terça-feira, 19 de agosto de 2014

RESENHA: Políticas e Gestão da Educação Básica: limites e perspectivas/LUIZ FERNANDES DOURADO


Qual a concepção de gestão educacional apresentada no texto?

No contexto nacional, a discussão sobre a gestão da educação básica apresenta-se a partir de várias proposições, bem como concepções e cenários complexos, articulados aos sistemas de ensino. Nessa direção, é fundamental situar os eixos que permeiam a presente análise sobre gestão, no tocante à concepção, formação e financiamento da educação. A concepção de educação é entendida, no texto, como prática social, portanto, constitutiva e constituinte das relações sociais mais amplas, a partir de embates e processos em disputa que traduzem distintas concepções de homem, mundo e sociedade. Para efeito de análise, a educação é entendida como processo amplo de socialização da cultura, historicamente produzida pelo homem, e a escola, como lócus privilegiado de produção e apropriação do saber, cujas políticas, gestão e processos se organizam, coletivamente ou não, em prol dos objetivos de formação. Sendo assim, políticas educacionais efetivamente implicam o envolvimento e o comprometimento de diferentes atores, incluindo gestores e professores vinculados aos diferentes sistemas de ensino.

Dessa forma, a gestão educacional tem natureza e características próprias, ou seja, tem escopo mais amplo do que a mera aplicação dos métodos, técnicas e princípios da administração empresarial, devido à sua especificidade e aos fins a serem alcançados. Ou seja, a escola, entendida como instituição social, tem sua lógica organizativa e suas finalidades demarcadas pelos fins político-pedagógicos que extrapolam o horizonte custo-benefício stricto sensu. Isto tem impacto direto no que se entende por planejamento e desenvolvimento da educação e da escola e, nessa perspectiva, implica aprofundamento sobre a natureza das instituições educativas e suas finalidades, bem como as prioridades institucionais, os processos de participação e decisão, em âmbito nacional, nos sistemas de ensino e nas escolas.

Nessa perspectiva, a articulação e a rediscussão de diferentes ações e programas, direcionados à gestão educacional, devem ter por norte uma concepção ampla de gestão que considere a centralidade das políticas educacionais e dos projetos pedagógicos das escolas, bem como a implementação de processos de participação e decisão nessas instâncias, balizados pelo resgate do direito social à educação e à escola, pela implementação da autonomia nesses espaços sociais e, ainda, pela efetiva articulação com os projetos de gestão do MEC, das secretarias, com os projetos político-pedagógicos das escolas e com o amplo envolvimento da sociedade civil organizada.

2- Quais as características das políticas educacionais implantadas nos últimos anos no Brasil?

A constituição e a trajetória histórica das políticas educacionais no Brasil, em especial os processos de organização e gestão da educação básica nacional, têm sido marcadas hegemonicamente pela lógica da descontinuidade, por carência de planejamento de longo prazo que evidenciasse políticas de Estado em detrimento de políticas conjunturais de governo. Tal dinâmica tem favorecido ações sem a devida articulação com os sistemas de ensino, destacando-se, particularmente, gestão e organização, formação inicial e continuada, estrutura curricular, processos de participação.

Desde a redemocratização do país, houve mudanças acentuadas na educação brasileira, com destaque para a aprovação e promulgação da Constituição Federal de 1988, que garantiu uma concepção ampla de educação e sua inscrição como direito social inalienável, bem como a partilha de responsabilidade entre os entes federados e a vinculação constitucional de recursos para a educação. No âmbito das políticas educacionais, destacaram-se, sobremaneira, as modificações de ordem jurídico-institucional.

Nesse contexto, é fundamental ressaltar a busca de organicidade das políticas, sobretudo no âmbito do governo federal e de alguns governos estaduais, na década de 1990, quando, em consonância com a reforma do Estado e a busca de sua “modernização”, se implementaram novos modelos de gestão, cujo norte político-ideológico objetivava, segundo Oliveira (2000, p. 331), “(...) introjetar na esfera pública as noções de eficiência, produtividade e racionalidade inerentes à lógica capitalista”.

No campo educacional, há que se destacar, ainda, o importante papel desempenhado pelos organismos multilaterais na formulação de políticas educacionais no período. Tais constatações evidenciam limites estruturais à lógica político- pedagógica dos processos de proposição e materialização das políticas educacionais, configurando-se, desse modo, em claro indicador de gestão centralizada e de pouca eficácia pedagógica para mudanças substantivas nos sistemas de ensino, ainda que provoque alterações de rotina, ajustes e pequenas adequações no cotidiano escolar, o que pode acarretar a suspensão de ações consolidadas na prática escolar sem a efetiva incorporação de novos formatos de organização e gestão. Isto não redundou em mudança e, sim, em um cenário de hibridismo no plano das concepções e das práticas que, historicamente, no Brasil, têm resultado em realidade educacional excludente e seletiva. Vivencia-se, no país, um conjunto de ações, de modo parcial ou pouco efetivo, sob a ótica da mudança educacional, mas que, de maneira geral, contribui para desestabilizar o instituído, sem a força política de instaurar novos parâmetros orgânicos à prática educativa.

Nessa direção, houve um conjunto de políticas de reestruturação da gestão, organização e financiamento da educação básica. Segundo Cury (2002, p. 197), nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998; 1999-2002) promoveram-se diversas alterações fortemente marcadas

(...) por políticas focalizadoras, com especial atenção ao ensino fundamental, a fim de selecionar e destinar os recursos para metas e objetivos considerados urgentes e necessários. Tais políticas vieram justificadas por um sentido, por vezes satisfatório, do princípio da equidade como se este fosse substituto do da igualdade.

 

Desse quadro, é possível depreender que as políticas focalizadas propiciaram a emergência de programas e ações orientados pelo governo federal aos estados e municípios, destacando-se: a disseminação de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a implantação do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) pelo FUNDESCOLA, a criação do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e a implementação de uma política de avaliação fortemente centralizada, em detrimento de um sistema que propiciasse a colaboração recíproca entre os entes federados.

A rapidez com que se processaram as políticas para a educação básica se deu em função da centralização no âmbito federal. Segundo Cury (2002, p. 199), sem a elaboração de lei complementar que defina o que é regime de colaboração entre os entes federados, prevista no § único do artigo 23, da CF/88, o país vivencia tensões no tocante ao pacto federativo, por meio de “um regime de decisões nacionalmente centralizadas e de execuções de políticas sociais subnacionalmente desconcentradas em que se percebe uma situação de competitividade recíproca (guerra fiscal) entre os subnacionais”.

Tal cenário contribuiu, sobremaneira, para a desarticulação de experiências e projetos em andamento e para a adoção de medidas ligadas às políticas federais para a educação básica, em função da necessidade dos sistemas e escolas buscarem fontes complementares de recursos. Tal adesão, contudo, não provocou, necessariamente, a mudança da cultura institucional dos sistemas e das escolas. Em muitos casos, resultou em ajustes e arranjos funcionais dos processos em curso nesses espaços, alterando, por vezes, a lógica e a natureza das escolas e, em alguns casos, a sua concepção pedagógica, a fim de cumprir obrigações “contratuais” com o governo federal no âmbito da prestação de contas.

Essa lógica e dinâmica política é, ainda, uma realidade no cenário educacional brasileiro, na medida em que não se elaborou a lei complementar que definiria o regime de colaboração recíproca entre os entes federados, manteve-se a indução de políticas, por meio de financiamento de programas e ações priorizadas pela esfera federal, e não se adotou o Plano Nacional de Educação (PNE) como referênciabase para as políticas educacionais. Adicione-se a isso, mais recentemente, a apresentação pelo MEC de um Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que não contou, na sua elaboração, com a participação efetiva de setores organizados da sociedade brasileira, de representantes dos sistemas de ensino e de setores do próprio Ministério.

O PDE apresenta indicações de grandes e importantes ações direcionadas à educação nacional. No entanto, não está balizado por fundamentação técnico-pedagógica suficiente e carece de articulação efetiva entre os diferentes programas e ações em desenvolvimento pelo próprio MEC e as políticas propostas. Tal constatação revela a necessidade de planejamento sistemático, que, após avaliar o conjunto de ações, programas e planos em desenvolvimento, contribua para o estabelecimento de políticas que garantam organicidade entre as políticas, entre os diferentes órgãos do MEC, sistemas de ensino e escola e, ainda, a necessária mediação entre o Estado, demandas sociais e o setor produtivo, em um cenário historicamente demarcado pela fragmentação e/ou superposição de ações e programas, o que resulta na centralização das políticas de organização e gestão da educação básica no país. Trata-se de um cenário ambíguo, no qual um conjunto de programas parece avançar na direção de políticas com caráter inclusivo e democrático, enquanto, de outro lado, prevalece a ênfase gerencial, com forte viés tecnicista e produtivista, que vislumbra nos testes estandardizados a naturalização do cenário desigual em que se dá a educação brasileira.

 

3- Descreva os Programas Federais para a Educação Básica citadas pelo autor e relacione com experiências vivenciadas por você no âmbito da instituição onde trabalha.

O PDE, PDDE e o Programa Nacional de Fortalecimento de Conselhos Escolares.

O FUNDESCOLA é um dos espaços de desenvolvimento de programas do Ministério da Educação, por meio de parcerias com as secretarias estaduais e municipais de educação das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e tem por objetivo promover um conjunto de ações voltadas para as escolas do ensino fundamental.

O FUNDESCOLA, por meio de processos formativos e de apoio à gestão educacional, tem como meta a busca da eficácia, eficiência e eqüidade no ensino fundamental público, ao focalizar o ensino-aprendizagem e as práticas de gestão das escolas e secretarias de educação. As estratégias descritas no PDE enfatizam o desenvolvimento de ações para aperfeiçoar o trabalho, elevar o grau de conhecimento e o compromisso de diretores, professores e outros funcionários da escola com os resultados educacionais. Na área de gestão, o PDE é um dos programas centrais do FUNDESCOLA, dada a sua abrangência e inserção nas três regiões.

Com relação ao PDE, Freitas et al. (2004, p. 71) afirmam que este plano estrutura-se por meio de “uma nova cultura organizacional firmada sobre princípios de gestão estratégica e do controle da qualidade total, orientada pela e para a racionalização, a eficiência e a eficácia”.

Desse modo, ideologicamente, o PDE, desde a sua concepção, “busca criar o consenso em torno da idéia de que a melhoria da educação estaria na adoção dos parâmetros de mercado, com a aplicação de estratégias da empresa privada na gestão da escola pública”. Tal concepção alicerça-se numa ressignificação da gestão democrática e da participação, entendidas a partir da criação de canais de efetiva participação e  decisão coletivas, tendo por norte a educação como um bem público.

Outro ponto fundamental a ser destacado articula-se à concepção restrita de autonomia (restrita à dimensão financeira) e ao caráter diretivo e centralizador do PDE, num cenário em que os profissionais da educação e alguns sistemas de ensino envidavam esforços no sentido de implementar, com base na legislação em vigor, projetos políticopedagógicos cujo norte se contrapunha à concepção gerencialista presente no PDE. Oliveira, Fonseca e Toschi (2004c, p. 198), ao avaliarem o PDE e a gestão pedagógica, físico-financeira e de materiais da escola, adjetivaram a proposição e materialização desse plano por meio da diretividade, burocratização e controle do trabalho escolar.

Apesar do distanciamento inicial da Secretaria de Ensino Fundamental (cuja denominação atual é Secretaria de Educação Básica – SEB) do MEC, o PDE, por meio do FUNDESCOLA, buscou, a partir de 2003, vincular-se a esta Secretaria, dada a singularidade das ações desenvolvidas. A esse respeito, são importantes os movimentos direcionados a uma articulação orgânica entre a Secretaria e o FUNDESCOLA. Por outro lado, em 2004, foi materializada a transferência da gestão integral do FUNDESCOLA para o FNDE (Dourado, 2004, p. 10). Tal mudança contribui, sobremaneira, para o crescente divórcio entre as ações do Fundo, entre elas o PDE, e as ações e programas da SEB, resultando, em muitos casos, na sobreposição de ações e em planos e programas com concepções político-pedagógicas distintas no âmbito do governo federal.

Assim, é fundamental registrar que o FUNDESCOLA desenvolve ações, em especial na área de gestão, sem clara interlocução com as demais políticas das Secretarias do MEC. O PDE, nesse cenário, tem foco e ação político-pedagógica baseados em concepção gerencial, cujo processo ignora o esforço desenvolvido pelo MEC no apoio técnico e financeiro para a democratização da gestão escolar.

O PDDE consiste no repasse anual de recursos por meio do FNDE às escolas públicas do ensino fundamental estaduais, municipais e do Distrito Federal e às do ensino especial mantidas por organizações nãogovernamentais (ONGs), desde que registradas no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).

Os recursos, oriundos predominantemente do “salário-educação”, são destinados à aquisição de material permanente e de consumo necessários ao funcionamento da escola; à manutenção, conservação e pequenos reparos da unidade escolar; à capacitação e ao aperfeiçoamento de profissionais da educação; à avaliação de aprendizagem; à implementação de projeto pedagógico; e ao desenvolvimento de atividades educacionais. Um dos limites interpostos ao Programa refere-se à estruturação de unidades executoras nas unidades escolares, o que, em muitos casos, tem resultado na instituição de entes privados como gestores de recursos das escolas públicas, em detrimento de outros atores, como conselhos escolares, fortemente referendados por outro programa da SEB/MEC.

Sem descurar da importância do referido Programa no que concerne à descentralização de recursos financeiros para a escola, em cenário de nítida escassez de recursos, a análise do PDDE demonstra que sua implementação tem resultado no desrespeito ao pacto federativo, na medida em que o Programa atropela os sistemas de ensino ao redefinir novos formatos de gestão para as escolas públicas, por meio do “estabelecimento de relações diretas entre as escolas beneficiadas e o FNDE, sem a intervenção de instâncias governamentais locais na definição e execução dos gastos” (idem, ibid., p. 264).

Outro aspecto ressaltado refere-se à pequena participação da comunidade escolar, pois “o fato do Programa não pressupor para a sua realização a efetiva democratização da gestão da esfera pública fez com que, em muitos casos, fosse pequena a desejada participação da comunidade na operação de recursos repassados”. Todos esses indicadores demonstram que as bases político-pedagógicas do PDDE, a despeito de possibilitar às unidades escolares a gestão de pequenos recursos, por meio de entidade privada, não contribuíram efetivamente para a democratização dos processos de deliberação coletiva e, ainda, restringiram a autonomia à gestão financeira da escola.

O Programa de Fortalecimento de Conselhos escolares tem por objetivo contribuir com a discussão sobre a importância de conselhos escolares nas instituições e visa, ainda, ao fortalecimento dos conselhos existentes. Os conselhos escolares configuram-se, historicamente, como espaços de participação de professores, funcionários, pais, alunos, diretores e comunidade nas unidades escolares. Em alguns casos, constituem-se em espaços coletivos de deliberação, assumindo, desse modo, o papel de órgão co-responsável pela gestão administrativa e pedagógica das escolas e, em outros, em razão de sua atuação restrita à aprovação da prestação de contas e medidas disciplinares, em determinadas situações, foram transformados em unidades executoras em razão do PDDE.

O Programa foi criado, portanto, pela Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação, mediante a Portaria Ministerial n.2.896/2004. Visa à implantação e ao fortalecimento de conselhos escolares nas escolas públicas de educação básica nas cinco regiões do país,envolvendo os sistemas de ensino públicos estaduais e municipais, por meio de sua adesão à sistemática de apoio técnico, pedagógico e financeiro do Ministério da Educação.

De acordo com a mesma Portaria Ministerial, tem por objetivos:

I - Ampliar a participação das comunidades escolar e local na gestão administrativa, financeira e pedagógica das escolas públicas;

II - apoiar a implantação e o fortalecimento de conselhos escolares;

III - instituir políticas de indução para implantação de conselhos escolares;

IV - promover, em parceria com os sistemas de ensino, a capacitação de conselheiros escolares, utilizando inclusive metodologias de educação a distância;

V - estimulara integração entre os conselhos escolares;

VI - apoiar os conselhos escolares na construção coletiva de um projeto educacional no âmbito da escola, em consonância com o processo de democratização da sociedade; e

VII - promover a cultura do monitoramento e avaliação no âmbito das escolas para a garantia da qualidade da educação.

A referida Portaria define, ainda, que a execução do Programa será de responsabilidade da SEB e que esta deverá contar com a participação de órgãos e organismos nacionais e internacionais em um trabalho integrado de parcerias para a consecução dos objetivos. Nesse sentido, vale ressaltar que a efetivação dos objetivos preconizados envolve, fundamentalmente, a adesão ao Programa pelos estados e municípios.

O Programa estruturou-se a partir de processos de formação continuada dos diversos segmentos que compõem a unidade escolar, por meio de duas frentes articuladas – de um lado, pela realização de seminários estaduais de formação, seminário internacional de gestão, seminários municipais e, de outro, pela oferta de curso de formação pela modalidade de educação a distancia.

Apresenta-se organizado a partir de cinco eixos iniciais – conselhos escolares, democratização da escola e construção da cidadania; conselho escolar e o respeito e valorização do saber e da cultura do estudante e da comunidade; conselho escolar e o aproveitamento significativo do tempo pedagógico; conselho escolar e a aprendizagem na escola; conselho escolar, gestão democrática da educação e escolha do diretor. Em seguida, o Programa ampliou tais eixos com as seguintes temáticas: conselho escolar como espaço de formação humana; conselho escolar e o financiamento da educação; conselho escolar e a educação no campo; conselho escolar e a relação entre a escola e o desenvolvimento com igualdade social.

Além desses núcleos temáticos, contemplou-se a discussão sobre os indicadores de qualidade da educação e os conselhos escolares como estratégia de gestão democrática da educação pública. Como é possível evidenciar, tais temáticas abrangem importantes questões em debate nas unidades escolares.

Em que pese a centralidade conferida a esse Programa, é fundamental destacar que o eixo da gestão democrática e da efetiva participação, bem como a centralidade conferida a órgãos de deliberação coletiva como os conselhos escolares, encontra limites em outros programas do próprio governo federal já analisados.

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