos universais, deram lugar à naturalização do possível, isto é, se um Estado “em crise” não pode executar políticas, repassa para a sociedade civil, que vai focalizar nos mais pobres para evitar o caos social. O Estado apenas repassa parte do financiamento, e avalia. O Estado passa a ter o papel mais avaliador do que executor.

A questão passa a ser todos na escola com qualidade, mas que qualidade? Essa indagação remete ao debate acerca da função social da escola neste período particular do capitalismo, de tantas mudanças no contexto sócio político e econômico. O debate diz respeito ao acesso não apenas à vaga na escola, mas ao conhecimento. Vive-se em período de muita informação, com fácil acesso a notícias, via internet, TVs, jornais, mas para entendê-las é necessário ter acesso à linguagem específica de cada uma das áreas, aos conceitos; e ainda é preciso abstrair, relacionar, para entender e poder posicionar-se frente ao mundo.

A própria reestruturação produtiva exige um outro trabalhador, com capacidade de raciocinar, resolver problemas, trabalhar em equipe, dar respostas muito rápidas, como visto em relatórios como o SCAM 2000, que pensava como deveriam ser as escolas no ano 2000 nos EUA para dar respostas ao setor produtivo, ou o próprio relatório Delors (UNESCO). Quer dizer, a função social da escola é proposta por alguns organismos internacionais e pelo empresariado, que esperam que as escolas apenas respondam ao setor produtivo, um retorno à teoria do capital humano. Outros, como o Banco Mundial (1995), que evitem o caos social retirando as crianças das ruas. E para a sociedade, qual é a função social da escola? A resposta a esta pergunta dará pistas para responder à pergunta anterior sobre que qualidade. Sem fazer essas perguntas, acaba-se analisando separadamente as políticas educacionais atuais, como se tivessem um fim em si mesmas.

Nos itens seguintes, algumas políticas são apresentadas , relacionando-as ao contexto atual.

 

Avaliação Institucional

As políticas atuais têm a avaliação como indutora da qualidade, naquela perspectiva de que o Estado deve ser o avaliador, o coordenador e não mais o executor. Além disso, há também o conteúdo da avaliação, quer dizer, o que vai ser avaliado importa já que diz o que deverá ser ensinado, e remete à escola que se quer, e mais uma vez à função social da escola hoje.

Quanto à avaliação como indutora da qualidade, é uma total inversão ao objetivo proclamado das avaliações institucionais, que deveriam ser diagnósticas, dando elementos para a elaboração de políticas e, ao contrário, acaba por ser meritocrática, culpabilizando as escolas e mais especificamente os professores pelo sucesso ou fracasso escolar, como se o sistema público não fosse responsável pela rede de escolas e sua qualidade.

Quanto ao que vai ser avaliado, também tem uma relação direta com as redefinições do papel do Estado, já que está intimamente vinculado à reestruturação produtiva, na discussão sobre os standards ou o conteúdo da avaliação.

Outra questão importante de materialização das redefinições do papel dos Estado nas políticas de avaliação é a terceirização. Quem define o que será avaliado? Esta questão foi analisada no texto: Perspectivas da gestão democrática da Educação: avaliação institucional:

“O processo de avaliação se iniciou, em parte, por determinação dos organismos internacionais, que exigiam, nos seus projetos, a avaliação, mas também foi influenciado por discussões sobre a qualidade do sistema educacional, a democratização e a transparência na gestão; enfim, os eixos que caracterizamos como sendo inerentes aos anos 80. O próprio Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), no início, construía sua matriz com base nas discussões com os estados, procedimento que foi interrompido com a terceirização, sendo que, a partir de 1995, passaram a ser entidades de fora do Estado que definiam a avaliação institucional, sem haver consultas ou debates com os setores envolvidos no processo. Verificamos assim que, mais uma vez, nos anos 90, os atores envolvidos no debate educacional foram silenciados. (PERONI, 2006b, p. 152)

Outra importante questão, quando se discuti avaliação institucional, é: afinal, o que é feito com os resultados? Luis Carlos Freitas, no Seminário organizado pela UNESP, USP e UNICAMP, questionava: as avaliações, os indicadores que o Brasil dispõem, já são suficientes para um ótimo diagnóstico da realidade educacional; a questão é o que é feito com os resultados. Diagnosticado o problema, quais são as políticas que estão sendo propostas para resolvê-los?

Educação para TODOS

Nos debates sobre a qualidade da educação, a principal questão é pensar em uma educação de qualidade para todos, o que é muito diferente de pensar em educação de qualidade para alguns. A escola historicamente não atendeu a todos, o direito à educação requer que se pense uma escola para os que historicamente estiveram fora.

Neste sentido, pensar a escola como no passado, quando não era para todos, pouco ou nada resolve, já que a grande questão atual é como incorporar os que estiveram fora e como a escola vai ser de qualidade para todos, já que ela foi pensada para aqueles que tiveram estabilidade social, econômica e possibilidades culturais. A escola para os sujeitos em vulnerabilidade social, com todos os seus problemas, passa a ser o grande desafio. Expulsar o aluno da escola é o que historicamente foi feito; assim, a questão é como não apenas ter acesso, mas permanecer e ter acesso ao conhecimento a que tem direito. Várias experiências no Brasil e no mundo têm trazido avanços nesta perspectiva, mas, na maioria dos casos, a educação de qualidade para TODOS ainda está muito distante.

Público- privado na educação

As redefinições do papel do Estado também restabelecem as fronteiras entre o público e o privado, principalmente através do público não estatal e do quase-mercado e o esvaziamento da democracia, como direitos, materializada em políticas sociais neste contexto.

Com o público não estatal a propriedade é redefinida, deixa de ser estatal e passa a ser pública de direito privado. Verificamos dois movimentos que concretizam a passagem da execução das políticas sociais para o público não estatal: ou através do público que passa a ser de direito privado ou o estado faz parcerias com instituições do Terceiro Setor para a execução das políticas sociais.

Com o quase mercado a propriedade permanece sendo estatal, mas a lógica de mercado é que orienta o setor público. Principalmente por acreditar que o mercado é mais eficiente e produtivo do que o Estado, como é a teoria neoliberal que embasa este pensamento.

Como afirma DALE são muitas as dimensões da relação público privado:

o que está envolvido não é tanto uma deslocação direta do público para o privado, mas um conjunto muito mais complexo de mudanças nos mecanismos institucionais através dos quais são regulados o que continuam a ser essencialmente sistemas educativos estatais. (DALE, 1994, p. 112)

O repasse de dinheiro público para o privado não é algo novo, mas que tem se transformado na própria política pública, principalmente nos casos em que o governo apenas repassa recursos para as ONGs, ou instituições privadas executarem as políticas sociais. O outro movimento a destacar é o conteúdo, isto é, a lógica privada no público, como ocorre, por exemplo, no Programa Rede Vencer do Instituto Ayrton Senna, que realiza parcerias com redes públicas de ensino e entre seus projetos está um que monitora através do Sistema Instituto Ayrton Senna de Informação (SIASI) determinando, assim onde a escola deve melhorar e influenciando na gestão e currículo escolares. Neste caso, as redes públicas não recebem investimentos do Instituto, ao contrário pagam por este monitoramento. É também o caso de outros Programas do Instituto, como as Classes de Aceleração e a Alfabetização, em que os municípios pagam pelos Kits, e o pior é que têm a proposta pronta passo a passo, determinando assim o currículo da escola pública. São dois questionamentos: o Instituto vive principalmente de dinheiro das empresas que deixam de pagar impostos e entrar nos 25% da educação e, além de perderem esse dinheiro, os municípios pagam o material, e ainda envolvem toda a rede de ensino público. Professores, coordenadores pedagógicos, diretores, quadros das secretarias de educação, todos, enfim, passam a definir suas atividades em função das determinações do Instituto, tanto na área de gestão, como na pedagógica, redefinindo assim o espaço público e sua autonomia. (PERONI, 2006a)

Outro exemplo na educação, foi o Programa Dinheiro Direto na Escola que instituiu a obrigatoriedade para o recebimento dos recursos da criação de Unidades Executoras, de direito privado nas escolas públicas.

Gestão democrática

Avançando nos estudos e pesquisas sobre a necessidade de entender a gestão democrática como processo de construção, o que implicaria em mudanças culturais profundas. Muito debatem sobre entendê-la não apenas como um meio, mas também como um fim, já que a participação em si é pedagógica e estratégica, pois só se pode participar, participando. No entanto, atualmente a gestão democrática, que inclusive é princípio constitucional, está, na prática, cada vez menos sendo construída. Muitas vezes, o termo soa como algo que ficou no passado, quando, na realidade, estava ainda dando seus primeiros passos, já que a gestão educacional historicamente teve grande influência do patrimonialismo, da burocracia, e como parâmetro o mercado. Assim, o novo, a ser construído, é a gestão democrática.

Muito a sociedade lutou para garantir a gestão democrática como princípio constitucional, mas implantá-la é um longo processo que requer diálogo e participação coletiva de todos os envolvidos: pais, alunos, professores, direção colegiada, enfim, a sociedade como um todo, já que os rumos da educação transcendem a um governo, são decisões de Estado, em todas as suas instâncias – escola, conselhos de educação, secretarias municipais e estaduais, Ministério da Educação.

A autonomia da escola, a eleição de diretores, o conselho escolar, são alguns pilares que materializam a gestão democrática, mas não são suficientes para mudar a histórica cultura autoritária. É necessário políticas que ampliem as possibilidades de democratização da educação. Pesquisas demonstram que não se analisa gestão democrática em abstrato. Os indicadores têm são: o direito à educação, isto é: ampliou-se o acesso, a permanência, o conhecimento? Melhorou o financiamento da educação? A valorização do magistério? Quer dizer, para analisarmos se um sistema educacional avançou na gestão democrática e na qualidade da educação, analisamos as políticas educacionais propostas, além dos índices quantitativos.

Enfim, a gestão educacional é outra política que mudou muito com as redefinições do papel do Estado, pois dado o diagnóstico neoliberal, partilhado pela Terceira Via, de que o culpado pela crise é o Estado, e o mercado é sinônimo de eficiência, toda a gestão pública passa a ter como referência a lógica empresarial.

Quer dizer que está mais uma vez vinculada à qualidade, mas aqui no caso, uma qualidade que tem como parâmetro o mercado. Volta a questão: que qualidade? Para quem? Executada por quem? Quer dizer quem é o responsável?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante ressaltar que o eixo das políticas educativas foi se redefinindo. No período de abertura política era centrado principalmente na democratização da escola, mediante a universalização do acesso, e a gestão democrática centrada na formação do cidadão. Atualmente ocorre a mudança dessa centralidade, passando-se a enfatizar a qualidade, entendida como produtividade. O eixo é a busca de maior eficiência e eficácia via controle de qualidade, da descentralização de responsabilidades, da terceirização de serviços e da autonomia da escola.

Os anos 1980 foram marcados por um processo de abertura política depois de um longo período de ditadura. Foi um momento de grande participação popular e de organização da sociedade na luta pelos seus direitos. Nesse contexto, os eixos principais dos movimentos sociais estavam vinculados à democracia, à gestão democrática do Estado, participação da comunidade, enfim, parte do movimento de luta por uma sociedade mais justa e igualitária e por direitos sociais.

Como parte deste movimento, houve avanços na luta pelo direito à educação, entendido não apenas como acesso à escola, mas ao conhecimento e a uma maior participação nas definições educacionais. A gestão democrática passa a ser parte integrante da luta por educação de qualidade. Mas a construção da democracia encontrou enormes obstáculos. O Brasil viveu um processo de abertura pactuado com as forças da ditadura. E, quando estava avançando alguns passos na participação popular e na luta por direitos sociais, sofreu o impacto das estratégias do capital para superação de sua crise: neoliberalismo, globalização e reestruturação produtiva, que já estavam em curso no resto do mundo e vinham em sentido contrário a esse movimento.(PERONI, 2007).

As lutas e conquistas dos anos 1980, de direitos universais, deram lugar à naturalização do possível, isto é, se um Estado “em crise” não deve executar políticas sociais, repassa para a sociedade civil, que vai focalizar nos mais pobres para evitar o caos social. O Estado apenas repassa parte do financiamento, e avalia.

E, essas redefinições do papel do Estado restabelecem as fronteiras entre o público e o privado, principalmente através do público não estatal e do quase-mercado e o esvaziamento da democracia, como direitos, materializada em políticas sociais.

No Brasil, não temos um histórico democrático e de participação efetiva da sociedade na luta por direitos sociais, materializados em políticas públicas. No período de abertura política, a sociedade começou a dar os primeiros passos nesse sentido. Mas, no resto do mundo, a democracia e a participação eram questionadas como as responsáveis pela crise do Estado, já que para atender às demandas dos grupos organizados o Estado teria investido em políticas sociais, gastado demais e gerado a crise fiscal e a inflação, a democracia passa a ser combatida não mais por uma ditadura, mas no plano político e ideológico, e com a ajuda dos meios de comunicação, passa-se a relacionar a luta por direitos como atos contra a nação. Os culpados pela crise seriam os funcionários públicos e o investimento nas políticas sociais. (PERONI, 2008).

Tem ainda a influência da Terceira Via, que não vê a democracia como inimiga, mas como instrumental à retirada do Estado das políticas sociais. Apela-se para a subjetividade das pessoas através da ajuda mútua, da solidariedade, da filantropia, enquanto o dinheiro público dos impostos é deslocado para a esfera financeira.

Assim, o processo democrático dá-se como parte da correlação de forças políticas. Portanto, a questão central não pode ser sociedade civil X Estado, pois assim está se deslocando o eixo central que é a correlação de forças por projetos de sociedade, para perpetuar a sociedade do capital ou superá-la. Assim como não acreditamos em sociedade civil em abstrato, também não é possível crer que apenas ficando na esfera do Estado o interesse público esteja garantido, pelo menos não em uma sociedade hegemonizada pelo capital. Os interesses de classes perpassam sociedade civil e Estado. Portanto, urge localizar o debate em um contexto próprio onde o Estado se retira das políticas sociais e repassa para a sociedade, ocorrendo perdas de direitos.

Mais especificamente na política educacional, ao mesmo tempo em que se avança na luta por uma educação para todos, o Estado passa de executor a apenas o avaliador e indutor da qualidade através da avaliação. A gestão democrática passa a dar lugar para a gestão empresarial, já que o mercado é parâmetro de qualidade.

A grande questão atual é a função social da escola neste período particular do capitalismo de tantas mudanças. O capital sabe muito bem que escola quer, e os que querem superá-lo, devem começar a ser mais propositivos depois de décadas na defensiva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário