Rev. Bras. Educ. no.26 Rio de Janeiro
May/Aug. 2004
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782004000200017
NOTAS DE
LEITURA
LOPES, Alice
Casimiro, MACEDO, Elizabeth (orgs.). Currículo de ciências em debate.
Campinas: Papirus, 2004, 192p.
Como
entender, historicamente, as invenções e reinvenções curriculares voltadas para
o ensino de Ciências que são propostas pelas instâncias educacionais oficiais
diante dos desafios do mundo contemporâneo e da comunidade escolar na qual a
escola se insere? Para discutir questões como essas, Currículo de ciências
em debate, apoiando-se na produção teórica do campo do currículo,convida o
leitor a compreender os sentidos das propostas curriculares para a área de
Ciências, bem como a fazer leituras criteriosas acerca das muitas práticas e
opções curriculares em Ciências que se colocam no interior da escola.
Organizada
por Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo, a obra constitui-se em importante
referência para os educadores de Ciências que desejam ampliar seus
conhecimentos e suas reflexões teóricas a respeito do currículo das disciplinas
Ciências Naturais, no ensino fundamental, e Biologia, Física ou Química, no
ensino médio. Oferece significativos elementos para a compreensão de muitos
questionamentos acerca do ensino das Ciências e permite maior aproximação entre
essa área e estudos educacionais mais amplos. A problemática do currículo de
Ciências recebe cuidadoso exame teórico por parte de suas organizadoras, bem
como dos demais três autores, que abordam temáticas que também são parte das
inquietações atuais de muitos professores e educadores. Assim, consegue
interessar e instigar leitores que atuam em diferentes ambientes educacionais,
ampliando as possibilidades de entender criticamente essas questões.
Os cinco
capítulos do livro compõem-se de material analítico desenvolvido por seus
autores e explicitam diversas perspectivas teóricas que subjazem às pesquisas
por eles realizadas. Em toda a obra, currículo é entendido para além de um
arranjo linearizado e ordenado dos conteúdos escolares e, ao se definir de
forma distinta a essa, os autores focalizam, a partir de diferentes olhares e
objetos, as questões culturais, políticas e sociais subjacentes ao currículo de
Ciências.
O livro
inicia-se com o ensaio de Attico Chassot, no qual são analisadas algumas
dimensões históricas de abordagens científicas e tecnológicas que se fizeram
presentes no ensino de ciências na segunda metade do século XX. Chassot
focaliza em particular projetos e iniciativas públicas para induzir um ensino
experimental nas aulas das Ciências, bem como discute os projetos curriculares
que foram importados dos Estados Unidos e da Inglaterra, na década de 1960.
Contextualiza historicamente essas iniciativas no âmbito dos cursos de
licenciatura das áreas científicas, localizando-as no conturbado cenário
político da ditadura militar brasileira.
Alice Lopes
discorre sobre as diferenças na interpretação do discurso dos Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) pelas disciplinas científicas da área das
Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias, centralizando sua análise
nos princípios norteadores desse texto curricular, especialmente nos que dizem
respeito aos conceitos de competências, interdisciplinaridade, contextualização
e tecnologias, "idéias centrais dos PCNEMs que permanecem como marcas da
reforma do ensino médio" (p. 53). A opção teórica utilizada por Alice
Lopes ao examinar tais questões é particularmente instigadora porque, ao
destacar o hibridismo associado às propostas curriculares no texto dos
PCNEM, nelas reconhece políticas culturais. Conforme aponta, nesses
textos evidencia-se "o hibridismo intrínseco à recontextualização de
políticas curriculares" (p. 48). Com base nessa análise, é possível pensar
que esse caráter híbrido tem confundido e aprisionado muitos leitores,
levando-os a reconhecer em tais textos fragmentos de abordagens com as quais
concordam, desconsiderando as contradições na concepção de currículo subjacente
a esses textos.
Com
Elisabeth Macedo encontramos uma análise dos currículos de ensino de Ciências
do Rio de Janeiro, na qual ressalta o valor político dos estudos culturais por
permitir "a articulação de resistências variadas às formas instituídas
pelos aparatos de poder" (p.122). Analisando os currículos dos últimos
trinta anos, a autora trata-os como textos culturais que permitem acompanhar a
criação de diversos estereótipos. Esse capítulo reafirma a noção de currículo como
entrelugar identitário, no qual a cultura tem centralidade sem,
entretanto, se desligar do campo da política. O exame dos currículos de
Ciências feito por Elizabeth Macedo leva-a a reconhecer neles tanto a ênfase à
cultura ocidental – que "tenta normalizar, por sucessivos esquecimentos, o
espaço/tempo cultural híbrido" (p.132) – quanto o caráter universalista
que assume o conhecimento científico. Esses e outros ângulos, cuidadosamente
explorados pela autora, fazem desse capítulo uma leitura indispensável para os
que querem aprofundar a compreensão do currículo de Ciências.
A
complexidade histórica da elaboração do conceito científico de raça, no que diz
respeito ao seu comprometimento ideológico e sua apropriação pelos currículos
escolares, é objeto de análise de John Willinsky. Com extrema habilidade, o
autor destaca o processo de criação de tal conceito e apresenta elementos do
debate ocorrido na comunidade científica, auxiliando-nos a questionar como os
processos de produção científica são abordados na escola. Ao argumentar que a
ideologia de dominação no cenário imperialista que se estabeleceu no século XIX
está associada à definição de raça, é possível vislumbrar possibilidades de
seleção curricular que rompam com as definições acríticas dos conteúdos científicos
tratados na escola.
Por fim,
Antonio Carlos Amorim assume a crítica ao modelo linear de currículo que
"prescreve uma trajetória de aprendizagem baseada em uma ordenação dos
conteúdos, em uma seqüência que se define como a melhor" (p. 156) e toma currículo
como "narrativa em acontecimentos" e a produção dos conhecimentos
escolares como "cartografia: o mapa é aberto, é conectável em todas as
suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações
constantemente"(p. 160). Fundamentado em perspectivas
pós-estruturalistas/pós-críticas do currículo, o autor busca compreender a
complexidade dos processos de desenvolvimento curricular, utilizando os
registros de aulas de Biologia e Ciências, para ver nelas maneiras"de
olhar/pensar/inventar as relações entre forma e conteúdo e sua interação na
configuração dos conhecimentos escolares" (p. 159).
É preciso
destacar que Currículo de ciência em debate traz uma valiosa
contribuição para o campo de pesquisa de ensino de Ciências, adensando teoricamente
suas análises e seus estudos. Considero que, efetivamente, a obra abre novas
possibilidades para um diálogo entre o campo do currículo e os estudos voltados
ao ensino das Ciências. Certamente, tantos os pesquisadores que focalizam as
questões curriculares em Ciências quanto os interessados em entender, do ponto
de vista teórico, ações e práticas curriculares vividas cotidianamente poderão
alargar suas possibilidades críticas com a leitura dessa obra.
Sandra
Escovedo Selles
Professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense
E-mail: eselles@ar.microlink.com.br
Professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense
E-mail: eselles@ar.microlink.com.br
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