quinta-feira, 20 de agosto de 2015

ATUAÇÃO DA COORDENAÇÃO FAZ A DIFERENÇA NO DESEMPENHO DO PROFESSOR

DISPONÍVEL: http://gestaoescolar.abril.com.br/blogs/coordenadoras/2015/08/11/sempre-junto-ao-professor/
ACESSO: 20/08/2015 AS 11:20H


Atue junto ao professor e mapeie os que precisam de ajuda individualizada

 | Educação Infantil - Leninha Ruiz
Leninha Ruiz conversa com professora (Foto: Gabriela Portilho)
Nessa época do ano, mapeie quais professores e quais crianças precisam de uma ajuda pontual (Foto: Gabriela Portilho)
Já escrevi inúmeras vezes que o papel do coordenador pedagógico é auxiliar e apoiar os professores nos encaminhamentos da sala de aula a fim de assegurar a qualidade pedagógica das diferentes situações de aprendizagem. Esse trabalho deve acontecer o ano inteiro, mas considero que o início do segundo semestre é um dos momentos chave para isso, porque muito já foi feito e ainda há bastante tempo até o final do ano para melhorar. Essa época também é boa para mapear quais professores e quais crianças precisam de uma ajuda pontual.
Acredito que uma boa estratégia para qualificar a prática dos professores, seja porque as abordagens feitas não estão surtindo efeito, porque eles estão se adaptando à proposta pedagógica da escola ou simplesmente porque querem trocar ideias sobre seus encaminhamentos, é realizar atendimentos individuais. Nessas conversas, o objetivo é saber sobre o andamento das turmas e focar nos alunos que, por algum motivo, estão gerando preocupação.
Antes da reunião, oriento o profissional a eleger sobre o quais aspectos do trabalho ele quer conversar, a separar os registros sobre as ações dele e sobre os pequenos e, se for necessário, algumas produções feitas por eles. Reservo um local tranquilo para que nada nem ninguém nos atrapalhe durante o momento de escuta atenta de suas preocupações e observações.
Percebo que, só de eleger quais casos serão tratados e de relatar para outra pessoa algum ponto que pareceu problemático, os professores já fazem uma reflexão sobre suas conquistas e interação com a turma e conseguem encontrar bons encaminhamentos. Isso acontece porque a mudança de perspectiva permite o profissional se distanciar do cotidiano e olhar mais criticamente para o próprio fazer. No entanto, às vezes o desafio é mais complexo. Nesses casos, procuro dar sugestões e dizer quais serão os encaminhamentos, entre eles ajudar o professor a planejar situações didáticas específicas para a turma ou para uma criança, ir mais vezes observar a sala de aula e conversar com a família para ter mais informações. Quando estou em dúvida sobre a melhor abordagem, anoto tudo para refletir e dar um retorno posteriormente. Muitas vezes, busco ajuda de docentes de outros anos ou mesmo de colegas coordenadoras para discutir o assunto.
Depois de conversar com todos os membros da equipe, abro uma pasta para cada professor no meu computador e registro num arquivo tudo o que eles me disseram e os encaminhamentos tirados daí. Envio esse documento para o docente com uma coluna para que ele anote de que forma as ações estão sendo postas em prática em sala. Conforme a necessidade, retomamos a conversa dentro de alguns dias ou semanas. Quando são casos mais desafiadores, acompanho mais de perto todo o processo.
E vocês, como apoiam os professores em suas dificuldades particulares?
Um abraço, Leninha

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

MENINAS NO COMANDO

DISPONÍVEL: http://cienciahoje.uol.com.br/alo-professor/intervalo/2015/06/meninas-no-comando
ACESSO: 07/08/2015 as 11:28h
 

Alunas do ensino fundamental da rede pública na periferia de Fortaleza ingressam com o pé direito no mundo da programação, desenvolvendo aplicativos para solucionar problemas enfrentados pela sua comunidade
Por: Everton Lopes
Publicado em 24/06/2015 | Atualizado em 29/06/2015
Meninas no comando
Incentivadas por professores, alunas de escolas públicas de Fortaleza (CE) começaram a programar aplicativos para atender necessidades de suas comunidades. (foto: United States Mission Geneva / Flickr / CC BY-ND 2.0)
Um grupo de garotas se reúne em sala de aula numa escola pública da periferia de Fortaleza (CE) para discutir os próximos passos de seus projetos. Não se deixe enganar pela pouca idade das participantes, pois o movimento é de gente grande: apoiadas por seus professores e escolas, elas decidiram empreender no ramo da programação, desenvolvendo aplicativos que atendem diretamente necessidades da região onde vivem. Com os primeiros resultados, elas se inscreveram em um desafio internacional de empreendedorismo e tecnologia para mulheres – agora, estão na expectativa pelos resultados.
Tifany Ambrósio, Raissa Silva, Keliane Gomes, Kaiane Costa e Vitória Dias são alunas da Escola Municipal Maria Helenilce Cavalcante Leite Martins. Talita Cabral e Milena Sousa, da Escola Municipal Taís Maria Bezerra Nogueira. Cursando o sexto ano, todas têm por volta de 11 anos e vivem nos bairros de Jangurussu e Conjunto Palmeira, numa área pobre da capital cearense que inclui o bairro com o pior índice de desenvolvimento humano da cidade. “Essa região sofre com os reflexos das desigualdades sociais de Fortaleza”, destaca Cleudson Silva, professor da rede municipal da cidade e principal responsável por incentivar as alunas na nova empreitada. “A educação é o meio para reverter esse quadro e a função do professor é apresentar as alternativas”, aposta.
"A educação é o meio para reverter desigualdades e a função do professor é apresentar as alternativas"
Silva ficou sabendo do programa global Technovation Challenge e decidiu levar a proposta às escolas. Logo surgiram os grupos de interessadas. Apoiadas pelo Palmas Lab – laboratório de inovação e pesquisa para a inclusão social via tecnologia de informação, ligado ao Banco Palmas, um banco comunitário nascido nessa mesma periferia – e pelo portal Programaê, que disponibiliza materiais gratuitos para quem deseja aprender a programar, as garotas começaram a trabalhar.

Apertando o play

Segundo Silva, a ideia inicial era que as garotas desenvolvessem seus projetos em aplicativos para smartphones que apresentassem soluções para os problemas da comunidade. Na Escola Municipal Taís Maria Bezerra Nogueira, o grupo idealizou Cantando e Aprendendo, que funciona como um karaokê portátil, avaliando o desempenho do usuário e oferecendo dicas para melhorar o uso da voz.
Cantando e Aprendendo
As meninas desenvolveram uma pesquisa de campo sobre timidez e acabaram se deparando com outro problema: o das dificuldades na fala. O jogo Cantando e Aprendendo tem como objetivo ajudar nessas duas frentes, além de divertir. (imagem: Reprodução)
“As estudantes pensaram em um programa voltado para as próprias necessidades e para ajudar quem mais sofresse com os problemas da timidez e as falhas na dicção. Juntaram isso com o gosto pela música e projetaram o aplicativo”, conta Lúcio Márcio de Souza Rebouças, coordenador pedagógico da escola.
Já na Escola Municipal Maria Helenilce Cavalcante, o grupo de meninas decidiu usar a arte produzida pelas crianças para gerar renda. Criaram, então, o Traço Kids, uma galeria virtual com desenhos feitos por crianças da comunidade que podem ser adquiridos por quem desejar utilizá-los em estampas diversas. O aplicativo está disponível para download na página Fábrica de Aplicativos e já começou a funcionar. O dinheiro arrecadado é usado na compra de mais materiais para as crianças.
Traço Kids
Traço Kids é uma galeria virtual de imagens, que pretende dar visibilidade aos jovens artistas do Conjunto Palmeiras. Os fundos arrecadados com a venda de estampas são revertidos em materiais de desenho e pintura para as crianças. (imagem: Reprodução)

Em direção ao futuro

Em março de 2015, o Instituto Banco Palmas – braço social do Banco Palmas – organizou um evento para a comunidade do Conjunto Palmeira relacionado aos Startup Weekends, eventos independentes organizados no mundo inteiro com a finalidade de dar suporte técnico e prático para novas ideias que podem ser lançadas como startups.
Tanto o grupo de estudantes de Jangurussu e quanto o do próprio Conjunto Palmeira participaram. Dos vinte projetos inscritos, dez foram escolhidos para receber ajuda intensiva de especialistas, aperfeiçoar suas ideias e colocá-las em ação. No ranking final do evento, elaborado pela equipe organizadora, Traço Kids ficou em segundo lugar, enquanto Cantando e Aprendendo recebeu menção honrosa – um começo animador e que, em breve, pode começar a mudar a realidade de outras meninas que vivem em situação semelhante.
Segundo o coordenador do Palmas Lab, Asier Ansorena, a ideia agora é estender o projeto e levar os cursos de apoio ministrados pelo laboratório para dentro das escolas, incentivando ainda mais crianças a ingressarem no diverso mundo da programação. “Essa iniciativa desperta a capacidade e a criatividade das pessoas para lidar com os problemas sociais que enfrentam, empoderando-as para a busca de soluções”, encerra Ansorena.

Everton Lopes
Instituto Ciência Hoje/ RJ

ENTREVISTA COM JOSÉ CERCHI FUSARI



José Cerchi Fusari: “Planejar evita o excesso de improviso pedagógico”.
Com mais de 40 anos de experiência em educação, José Cerchi Fusari* defende a retomada do planejamento educacional como uma atividade realizada durante todo o ano letivo e não somente no início. Professor doutor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Fusari trabalhou sistematicamente na formação de pedagogos, professores e pesquisadores. É doutor em educação pela USP, mestre em filosofia da educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), formado em pedagogia pela PUC–SP e egresso das antigas escolas normais de formação de professores. Além da longa experiência em ensino fundamental, médio e superior, no momento coordena na FEUSP o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Educadores (GPEFE). 
JP - O que se entende por planejamento de ensino? Qual o seu conceito? 
JCF - A maioria das escolas brasileiras organiza no começo do ano uma semana de planejamento. Isso tem um lado positivo e negativo. Como não há uma cultura de planejamento, isso acaba limitando-o àquilo que acontece somento no início do ano letivo. Planejar não pode ser caracterizado como uma atividade datada e situada, deve ser um processo mais amplo, caso contrário, cairemos no “repentismo pedagógico” em que as escolas vivem de improvisos. Sendo assim, o planejamento pode ser definido como um processo permanente, crítico e reflexivo vivenciado pelos educadores, em especial, nos 200 dias letivos e para além deles. É muito mais amplo do que a elaboração de planos e projetos. O planejamento é uma atitude, um valor que damos ao pensar, ao refletir. Ao fazer isso, valorizamos os educadores enquanto protagonistas do processo de educação escolar.Atualmente, o planejamento escolar está estigmatizado como uma tarefa supérflua, desnecessária e burocrática. Entretanto, é importante recuperar a identidade do planejamento na escola como uma vivência, uma atitude. O planejamento transformado em cultura vai propiciar bons projetos, planos de aula e planos de ensino.
 JP - É importante a participação da comunidade e dos conselhos escolares na hora de formular o plano de ensino? Como eles podem contribuir?
 JCF - Toda escola se organiza a partir de um currículo formal, o qual serve de base para a construção de um Projeto Político Pedagógico (PPP). A construção deste projeto deve ser feita coletivamente, de maneira participava, costurada com a comunidade na qual a escola está inserida. Por isso, podemos dizer que o projeto é uma obra aberta. O PPP está sempre sendo reinventado porque a relação da escola com a comunidade é dinâmica. A comunidade pode contribuir de várias formas. Sabemos que existem escolas muito fechadas em relação a comunidade, mas tem escolas que conseguem ter um diálogo mais aberto. Para isso, há formas instituídas como os conselhos escolares, que funcionando democraticamente, estabelecem um canal de comunicação rico e saudável para a escola. A escola tem que ir além do que é a expectativa da comunidade. O PPP tem uma função tripolar: está voltado para a educação dos alunos, mas também para a educação dos professores e da comunidade. Assim a comunidade se torna co-responsável pela escola e seu projeto pedagógico.
JP - O que deve ser levado em consideração na hora de montar um plano escolar, curricular e de aula?
JCF - O fundamental não é decidir se o plano será redigido no formulário x ou y, mas assumir que a ação pedagógica necessita de um mínimo de preparo, mesmo tendo o livro didático como um dos instrumentos comunicacionais no trabalho escolar em sala de aula. É importante desencadear um processo de repensar todo o ensino, buscando um significado transformador para os elementos curriculares básicos:
Princípios educacionais – Estão presentes na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Entretanto, é interessante que a escola se reúna e reescreva os princípios levando em consideração as situações locais. Os princípios são o ponto de partida do processo de elaboração de um plano escolar e é interessante que acompanhe todo o processo de planejamento escolar.
Objetivos – Estes são os pontos de chegada, onde se pretende chegar com as atividades da escola, de cada disciplina e das aulas.
Conteúdo – É necessário também prever o conteúdo como um recorte do conhecimento que fará parte de cada disciplina. Conhecimento este produzido históricamente pela humanidade.
Métodos de ensino – Concomitante a definição dos objetivos que constituem o ponto de partida para qualquer método de ensino, cumpre ao professor e supervisor o planejamento de técnicas, instrumentos, procedimentos, situações e experiências de ensino que visam engajar o aluno em situações capazes de produzir aprendizagens crítico-reflexivas.
Avaliação – A avaliação é o processo pelo qual a escola e os professores procuram determinar a qualidade e quantidade de mudanças efetuadas na aprendizagem dos educandos, sempre tendo como referência os princípios, objetivos, conhecimentos, metas e sistemas de avaliação. As situações de avaliação são mais facilmente escolhidas e planejadas quando os objetivos são bem definidos.
JP - Qual plano deve ser prioritário: escolar, curricular ou de aula?
JCF - Os três tipos de plano se complementam, se interpenetram e compõem o corpo do plano de currículo da escola. Entretanto, na prática das unidades escolares, devido à quase total falta de condições de trabalho docente, a elaboração dos planos escolar, de curso e de ensino tem-se revelado complexa, fragmentada, longe mesmo, em alguns casos, daquela organicidade desejada para o processo de ensino e aprendizagem.Na atual conjuntura problemática em que se encontram a escola, vamos estimular os professores a prepararem as suas aulas, garantindo, deste modo, um trabalho mais interessante e produtivo no processo ensino e aprendizagem, no qual o professor seja um bom mediador entre os alunos (com suas características e necessidades) e os conteúdos do ensino.
 jcfusari@usp.br
 (Renata Chamarelli)

terça-feira, 21 de julho de 2015

O PAPEL DA LINGUAGEM



            Um dos temas de grande interesse da pesquisa em educação em ciências é a formação e o desenvolvimento de conceitos científicos pelos estudantes. A produção de conhecimentos sobre o processo de ensino e aprendizagem em sala de aula tem se apoiado largamente nas contribuições de Vygotsky e Bakhtin, pois esses autores fornecem base teórica que fundamenta as pesquisas que defendem ideias de que os sentidos das palavras não estão expressos em glossários, mas através de seu uso em contextos sociais específicos. Algumas pesquisas não consideram a aquisição de conceitos como meta única da educação em ciências. Ao contrário, entendem que o aprendizado de conceitos em ciências não pode ser dissociado de outras metas curriculares, como: aprender os procedimentos de produção de conhecimento em ciências e aprender sobre a relação ciência-tecnologia-sociedade. Enquanto Vygotsky auxilia na compreensão do do processo de internalização dos conceitos espontâneos e científicos como prática mediada pedagógica e intencionalmente planejada, Bakhtin orienta a atenção para a natureza ideológica dos signos que circulam em contextos sociais específicos. Bakhtin valoriza a fala, a enunciação e afirma sua natureza social, não individual.
            Haja vista que a prática corrente e tradicional no ensino de ciências consiste em apresentar um conjunto de definições, seguidas de alguns exemplos, e uma profusão de exercícios, com poucas variações entre eles, para fixação dos conteúdos apresentados. Nessa perspectiva, o procedimento de ensino restringe-se à apresentação de conteúdos factuais, classificações, fórmulas e nomes ou meras definições de entidades químicas, físicas ou biológicas, tais como: elemento, substância, soluções, corrente elétrica, inércia, gens, gametas etc. A concepção de ensino que orienta essas práticas se assenta na lógica da explicação acabada, sem levar em conta o sujeito que aprende e o processo de significação dos conceitos científicos. Tal lógica se estabelece como um mecanismo de transferência de conhecimentos prontos, cristalizados e sistematizados por meio da apresentação de definições. Desse modo, memorizar uma definição correta não garante a compreensão das muitas relações nela envolvidas. A definição de um conceito é uma síntese, a formalização de certas relações que já estão, de certo modo, compreendidas por parte de quem as formula. É produto de uma compreensão sintética, acabada e formalizada. Mas como se dá a formação e evolução de conceitos científicos pelos estudantes? Para responder a essa questão,recorre-se aos estudos de Vygotsky sobre a construção dos conceitos científicos, e os de Bakhtin no que se refere ao papel dos signos na produção de sentidos. De modo que é possível afirmar que, a aquisição dos conceitos não guarda um fim em si mesma. Um conceito sempre exerce a função de comunicar, assimilar, entender e resolver algum problema e que só a presença de condições externas e o estabelecimento mecânico de de uma ligação entre a palavra e o objeto não são suficientes para a criação de um conceito. Aprendizagem dos conceitos constitui elemento central da educação em ciências. Os conceitos são os instrumentos mediacionais por meio dos quais interpretamos e interagimos com as realidades que nos cercam. Bakhtinianamente falando, agimos e vivemos pela palavra. Por correspondência, pode-se dizer que, em ciências, novos conhecimentos são produzidos, os fenômenos são compreendidos e explicados por meio de uma rede conceitual. O ato de pensar é realizado por conceitos. Em outras palavras, os conceitos são ferramentas que são utilizadas para se pensar o mundo e a si mesmos, para agir no mundo e interagir com ele e com os outros. Por outro lado, essa ação sobre as realidades a serem interpretadas e transformadas leva a rever constantemente os conceitos aprendidos. Assim, os conceitos vão se modificando, tanto em extensão quanto em compreensão, num processo lento e difícil de produção de sentidos e de confronto com os significados socialmente estabelecido. O processo de formação de conceitos científicos envolve a apropriação, pelos estudantes, dos novos modos de falar e pensar o mundo. Baseando-nos na Filosofia da Linguagem de M. Bakhtin (1997b), a compreensão da palavra alheia é resultado de um processo de confronto e interpretação, o que proporciona uma reavaliação, uma modificação e o surgimento de um novo signo na consciência, uma nova palavra interior. Assim, é possível entender a formação de conceitos como trabalho social e semiótico. Sua apropriação resulta de um esforço de relacionar um signo interior qualquer de que se dispõe com a unicidade de outros signos que são apresentados no contexto social de uso e significados. A compreensão dos conceitos depende de, pelo menos, dois sujeitos. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor, ponte lançada entre o eu e os outros. São sentidos que se entrecruzam, complementam, refletem e refratam. Contudo, há que se considerar que a produção de sentidos não pressupõe, necessariamente, a presença física de um outro. Mesmo quando se estar sozinho, carrega-se outros textos, autores, pessoas que fazem parte do universo social de significação do mundo. Portanto, todo processo de formação de conceitos é, essencialmente, dialógico e dependente das estratégias de mediação adotadas. De acordo com MORTIMER a ideia de que aprender ciências implica entrar em um mundo que se apresenta com uma linguagem própria, bem como tomar consciência das diferenças e das relações entre as linguagens da ciência e outras formas de falar e compreender o mundo. Aprender conceitos, nessa perspectiva, é um processo lento, complexo e sempre inacabado, pois os conceitos vão sendo revistos e ampliados. Por exemplo, o conceito de átomo significava, para Dalton, a unidade indivisível. O conceito foi retomado e modificado repetidas vezes na história da química. O átomo deixou de ser indivisível, mas ainda hoje os professores se reportam a ele usando a mesma palavra. Do mesmo modo como os conceitos mudam ao longo da história do pensamento científico, os sentidos que vão sendo construídos acerca deles também mudam. Entende-se por sentidos os modos pessoais de compreender ou se apropriar de um conceito. Entende-se por sentidos os modos pessoais de compreender ou se apropriar de um conceito, enquanto os significados são os sentidos que se estabilizam com o tempo, fruto de uma construção e acordo coletivos. Os sentidos, portanto, remetem aos indivíduos, e os significados, às comunidades científicas. Enquanto as palavras duram, os sentidos mudam. Desse modo, os conceitos não são categorias intrínsecas da mente, nem reflexo da experiência pessoal, mas produtos históricos da atividade mental. Segundo Fontana “Os conceitos têm história. Carregam consigo as marcas e as contradições do momento histórico em que se desenvolveram e consolidaram, os movimentos de reelaboração e de rearticulação no jogo das forças sociais... Marcas que estão impressas na própria palavra. Em algumas produções didáticas, os leitores vão encontrar três possibilidades. Uma delas é a de se fazer uso de um conceito sem a pretensão de formalizá-lo em um dado momento. Esse é o caso do conceito de substância, sem o qual seria impossível entrar no universo da química, mas cuja definição formal ultrapassa as metas da educação em ciências no nível Fundamental. O processo de formação de conceitos remete ao “material que serve de base para sua formação e à palavra através da qual ele surge” . Um conceito além de não existir isolado, se constitui numa rede de outros, como produto de uma elaboração racional da experiência dos sujeitos. Em outras palavras, a crítica que se faz ao ensino de ciências, tal como vem se configurando, não significa que uma definição não deva ser inicialmente apresentada, para, a partir dela, se produzir um sentido novo, mas aos modos como essa mediação é feita. Nesse sentido, o processo de formação de um conceito pode valer-se de uma definição tomada a priori como sendo o próprio material que servirá de base para as interações linguísticas e semiológicas. A medida da generalidade de um conceito se assenta na capacidade dos sujeitos de colocá-lo em um sistema global de inter-relações de sentidos. Resulta de generalizações em níveis diferentes de conceitos. Consiste em organizá-los em um sistema, tendo como critério o grau de generalização, o que está para além da simples memorização de definições isoladas. A produção de sentidos pressupõe, portanto, intertextualidade e um intenso diálogo constituído pela produção de enunciados e pela escuta entre alunos e professores. Para a realização dessa atividade, são feitas várias perguntas e associações com situações da vida. A palavra, diz Vygotsky, não expressa o pensamento, ela o mediatiza: pensa-se com as palavras. Nesse esforço de compartilhar significados com o professor e com os colegas, e reunir diferentes textos produzidos por esses interlocutores ou encontrados nos rótulos de água mineral, o estudante vai se familiarizando com a palavra substância. A intenção é a de que a “palavra do professor” vá, aos poucos, se tornando “palavra própria”. A expectativa é de que o estudante pode ter um nível inicial de compreensão do conceito de substância, ao associá-la a nomes e fórmulas apresentados nos rótulos, e compreender que os materiais ocorrem naturalmente misturados. Outros materiais, como o leite, o sangue, o suco, por exemplo, não têm fórmulas. São misturas de substâncias. Retomando Bakhtin  “Ver uma coisa, tomar consciência dela pela primeira vez, significa estabelecer uma relação dialógica com a coisa: ela não existe mais só em si e para si, mas para algum outro (já há uma relação entre duas consciências).” Ao longo da atividade, os professores acompanham, com atenção, os sentidos que os alunos atribuem às palavras: material, substância, mistura, composto, elementos, entre outras. Os estudantes empregam esses termos com desenvoltura, embora os sentidos atribuídos por eles a essas palavras não correspondam, muitas vezes, ao significado que tais termos têm na ciência. As duas consciências, de que fala Bakhtin na citação acima, referem-se aos horizontes conceituais do professor e do aluno. A falta de correspondência entre esses horizontes não impede que os conceitos possam ser utilizados pelos alunos e, desse modo, progressivamente compreendidos e apropriados por eles. O entendimento da complexidade do processo de formação de conceitos exige dos professores, paciência, compromisso e atento acompanhamento. Essa perspectiva dissolve as ilusões de uma aprendizagem fácil e imediata. A compreensão dos conceitos científicos envolve o encontro destes conceitos com o horizonte conceitual dos estudantes. Esse encontro, algumas vezes, é suave e harmonioso, em outras, permeado por tensões e conflitos. Apropriar-se do conceito científico, nesse sentido, implica relacionar esse conceito com outros, científicos ou não. Na aprendizagem de conceitos científicos faz-se necessário o reconhecimento de suas particularidades e, em circunstâncias apropriadas, utilizá-los corretamente. Para Bakhtin, a compreensão demanda uma atitude crítica e ativa frente à palavra alheia, um povoamento dessa palavra alheia com suas próprias contrapalavras:Na linguagem da vida real, todo ato concreto de compreensão é ativo:o sujeito assimila o mundo a ser compreendido em seu próprio sistema conceitual constituído por objetos específicos e por expressões emocionais, e é indissoluvelmente imerso na resposta, com uma concordância ou discordância motivada. De algum modo, a resposta predomina como princípio ativo: ela cria a base para a compreensão, para uma compreensão ativa e engajada. Compreensão e resposta são dialeticamente imbricadas e mutuamente condicionadas cada uma a outra, uma é impossível sem a outra. Cientes dessa complexidade, pesquisadores acreditam que o currículo de ciências deve eleger conceitos estruturadores do pensamento nos diversos campos do conhecimento científico para promover a formação e o desenvolvimento dos mesmos, nos estudantes. Tal concepção de currículo se apoia na ideia de multiplicidade de sentidos de Bakhtin. Em lugar de partir de uma definição, de poucos exemplos e muitos exercícios, a estratégia adotada dos materiais deve se consistir em apresentar diversos contextos e situações problematizadoras, que permitam, ao estudante, ver essas ideias em funcionamento. Na medida em que se usa uma mesma ideia em situações variadas, o estudante tem a oportunidade de estabelecer maior número de relações entre os sentidos em jogo, o que favorece as condições de apropriação e de consolidação dos conceitos. Como Tolstoi observou, a nova palavra, uma vez utilizada pelo estudante, em contextos apropriados, ela lhe pertence ou, nos dizeres de Bakhtin, torna-se palavra própria. Ensinar ciências implica introduzir os estudantes numa cultura que, inicialmente, não lhes pertence, e dar condições para que eles se apropriem dela e a relacionem com outras dimensões de sua cultura e com a realidade concreta da vida, em suas múltiplas dimensões. Mas, se fizer a opção por não introduzir os conceitos estruturadores das ciências por meio de definições, como então proceder? Que artifícios e estratégias usar para se introduzirem as ideias das ciências e disponibilizá-las para que sejam trabalhadas pelos estudantes? Para Driver et al., “uma maneira de introduzir os estudantes em uma comunidade de conhecimento é através do discurso no contexto de tarefas relevantes.”  Pesquisadores defendem que a estratégia de estranhamento e a narrativa podem trazer bons resultados, uma vez que a primeira faz perguntas que evocam no aluno o desejo de uma resposta. Enquanto a narrativa, reflete uma concepção que tem o compromisso de enredar o estudante numa história científica, de trazê-lo para o centro da cena. É o gênero que se usa para conhecer. O homem aprende narrado, muito embora os textos científicos se orientem por outro gênero discursivo no qual os sujeitos não têm lugar.
De modo mais amplo, acredita-se que os sentidos das palavras são atribuídos quando estas são relacionadas com outras palavras, significados e coisas. Ainda segundo Bakhtin e em relatos de experiências pedagógicas, é possível perceber que a tentativa de preencher vazios conceituais com palavras e definições alheias parece ser uma ilusão. Isso porque, ao tentar  preencher um vazio, reportam-se a outros conceitos e outras ideias, que vão se tornando mais e mais complexos. Consequentemente, vão se criando novos vazios, outros não-ditos ou ditos não compreendidos pelos sujeitos, prática que tem sido corrente em situações de ensino. Veja o caso do conceito de matéria a título de exemplo. Matéria é tudo que tem massa e ocupa lugar no espaço. Massa é quantidade de matéria. Quantidade é uma medida de coisas. Coisas materiais são aquelas que podemos pegar e carregar. Não se pode “pegar energia”, no sentido tátil do verbo pegar. Então, a princípio, energia não é matéria. Do ponto de vista da física clássica, energia é uma propriedade termodinâmica de estado do sistema, que pode alterar de valor, durante uma mudança de estado, através da transferência de matéria e/ou trabalho e/ou calor e/ou radiação eletromagnética entre o sistema e as suas vizinhanças. Os sentidos das palavras são múltiplos, como são muitos os sujeitos. As palavras não têm um sentido em si mesmas, mas somente quando funcionam articuladas a um conjunto de ideias que queremos expressar. O sentido de uma palavra ou expressão depende, pois, do sentido de palavras e expressões anteriores, ao mesmo tempo em que antecipa o sentido das palavras e expressões que ainda surgirão no fluxo das interações interlocutivas. As estratégias utilizadas para o desenvolvimento de conceitos são variadas, mas não devem ser escolhidas ao acaso. A formação de conceitos é um processo lento, difícil e essencialmente inconcluso. Isso aponta para a necessidade de uma abordagem curricular recursiva com idas e vindas, aprofundamentos, variação de contextos e complexificação de situações a serem abordadas e relacionadas. Aponta, além disso, para a necessidade de se fazer escolhas sobre o que ensinar e sobre as ênfases a serem dadas. Nesse sentido, é importante estabelecer metas para a aprendizagem, ao longo dos níveis de ensino, de “modelos poderosos” que estruturam o pensamento científico nos diferentes campos disciplinares pelo uso funcional de sua linguagem em contextos de relevância para os estudantes. Essa perspectiva se contrapõe ao uso precoce e fechado de definições. A compreensão é, assim, um trabalho verbal de construção de sentidos, da apropriação do conceito. Emerge nas interações interlocutivas, no confronto entre falantes, no ato mesmo da linguagem. O termo apropriação está sendo usado aqui deliberadamente para marcar a posse do sujeito sobre algo que antes não lhe pertencia porque, externo a ele, só guardava o sentido atribuído pelo enunciador, quer seja este o livro didático ou o professor. Esse tipo de abordagem elimina um impasse nos currículos de ciências. Muitos conceitos centrais nas ciências apresentam definições complexas e difíceis de serem introduzidas e assimiladas pelos estudantes no Ensino Fundamental. Isso implica a necessidade de se introduzir essa linguagem na relação com outras linguagens sociais, indicando suas diferenças e particularidades. Nessa concepção, é fundamental que, nas aulas de ciências, as crianças e jovens tenham amplas e variadas oportunidades de utilizarem as linguagens da ciência. Parafraseando Oliveira (1999), pode-se depurar três ‘lições’ dos exemplos relatados neste artigo sobre o processo de formação de conceitos. A primeira delas é a de que as definições, em geral, constituem uma etapa tardia no desenvolvimento de conceitos e, em alguns casos, nem chegam a se configurarem como tal. A segunda é a de que o desenvolvimento de conceitos envolve o reconhecimento, pelos estudantes, dos contextos que demandam seu uso para o entendimento do mundo. A terceira lição é a de que o processo de formação de conceitos científicos consiste no desenvolvimento de formas específicas de falar sobre e com o mundo, modos de dizer que carregam significados e relações com outros conceitos. Ao se considerar o conceito como um meio importante de apropriação do conhecimento científico, valoriza-se a formação de conceitos não só como ferramenta para compreender o mundo, mas como processo que modifica de maneira substantiva o conteúdo do pensamento humano e que potencializa o desenvolvimento das funções mentais superiores. Há a importância de se estabelecerem contextos de vivência em que os conceitos científicos possam ser utilizados de maneira adequada como instrumento para compreensão de situações-problema. O modo de perguntar guarda propósitos diferentes, do mesmo modo que gera atitudes de resposta diferentes nos sujeitos aos quais se dirige o texto.

O Papel Pedagógico da Experimentação no Ensino de Química


Orliney Maciel Guimarães

Atualmente tem-se buscado novas metodologias que possam vir a incentivar os
alunos do ensino médio a se interessar pelo conhecimento químico. Uma maneira de
contextualizar e trazer a Química para mais próximo dos alunos seria através da
experimentação, que permite articular teoria e prática.
É de consenso de professores e pesquisadores de química que atividades
experimentais auxiliam na consolidação do conhecimento, além de ajudar no
desenvolvimento cognitivo do aluno (GIORDAN, 1999). No ensino de Química, a
vivência de situações reais é de grande importância para a compreensão e correlação
dos diversos conteúdos, no entanto é preciso ter alguns cuidados para que a
experimentação não seja encarada apenas como um espetáculo de cores e efeitos.
Na experimentação tradicional, a atividade experimental, na maioria das vezes é
utilizada para ilustrar teorias. As aulas seguem roteiros como se fossem receitas em
que nada pode dar errado, ou seja, nada pode fugir da teoria e do domínio do
professor.
As Diretrizes Curriculares para o Ensino de Química do Estado do Paraná
(PARANÁ, 2009) recomenda atividades experimentais para o ensino médio
considerando que a compreensão e a apropriação do conhecimento químico, se dão
por meio do contato do aluno com o objeto de estudo. Esse contato deve ser planejado,
organizado e dirigido pelo professor numa relação dialogada e a experimentação deve
levar o aluno a refletir sobre os conceitos envolvidos, dando significado a ciência,
permitindo assim uma participação mais efetiva do processo de aprendizagem,
rompendo a idéia tradicional de experimentação.
As recomendações explicitadas nestas diretrizes consideram a experimentação
como um instrumento que favorece a apropriação efetiva do conceito, enfatizando a
problematização como ponto de partida para a construção dos conhecimentos.
Desta forma, essa experimentação deve levar o aluno a pensar, a refletir sobre
os conhecimentos que está sendo adquirido, ou seja, a atividade experimental deve
envolver o aluno e auxiliá-lo na aprendizagem.
A experimentação ocupou um lugar de destaque na consolidação das ciências
atuais e na metodologia científica. A partir do séc. XVII à medida que as leis formuladas
precisavam ser empiricamente comprovadas, a experimentação passou a ser muito
utilizada, sendo pautada na racionalização do pensamento.
Segundo Galiazzi (2001), a origem do trabalho experimental nas escolas foi há
mais de cem anos e era baseado no trabalho experimental desenvolvido nas
universidades. Estas atividades experimentais no ensino receberam um grande impulso
no início da década de 60, com o desenvolvimento de alguns projetos de ensino
provenientes dos Estados Unidos. Projetos estes desenvolvidos em razão do rápido
desenvolvimento da ciência e da tecnologia refletindo um grande impacto na educação.
Nessa época, ocorreu uma corrida armamentista e tecnológica entre EUA e a antiga
União Soviética que estava em ascensão após o lançamento do Sputinik e por esse
motivo, nos Estados Unidos buscou-se no ensino de ciências uma possível contribuição
para o desenvolvimento tecnológico.
O enfoque da experimentação nesta época era formar “mini-cientistas” utilizando
como método de ensino a redescoberta, no entanto esta proposta foi contestada em
diversos trabalhos (HODSON, 1994 e GIL-PEREZ, 1993), pois segundo esta proposta o
“método científico” se transformava em uma receita linear que resolveria qualquer
problema passando uma visão deturpada aos alunos. Na grande maioria dos casos os
alunos não descobriam por si só os conceitos científicos, sendo absolutamente
necessária a mediação do professor.
No Brasil esses projetos foram traduzidos e divulgados, nos quais muitas
crenças dos professores sobre a importância das atividades experimentais estavam
expressas (GALIAZZI, 2001) e apesar de o ensino experimental proposto nesses
materiais fosse inovador, os professores mantiveram como objetivo o ensino do método
científico como forma de aplicar o ensino experimental, sem uma adaptação
educacional.
Para Marques e Peres (2005), a utilização do método científico para orientar a
construção do conhecimento parece insustentável na Ciência e na educação científica.
A idéia de que a observação independe da teoria, como propõem os defensores do
método científico, favorecendo a obtenção de dados puros e verdadeiros é contestada
epistemologicamente e neste caso o que se defende é justamente o contrário, que a
relação entre observação e interpretação não é neutra.
Nas décadas de 70 e 80 o foco do ensino de ciências deixou de ser no ensino e
passou a ser na aprendizagem, o que levou a um movimento sobre concepções
alternativas e mudança conceitual. Essa proposta de mudança conceitual refletia as
influências da psicologia cognitiva e considerava que através do levantamento de
concepções alternativas dos estudantes sobre determinados assuntos, o professor
deveria levantar questionamentos que poderiam gerar conflitos cognitivos por parte dos
alunos e a explicação desse conflito deveria ser contraposto com a visão da ciência
aceita e desta forma a aplicação de conceitos científicos poderia ser empregada em
contextos diversificados (GIL-PEREZ, 1993). No entanto o que se constatou foi que em
muitos casos os conflitos cognitivos mostravam-se inoperantes pelas seguintes razões,
entre outras, muitos alunos não interpretavam o conflito cognitivo como tal, isto é, não
percebiam a contradição e, portanto não existia o conflito. Em muitas situações de
conflito, os alunos adaptavam a interpretação das observações ou dos resultados
experimentais às suas idéias prévias, ou seja, o conflito cognitivo era externo, pois
partia do professor e não dos alunos.
Estas formas de pensar certamente influenciaram a prática de aulas
experimentais tradicionais, fortalecendo o ensino de ciências baseado em teorias
empiristas-indutivistas cultivada até os dias atuais. A experimentação tradicional tem
sido largamente criticada na literatura por vários autores (GIORDAN, 1999;
FRANCISCO Jr, 2008; GONÇALVES e GALIAZZI, 2004; ZANON e SILVA, 2000).
De modo geral, alunos e professores tendem a uma visão simplista e tradicional
sobre experimentação, focando na demonstração de teorias estabelecidas. Isso faz
com que o processo de aprendizagem se torne um fenômeno de demonstração ou
comprovação de teorias.
Segundo Galiazzi (2004):
Não é novidade afirmar que, em geral, professores e alunos de cursos de
Química têm uma visão simplista sobre a experimentação. Muitas
dessas visões pessoais estão cunhadas pelo empirismo do observar para
teorizar e por isso não causou surpresa que muitos dos relatos de aulas
com atividades experimentais estivessem alicerçados sobre essas
compreensões. Parece-nos que isso aponta para uma questão importante
a considerar no planejamento de atividades experimentais, que é a
possibilidade de enriquecer o conhecimento sobre a natureza da ciência,
pois esse conhecimento influencia a aprendizagem dos estudantes na
atividade experimental (GALIAZZI, 2004, p.327).
Machado (2007), entre outros, chama a atenção da necessidade de que a
experimentação seja desenvolvida levando em conta algumas características,
diferentes das que tem ocorrido desde sua introdução na escola e que predominam
atualmente na educação básica. Os mesmos têm se preocupado em demonstrar que a
atividade experimental realizada no ensino médio precisa ser repensada, de maneira a
criar um ensino contextualizado, investigativo e que estimule o aluno a levantar
hipóteses, questionamentos e também discutir sobre os fenômenos que são
apresentados durante as aulas.
Para Zanon e Silva (2000), as atividades práticas podem assumir papel
fundamental no aprendizado das ciências, exercendo uma função pedagógica e por
isso consideramos importante valorizar a experimentação como forma de interrelacionar
saberes teóricos e práticos no processo de construção do conhecimento.
Segundo Weels (apud GALIAZZI e PEREZ, 1999), a experimentação deve ser
introduzida com o objetivo de levar o aluno à reflexão entre prática e teoria.
Concordamos com Lima e Marcondes(2005), que:
O foco de reflexão deve ter como marco três eixos principais: a
reconceituação do trabalho prático, aprendizagem da ciência e a
relação entre prática e reflexão. É importante salientar que a
explicação do conhecimento não se restringe somente ao início
da atividade experimental, ocorrem nos diferentes momentos em
sala de aula, o que exige atenção permanente do professor (...). a
intencionalidade de perceber essas aprendizagens não significa
que o objeto de uma atividade experimental seja a substituição do
conhecimento do aluno sobre o fenômeno estudado pelo
conhecimento cientifico, sendo esse um processo lento e
complexo. (LIMA e MARCONDES, 2005, pg.1)
A contextualização e a problematização das situações discutidas é essencial
para que todo o trabalho desenvolvido não tenha um caráter apenas ilustrativo, e cabe
ao professor direcionar o aluno.
Outra proposta mais recente é a experimentação problematizadora, baseada na
perspectiva de educação de Paulo Freire (FRANCISCO JR, 2008), na qual a educação
deve ser concebida como um processo incessante, inquieto e sobretudo permanente de
busca. O professor deve fazer despertar no aluno seu senso crítico e não fazê-lo com
que simplesmente aceite o conhecimento.
O conceito da experimentação problematizadora deve ir além da experimentação
investigativa. Apoiados em Paulo Freire compreendemos que um processo educativo
problematizador e, portanto libertador se desenvolve no diálogo, sendo as identidades
culturais, construídas nas experiências vividas.
Para facilitar a transposição das idéias de Freire, que são baseadas na
educação informal para a atividade diária de sala de aula, Delizoicov (1983; 1991; 2005)
propõe três momentos pedagógicos para aprendizagem, a saber: (i) Problematização
inicial que consiste em apresentar situações que os alunos vivenciem, incentivando a
fazer questionamentos que o façam refletir sobre a ciência e o meio em que ele está
inserido. Tais situações exigem a introdução de conhecimentos teóricos para sua
interpretação; (ii) Organização do conhecimento necessário para a compreensão das
situações, estes devem ser organizados e sistematizados; e (iii) Aplicação do
conhecimento, destina-se a capacitar os alunos na utilização dos conhecimentos
adquiridos. Essa etapa destina-se a capacitar os alunos na utilização dos
conhecimentos já sistematizados.
Fundamentado nas idéias de Delizoicov, Francisco Jr (2008), propõe a
experimentação problematizadora que se apóia nestes três momentos pedagógicos
descritos anteriormente.
Outro fator que deve ser considerado é o conhecimento prévio do aluno, tendo
em vista que todos possuem um conhecimento e que deve ser respeitado, segundo
Freire para pedagogia problematizadora todos nós somos seres inacabados,
incompletos, imersos numa realidade também inacabada.
A prática de aulas experimentais com enfoque problematizador deve propiciar
aos alunos a possibilidade de realizar, registrar, discutir com os colegas, refletir,
levantar hipóteses, avaliar as hipóteses e explicações e discutir com o professor todas
as etapas do experimento.
A atividade experimental deve ser baseada não somente na observação, mas
também na teoria, reflexão do indivíduo, questões sociais e culturais com objetivo de
ilustrar o desenvolvimento pessoal do aluno mediante a problematização das
observações experimentais e o diálogo.
Segundo Gonçalves e Marques (2006), a experimentação deve propiciar
momentos de re-elaboração dos conhecimentos, possibilitando o contato do aluno com
fenômenos químicos, possibilitando ao aluno criar modelos explicativos sobre as
teorias, utilizando uma linguagem própria.
Essas novas formas de pensar a experimentação encontram resistência por
parte de alguns professores e que, segundo Galiazzi (2001), para mudar a realidade
das atividades experimentais é preciso superar reducionismos e deformações sobre
seus objetivos, sobre a natureza da ciência, sobre cientista, muito presentes nas
concepções de professores em exercício e em formação. Para esta autora não significa
realizar experimentos sem uma ampla discussão dos resultados e nem como reforço
das aulas teóricas ou para confirmar o que o aluno já “aprendeu” em sala de aula.
 
Referências
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