segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

O MARKETING DO PROFESSOR





         O Marketing Pessoal faz parte do cotidiano de todos, professores ou não. Aqui, nos referiremos aos professores porque tendo a sala de aula como principal local de trabalho, a mesma funciona como uma “vitrine”. Como formador de opinião, o professor é um referencial, um “modelo” para o aluno. No exercício de sua profissão, a imagem pessoal e profissional do professor representa a imagem do corpo docente, confunde-se com a imagem da própria instituição escolar. Essa imagem, segundo Passadori (2003), é formada pela postura, aparência, indumentária, bem como a voz, elegância e confiança, junto às atitudes e comportamentos.
         A imagem fala muito, a todo instante. Manter a postura correta, portanto, é uma forma de respeito às pessoas. Atividades físicas são importantes para o funcionamento do organismo: aumentam a resistência às doenças, descarregam as tensões, corrigem a postura e impõem ritmo e energia à forma de caminhar e de comportar.
         Para tratar de aparência e elegância, não esqueçamos: ‘Não basta você se achar maravilhoso, as pessoas também precisam achar”. A elegância no vestir para o profissional professor ou professora é um investimento necessário. Para isso, é importante a preocupação com a adequação de roupa com o ambiente de trabalho e sempre evitar os excessos, como roupas extravagantes, saias curtas, acessórios e maquiagem carregada. As professoras devem tomar cuidado com o uso ou não de saltos. Usar sandálias baixas, por melhor que seja a grife, compromete a postura e, consequentemente, a elegância. Deve-se procurar um meio termo entre o salto alto e o conforto. Já os professores devem evitar os calçados despojados e chinelos. É sempre bom, no caso dos calçados de couro, engraxá-los bem e/ou mantê-los limpos.
         Para completar o Marketing Pessoal, no tocante à aparência e elegância, recomenda-se cuidados com os cabelos, com a higiene da pele e das unhas, sempre bem cuidadas e, para concluir, o uso de perfume discreto e adequado ao horário e ambiente.
         O comportamento, além da elegância, também faz parte da etiqueta social. Sendo assim, não podemos deixar de lembrar a importância das normas básicas de comportamento à mesa, em sua participação nos eventos, sejam profissionais ou pessoais, como encontros pedagógicos, congressos e cursos de formação. A boa convivência com os colegas de trabalho é fator importante, visto que o professor cobra dos seus alunos respeito, relacionamento transparente e clima harmonioso no ambiente escolar. A prática profissional, nesse caso funciona  como efeito espelho. Portanto, as atitudes do professor e seu comportamento dentro e fora do ambiente escolar, revertem-se no seu próprio ensino. Não podemos esquecer as palavrinhas mágicas: “por favor”, “com licença”, obrigada”, antes mesmo de cobrá-las de nossos alunos. Outro ponto importante é a elegância dos cumprimentos, no dia a dia, como desejar um bom dia, um bom final de semana e, naturalmente lembrar os aniversários. Essas atitudes solidificam o relacionamento, promovem o bem-estar, geram harmonia no trabalho, além de fortalecer a equipe.
         O trato com os espaços de uso comum também refletem o nível de consciência e a educação dos sujeitos, além do mais, quando esses sujeitos são educadores! Não é raro nos depararmos com situações em que o próprio adulto da relação lança fora o lixo em local impróprio, arrasta cadeiras ou mesas, desfaz o que antes estava em ordem, num comodismo, reforçado por uma mentalidade de que “os outros devem me servir”. Quando estamos nos referindo a educadores, o peso desses equívocos parece tomar proporções ainda maiores. Portanto voltemos à importância de ser exemplo; se meu aluno enxerga em mim alguém preocupado com o zelo e a manutenção da limpeza dos espaços por nós compartilhados um modelo sadio e equilibrado começa a ser formado.
         Para completar as orientações sobre as atitudes comportamentais, sejamos sensíveis a necessidade de enxergar a leitura como uma poderosa ferramenta na formação do professor. Ler bons livros e demais suportes dos diversos gêneros textuais dá uma dimensão superior à nossa competência. A leitura promove melhor raciocínio, facilita a expressão verbal, amplia o vocabulário, além de aprimorar a sensibilidade e o conhecimento de mundo.
         Frente ao exposto, podemos compreender que, mesmo os profissionais da educação cuja imagem consolidada é a de profissionais dedicados e, antes de tudo, apaixonados pelo que fazem, passem a se preocupar com seu Marketing Pessoal. Dentro dessa perspectiva, Passadori sugere alguns cuidados na busca e estruturação do Marketing Pessoal na profissão do Professor:
1)      Faça algo para promover sua própria imagem, aproveitando as oportunidades que surgirem para mostrar o potencial que tem, quer seja de falar em público, escrever um artigo, fazer palestra ou tomar decisões para realizar algo desafiante;
2)      Conheça e amplie suas próprias capacidades, fazendo cursos de especializações ou aperfeiçoamento. Hoje se faz necessário um conhecimento de inglês e de espanhol e uma constante atualização em informática;
3)      Realize, principalmente em atividades profissionais, aquilo que lhe dá prazer. Com isso você estará prestando um grande serviço a você mesmo e aos seus alunos por estar fazendo algo melhor, justamente porque lhe é prazeroso;
4)      Imagine-se no futuro e veja-se realizado, com muito sucesso pessoal e profissional e muito feliz. Isso o ajudará a identificar o que precisa fazer hoje para conseguir o que se deseja amanhã;
5)      Viva harmoniosamente com as incertezas e as surpresas. Elas fazem parte do processo da vida. Não se deixe abater por dúvidas, medos ou fraquezas.

“Lembre-se de que o Marketing Pessoal é apenas um reflexo daquilo que você é, pensa e sente”.

Texto adaptado de Anita S. M. Pinheiro.

QUANDO UM EQUIPAMENTO É DIDÁTICO?

DISPONÍVEL: http://www.construirnoticias.com.br/asp/materia.asp?id=1712
ACESSO: 05/01/2015 às 20:48h


Educador: como você sabe, é indiscutível o papel do material didático como recurso incentivador da aprendizagem, uma vez que as mensagens que o estudante recebe por meio dele não são somente verbais, mas também abarcam sons, cores, formas, sensações.

Só pela sua presença, os materiais didáticos já cumprem a função de estabelecer contato na comunicação entre professor e aluno, alterando a monotonia das aulas exclusivamente verbais. Esses materiais ainda podem substituir, na maioria das vezes, a simples memorização, contribuindo para o desenvolvimento de operações de análise e síntese, generalização e abstração a partir de elementos concretos.

Dessa forma, ampliam o campo de experiência do estudante ao fazê-lo defrontar-se com elementos que, de outro modo, permaneceriam distantes no tempo e no espaço.

Há uma gama de equipamentos didáticos, em grande parte recursos audiovisuais, que foram pensados e construídos para atender às diversas disciplinas em todas as modalidades de ensino. Mas há casos, e não são poucos, em que equipamentos não convencionais ou não pensados, em sua origem, para fins pedagógicos tornam-se didáticos.

Leia o relato a seguir e conheça um bom exemplo de como isso acontece.

A flor

“Quando era pequena, estudava numa sala... parada. Espera, não quero dizer, com isso, que as salas de aula deveriam sair por aí passeando. Mas bem que elas poderiam dar uma sacudidinha de vez em quando e mudar o visual para chamar a nossa atenção, certo? Mas não. Era proibido mexer naquela sala. Parecia que qualquer modificação iria prejudicar o nosso aprendizado. As paredes eram brancas e deviam estar sempre branquinhas, falavam. As carteiras eram fixas, grudadas no chão. Tudo era imóvel. Olha, nem me lembro da sala, ninguém nem olhava para os lados. Afinal, para quê? Era sempre igual...

Um dia, um dos meninos da classe trouxe uma flor de presente para a professora. Uma rosa cor-de-rosa. Não lembro o motivo, se era Dia do Professor, aniversário dela ou se ele só quis agradar. Só recordo que ele apareceu na sala de aula, eufórico, com a flor na mão.

— Professora! Trouxe um presente!

A professora era muito falante, extrovertida e espalhafatosa. Fez a maior encenação, com cara de surpresa. ‘Mas que beleeeza! Coisa liiinda!’. Depois pediu uns minutinhos e saiu da sala com a flor na mão. Quando voltou, estava sem a flor.

— Ué? — o menino levantou a mão, intrigado — Professora, cadê a flor que eu dei pra senhora?

— Ah! — ela disse, sorrindo — Coloquei num vaso, lá na sala dos professores, para não ‘atrapalhar’ a aula — e encerrou o assunto, categórica — Obrigada, viu?

[...]

Uma simples rosa cor-de-rosa... atrapalha a aula? De onde ela tirou isso? Gente, a flor era um presente, um ato de carinho do aluno. E, segundo ela mesma, ‘linda’. Será que, por isso, desorganiza o espaço?

Pergunto: pode uma coisa dessas?”

CARVALHO, Lúcia. Livro do Diretor: Espaços & Pessoas. São Paulo: Cedac/MEC, 2002.

Esse pequeno relato faz parte da memória dos tempos de escola de uma educadora, mas poderia fazer parte da história de muitos de nós, não é mesmo? Quem já não viveu experiência semelhante, quando um elemento alheio aos objetivos de uma aula chamou mais a atenção que a própria aula, e a professora ou o professor o ignorou só para continuar as atividades que havia planejado? Pois bem, esse texto nos auxilia a fazer uma série de reflexões.

Veja que a professora, ao tirar a flor da sala — para não “atrapalhar” a aula —, não observou que a rosa poderia, ao contrário, “ser” a própria aula. Uma aula de biologia, ecologia, meio ambiente, reprodução das plantas, plantio, abelhas, mel, fotossíntese, decoração, arborização e mais um milhão de coisas! Além disso, a permanência da flor na classe poderia ajudar na fixação desses conhecimentos. Talvez, assim, fosse possível reparar um pouco mais na sala de aula, já que era tão monótona... Mas a professora, da mesma forma que não reparou na flor, também não reparava na sala de aula, que continuava parada, igual.

Perceba, então, que uma das principais funções do material didático é, também, dinamizar a aula, aguçando a curiosidade do aluno e despertando sua atenção para o que vai ser tratado naquele momento. Claro que seu uso precisa ser planejado, bem-elaborado, preparado com antecedência.

Porém, como determinam as boas práticas didáticas, o planejamento das aulas pode — e deve — resultar em atividades flexíveis, no sentido de atender às demandas concretas dos alunos, fazendo uma ponte com os componentes curriculares, ainda que não previstos para aquele momento. Se analisarmos bem, veremos que é exatamente esse o caso da rosa.

E, assim como ela, vários são os elementos, os objetos presentes no nosso cotidiano que podem se transformar em ótimos recursos didáticos. Nos cursos de mecânica de automóveis, por exemplo, geralmente, durante as aulas expositivas, as peças de motores de carros vão sendo apresentadas, montadas e desmontadas para que o aluno consiga fazer as relações necessárias entre o que está sendo ensinado e o que precisa ser aprendido, entre teoria e prática, para que esse processo seja eficaz no desenvolvimento das habilidades básicas, essenciais à formação de um mecânico competente.

Nessa mesma linha de raciocínio, vários utensílios podem, dependendo dos objetivos da aula, tornar-se materiais didáticos. Uma aula sobre alimentação saudável, por exemplo, pode ser realizada, se não diretamente na cozinha, utilizando-se equipamentos próprios, incluindo, além de vasilhas e talheres, medidores de líquido e balança. O preparo de receitas saudáveis e alternativas, além de mudar os hábitos alimentares dos alunos, pode colocá-los em contato com os conhecimentos sobre medidas de capacidade (litro, mililitro) e de massa (quilo, grama), entre outros. Nesse caso, os utensílios de cozinha e os instrumentos de medição revestem-se de um caráter iminentemente didático, uma vez que atuam como mediadores das construções necessárias à aquisição daqueles conhecimentos.

Em seu ambiente de trabalho, há muitos instrumentos e ferramentas de uso voltados à manutenção e à conservação da infraestrutura escolar (equipamentos de limpeza, marcenaria, capina, etc.). Verifique quais deles poderiam ser utilizados pelos estudantes em uma atividade de educação ambiental, visando à economia de recursos naturais ou à preservação das áreas verdes da escola, por exemplo. Selecione o tema e os materiais a eles relacionados. Descreva de que forma poderiam ser empregados a fim de exercerem funções didáticas.

Principais recursos didáticos utilizados na Educação brasileira

Historicamente, no Brasil, as sucessivas reformas educacionais incluem materiais didáticos inovadores como exigência de novas filosofias e/ou metodologias de ensino que agreguem aos conceitos didáticos e pedagógicos a reformulação da prática docente. Em geral, tal reformulação prevê a adoção de novas técnicas, às quais se relacionam novos materiais e equipamentos.

Mas o que se tem, na verdade, são tentativas, de cima para baixo, e muitas vezes frustradas, de modernizar os processos sem levar em conta todos os elementos envolvidos. Talvez esse tenha sido um dos principais fatores que colaboraram para a subutilização dos recursos disponíveis nas escolas, na comunidade, na natureza. A produção de materiais e equipamentos didáticos deriva antes dos interesses dos fabricantes e dos fornecedores do que da necessidade dos educadores e dos educandos.

É, de certa forma, compreensível que tal coisa aconteça, pois já vivemos a experiência cotidiana em que a imposição impera em lugar das práticas democráticas e dialógicas. Dessa maneira, os resultados tendem a atingir padrões aquém das expectativas.

Em relação à Educação, a contextualização não apenas do currículo, mas, sobretudo, das estratégias a serem adotadas é cada vez mais necessária, tendo em vista o respeito às diferenças socioculturais e às demandas específicas de cada grupo que ocupa o espaço educacional.



Outro aspecto importante confirmado pelas práticas escolares é a introdução de um recurso didático — por mais desenvolvido tecnologicamente que seja, em qualquer época — não apresentar resultados instantâneos e automáticos nem no ensino nem na aprendizagem. Nesse sentido, apenas uma aplicação sistemática, ordenada, com ações bem planejadas, objetivos bem-definidos e respeito ao contexto educacional local podem promover, a médio prazo, as mudanças que os materiais e equipamentos didáticos têm em potencial.

Há de se levar em conta a participação dos diversos segmentos da comunidade escolar na construção das propostas pedagógicas, bem como na seleção das ferramentas adequadas às intervenções. Nesse caso, vale lembrar o papel fundamental que você, funcionário da escola, deve exercer a partir não somente da vivência como educador, mas também dos conhecimentos específicos adquiridos, que lhe conferem habilidades de técnico e gestor nesses processos.

Esses conhecimentos novos devem garantir sua efetiva participação, sobretudo no planejamento, no uso, na manutenção e na conservação dos equipamentos didáticos adequados para cada fim, a partir do planejamento das atividades pedagógicas elaboradas pelos professores, se possível em conjunto com você e com os outros técnicos da escola.

Para tanto, um conhecimento um pouco mais aprofundado sobre os materiais e equipamentos didáticos atualmente em uso nas nossas escolas é essencial. Veja, no quadro a seguir, a lista de recursos didáticos mais conhecidos no Brasil:

Álbum Seriado
Cartazes
Computador
Desenhos
Diorama
Discos
DVDs
Episcópio
Filmes
Data-show
Flanelógrafo
Fôlderes
Gráficos
Gravador
Gravuras
Televisão
Textos
Transparências
Varal Didático

História em Quadrinhos
Ilustrações
Jornais
Letreiros
Livros
Mapas
Maquetes
Mimeógrafo
Modelos
Mural
Museus
Quadro Magnético
Quadro de Giz
Reália
Retroprojetor
Slides
Revistas
Videocassete
Aparelho de DVD

Esses materiais e equipamentos são mais conhecidos por serem mais universais, ou seja, podem ser utilizados em todos os componentes curriculares e em todas as modalidades do ensino, além de terem um custo relativamente baixo. Alguns deles serão estudados mais detalhadamente.

Há, ainda, materiais específicos para etapas e modalidades de ensino específico, como é o caso dos equipamentos para creches e pré-escolas, para as diferentes idades e matérias dos ensinos Fundamental e Médio, para a educação profissional e para os portadores de necessidades educacionais especiais.

Aqui, você conheceu uma lista de materiais e equipamentos. Com base nas informações nela contidas, realize, na escola em que você trabalha, uma pesquisa sobre os materiais e equipamentos existentes. Relacione-os e verifique se estão identificados na lista daqueles mais populares e aponte a qual grupo de classificação cada um pertence.

Aponte, ainda, quais equipamentos relacionados no quadro — e não existentes na sua escola — você considera de extrema importância para a mediação do ensino-aprendizagem. Justifique sua escolha. Registre em seu memorial.

FREITAS, Olga. Equipamentos e Materiais Didáticos. Brasília: Universidade de Brasília, 2007.

Fonte: Maria Rosângela Mello – CRTE Telêmaco Borea.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

UM PASSO À FRENTE, OUTRO ATRÁS

DISPONÍVEL: http://cienciahoje.uol.com.br/alo-professor/intervalo/2014/12/um-passo-a-frente-outro-atras
ACESSO: 15/12/2014 as 07:09h
      
Projeto de lei que propõe a inserção da doutrina criacionista na grade curricular de ensino no país reacende polêmica sobre se considerar teoria científica e crença religiosa como formas de conhecimento equivalentes a serem apresentadas em sala de aula.
Por: Vera Rita da Costa
Publicado em 10/12/2014 | Atualizado em 10/12/2014
Um passo à frente, outro atrás
O projeto de lei de autoria do deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) que está em debate no Congresso
 propõe a obrigatoriedade do ensino do criacionismo nas redes pública e privada do país.
(foto: Roosewelt Pinheiro/ Agência Brasil)        
           
Quando, em outubro deste ano, o Papa Francisco reconheceu a evolução como “uma abordagem científica válida para o desenvolvimento dos humanos” e declarou não achar a teoria biológica da evolução e a crença criacionista visões excludentes, respirei um pouco aliviada. Não tanto pelo fato em si, mas porque pensei que finalmente alguém do campo religioso usava a terminologia correta (teoria para a visão científica e crença para a visão religiosa) – e que isso, por si só, já seria um importante passo para uma discussão mais ampla do que é ciência e do que é religião ou, ainda, para se diferenciar mais claramente os pressupostos em que cada uma dessas visões do mundo se baseia.
Mas minha alegria (ou ingenuidade) durou pouco. Não passou nem um mês para vir à tona a notícia do projeto de lei apresentado em novembro último à Câmara dos Deputados e no qual se propõe a inserção da “doutrina criacionista” na grade curricular das redes pública e privada de ensino do país, como alternativa ao ensino da “teoria do evolucionismo”.
Com isso, reacendeu-se a ‘velha fogueira’, alimentada pela falta de conhecimento e confusão entre o que é uma teoria científica e o que é uma crença religiosa. Ou, ainda, reeditou-se o equívoco de considerar que uma teoria científica (a da evolução) e uma crença (o criacionismo) são formas de “conhecimento” ou “disciplinas” equivalentes “cognitivamente” e que devem, por isso, ser apresentadas e debatidas de forma conjunta, por exemplo, nas aulas de ciências.

Ciência em debate?

Portanto, se você é professor de ciências e biologia, fique atento. Encontra-se em debate a questão. Também se encontram em foco a necessidade e a urgência de esclarecer o mais amplamente possível o que é a ciência e ‘como ela funciona’ – agora, inclusive, para os deputados integrantes da Comissão de Educação (CE) e da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara Federal, que deverão em breve analisar e decidir sobre o projeto apresentado.
Dê uma olhada aqui no que é proposto no projeto. O projeto de lei 8099/2014 é de autoria do deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), pastor do Ministério Catedral do Avivamento, e foi apensado (anexado) a outro projeto de lei (PL 309/2011), também de sua autoria, que propõe a obrigatoriedade do ensino religioso nas redes públicas de ensino do país.
O argumento central do projeto 8099/2014, agora proposto, é a ideia de que a liberdade de consciência e de crença, definida na Constituição, está sendo burlada por não se incluir e garantir que o criacionismo esteja presente em nossa educação básica, lado a lado com a teoria evolucionista, uma vez que ele já é, segundo afirmativa do deputado, a crença da maioria da população brasileira e defendido e ensinado pela maioria das religiões em nosso país, entre as quais a católica e as chamadas evangélicas.
O que se requer – explica Marco Feliciano na justificativa de seu projeto – não é, portanto, a supressão da teoria evolucionista dos currículos escolares, mas a inclusão da doutrina criacionista, para permitir “alternância de conhecimento de fonte diversa a fim de que o estudante avalie cognitivamente ambas as disciplinas”.

Reação ao projeto de lei

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) reagiu prontamente e de forma contrária à proposta apresentada por Marco Feliciano. Também o fez a Associação Brasileira de Ensino de Biologia (Sbenbio) e a Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (Abrapec).
Segundo a SBPC, a proposta contém equívocos graves e argumentos falsos, entre os quais a ideia de que, ao se tornar obrigatório o ensino do criacionismo nas escolas da rede pública e privada, “a liberdade de crença dos alunos” estará sendo preservada.
Ao contrário disso, a SBPC entende que, ao se introduzir a obrigatoriedade do ensino do criacionismo nas escolas, se estará violando a liberdade de crença daqueles alunos que não compartilham da crença criacionista, mas estarão obrigados a estudá-la.
O Brasil, lembra a SBPC na carta enviada aos congressistas (cuja íntegra você pode ler aqui), é um Estado laico – garante a separação entre Estado e religião e não possui uma religião oficial. A liberdade de crença religiosa está assegurada em nosso país a todo cidadão pela Constituição Federal, uma vez que o ensino religioso, como também previsto e regulamentado em nossas leis, é matéria facultativa às escolas e, quando oferecido, deve ser capaz de assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa do país, ser de livre adesão e livre presença aos alunos. Tornar obrigatório o ensino do criacionismo, mesmo no âmbito do ensino religioso seria, portanto, inconstitucional e uma violação à liberdade de crença já assegurada pela Constituição e demais leis, defende a SBPC.

Evolução não é crença

Outro equívoco também apontado pela SBPC no projeto de lei apresentado por Feliciano é a tentativa de equiparar a teoria da evolução e o criacionismo, conferindo-lhes um mesmo status cognitivo e considerando-os visões de mundo opostas e excludentes, a ponto de serem apresentadas e discutidas conjuntamente, por exemplo, nas aulas de ciências.
“A teoria da evolução não é crença, é ciência” e “o criacionismo não é ciência, é crença”, esclarece a SBPC em sua carta aos congressistas.
Professor de ciência
O projeto de lei defende que teorias científicas e crenças são formas de “conhecimento” equivalentes
 “cognitivamente” e, por isso, devem ser apresentadas de forma conjunta nas aulas de ciências.
(foto: Roosewelt Pinheiro/ Agência Brasil)
Como teoria científica, explica a SBPC, a teoria da evolução está baseada em observações e experimentos realizados em uma ampla gama de disciplinas científicas. Além disso, atende às premissas da ciência e tem sido testada ao longo dos anos, confrontada com os fatos e corroborada por evidências científicas acumuladas. O criacionismo, por sua vez, não satisfaz a essas condições essenciais. Não pode ser testado, refutado, confrontado com a realidade por meio de observações e experiências ou ter verificadas as suas afirmações. Encontra-se, sobretudo, baseado em valores morais e éticos, constituindo-se em uma crença.
É, portanto, justamente por terem “naturezas e critérios de análise distintos”, que a SBPC não considera adequado apresentar crenças criacionistas em aulas de ciências, lado a lado à apresentação da teoria da evolução biológica. O ensino de “conceitos não-científicos” nas aulas de ciência apenas irá “confundir os estudantes quanto aos processos, natureza e limites da ciência”, considera a Sociedade.
Também a Sbenbio e a Abrapec, associações que reúnem pesquisadores e professores ligados ao ensino de ciências e biologia, se manifestaram contrárias ao projeto apresentado por Marco Feliciano.
Em carta aberta, assinada conjuntamente e divulgada em 24 de novembro, as entidades alertam, como o fez a SBPC, para a inconstitucionalidade do projeto e argumentam a favor da necessidade de se diferenciar ciência e crença. Mas, além disso, tecem duras críticas ao que chamam de “falsos argumentos” que embasam o projeto de lei apresentado por Marco Feliciano.
Segundo a Sbenbio e a Abrapec, não é correto, por exemplo, afirmar, como se faz no projeto, que o ‘pertencimento religioso’ e a própria doutrina criacionista não encontram condições de se expressar no ambiente escolar. Quem conhece “minimamente a realidade escolar”, alegam as entidades, sabe que “diferentes pontos de vista religiosos (e muitos de outra natureza) já se fazem presentes na maioria das salas de aula de diversas maneiras”, uma vez que constituem “inquietações e visões de mundo” dos alunos.
Ao contrário do que se proclama no texto do projeto de lei PL8099/2014, a Sbenbio e a Abrapec consideram que o que está em jogo agora não é a garantia do debate saudável entre religião e ciência ou a defesa da pluralidade, que já existiria na maioria das escolas, inclusive, nas aulas de ciências. Mas a “tentativa de ingerência indevida do proselitismo religioso na educação básica pública e privada” do país ou, ainda, de “ocupação por movimentos religiosos institucionalizados dos mais diversos espaços (a escola e seu currículo são apenas alguns deles)”, a fim de angariar mais seguidores.
Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Vivendo e Aprendendo ou Vivendo e Resolvendo?

ACESSO: 11/ 11/ 2014
 
Surpreendidos cotidianamente por problemas, tentamos buscar uma solução para eles. Explorar essa habilidade pode ser muito útil no ensino de ciências, sugere bióloga e educadora.
Por: Vera Rita da Costa
Publicado em 07/11/2014 | Atualizado em 07/11/2014
 
Viver é resolver
Em nosso cotidiano, somos desafiados constantemente a tomar decisões e a fazer escolhas. Por isso, faz todo o sentido investir em um ensino de ciências baseado na resolução de problemas. (foto: Elke Rohn/ Freeimages) 
        Mesmo sem conhecer você pessoalmente, não corro risco ao afirmar que o seu dia a dia, assim como o de outros leitores destas linhas, é cheio de problemas a serem resolvidos. Você pode não ter consciência ou não se dar conta deles, mas isso não quer dizer que eles não estejam presentes. Do despertar ao adormecer, “viver é resolver problemas”.
Não sei exatamente quem afirmou isso, mas sei que desde que ouvi essa frase pela primeira vez firmou-se em mim a ideia de que ela tem tudo a ver com o que imagino que é a ciência e com o que deveria ser o ensino de ciências. Pense por um instante. Em nosso cotidiano, nos deparamos com inúmeras situações sobre as quais precisamos tomar decisões (conscientes ou não). É preciso acordar, é preciso achar onde estão os sapatos, depois calçá-los, alimentar-se, trabalhar, assim como é preciso seguir em frente, com tudo o que isso possa significar. Em todos esses casos, somos desafiados a tomar decisões. E o mesmo acontece em todas as outras situações imagináveis, sejam elas as mais simplórias e cotidianas ou as mais complexas e inusitadas. Lidar com problemas parece, portanto, ser da nossa ‘natureza’. Ou, em outras palavras, parece que somos dotados evolutivamente de habilidades que nos permitem lidar de maneira básica e essencial com as questões que o mundo nos coloca. Diante das situações que se apresentam a todo o momento, observamos, analisamos e concluímos, agindo em função de um roteiro básico e essencial que em muito se parece com aquele praticado em ciência. Mas, nessas atividades corriqueiras, nem sempre nos damos conta de que usamos esse mecanismo básico de reflexão e ação sobre o mundo e sobre as questões que ele nos apresenta. E, talvez por isso, muita gente ache que fazer ciência é algo exclusivo de um grupo excepcional de pessoas.
        O fato, no entanto, é que, em essência, todos somos cientistas. Podemos não ser profissionais e não fazer isso de maneira sistematizada. Mas é inegável que somos todos surpreendidos por questões e por problemas e buscamos criativamente (em maior ou menor grau) soluções para eles.
Tudo bem que em muitas situações também agimos de maneira não necessariamente reflexiva. Para resolver determinadas questões, por exemplo, recorremos a ‘respostas prontas’ ou a soluções já estabelecidas e herdadas culturalmente, lançando mão desse também poderoso mecanismo de enfrentamento de problemas e busca por respostas.
Folha de caderno
Embora recorrer às ‘respostas prontas’ seja um mecanismo rápido e acessível, seria melhor que nossos alunos aprendessem a pensar em soluções diferentes para as situações que surgem. (foto: Bethany Carlson/ Freeimages)Adicionar legenda
        Mas é interessante pensar que, embora recorrer às ‘respostas prontas’ seja um mecanismo facilmente disponível e rápido para lidar com as questões que surgem, ele não é único e exclusivo. Convive com outro, o qual nem sempre valorizamos, mas que, se aprendido e desenvolvido, poderia nos tornar ainda mais eficientes na resolução de problemas.
Percebeu, portanto, a ligação existente entre as nossas (possíveis) formas de pensar e lidar com os problemas do mundo e sua relação com o ensino de ciências?

Pronto ou por fazer?
        Podemos recorrer às ‘respostas prontas’, aquelas já instituídas, obtidas de maneira pragmática (por tentativa e erro, por exemplo), intuitivamente ou herdadas por tradição, baseadas em mitos e crendices. Esse é um caminho curto e rápido, nem sempre confiável, mas que sem dúvida leva também a respostas e soluções. Mas podemos, também, recorrer à produção de novas respostas, em um processo em que é preciso colher dados, organizá-los, compará-los, formular hipóteses, planejar situações, testar, recoletar dados, reorganizá-los, testá-los novamente etc. etc. etc., até se chegar ao ponto de concluir ou poder afirmar algo.
      É evidente, no entanto, que essa segunda opção ou forma de lidar com problemas é um caminho muito mais longo e cansativo, mesmo que seja percorrido apenas mentalmente.
Pensar e fazer por conta própria leva mais tempo e dá muito mais trabalho do que se valer do que se encontra pronto – e de certa forma todos sabemos disso, a ponto de, tendo oportunidade, recorrer sempre ao caminho mais curto e fácil, que leva ao já estabelecido.
Buscando relacionar essas questões à atual situação de nossa educação, em especial de nosso ensino de ciências, vejo, portanto, que nos encontramos em uma encruzilhada que contempla essas duas formas de pensar e agir disponíveis aos humanos. É preciso decidir entre apresentar o ‘prato pronto’ aos alunos ou incentivá-los e auxiliá-los no exercício da busca incerta por novas respostas. Entre incentivá-los (e a nós também) no uso de uma forma de pensar ‘econômica’, que se contenta em assimilar e reproduzir o conhecimento já instituído, e outra mais ‘dispendiosa’ (pelo menos em termos de tempo e trabalho), que se dispõe a gerar novos conhecimentos.Tradicionalmente, as apostas do ensino de ciências recaíram na primeira opção: oferecer respostas prontas aos alunos, inclusive, aquelas estabelecidas pela própria ciência. Apresentavam-se (e apresentam-se ainda) nas nossas aulas apenas os conceitos, as teorias, as descobertas e os pensamentos formulados por outros. Em linguagem popular: oferecemos aos nossos alunos o ‘prato pronto’ da ciência. Mais recentemente (e isso desde pelo menos o movimento da Escola Nova, ou seja, há mais de meio século), a segunda opção entrou para o cardápio. Começou-se a investir no desenvolvimento da iniciativa, da autonomia, da criticidade ou, ainda, a se falar em um ensino focado em habilidades e competências e voltado à resolução de problemas.
     Por muito tempo pensei que essas expressões eram vazias de significado. Mero jargão pedagógico. Mais recentemente, no entanto, sobretudo depois de ouvir a expressão “viver é resolver problemas”, passei a reconsiderar essa minha visão crítica e ácida das novas tendências no ensino de ciências.
     Afinal, se estar vivo é ter que lidar com problemas, de fato faz todo o sentido investir em uma educação baseada na resolução de problemas que não se valha simplesmente das respostas prontas e estabelecidas. Também faz sentido investir no ensino e na aprendizagem das habilidades que podem nos tornar competentes nesse quesito. Se viver é resolver problemas, ensinar e aprender meios de se lidar com eles de maneira mais eficiente (objetiva e racional) parece indicar uma boa direção para o ensino de ciências. Não?
 
Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

CONTEÚDO FRAGMENTADO....DISCIPLINAS SURDAS E e MUDAS UMAS EM RELAÇÃO AS OUTRAS

DISPONÍVEL: http://cienciahoje.uol.com.br/alo-professor/intervalo/2014/10/colcha-de-retalhos
ACESSO: 03/11/2014(adaptado)


Cursos livres disponíveis na internet ministrados por pesquisadores brasileiros permitem costurar noções científicas muitas vezes apresentadas de forma fragmentada pelo ensino formal, dando uma visão ampla e reflexiva do conhecimento.
Por: Vera Rita da Costa
Publicado em 01/10/2014 | Atualizado em 01/10/2014
      Na era da informação, há vantagens para quem é professor ou está diretamente ligado ao ensino. A mais evidente é a possibilidade de ter acesso franqueado a muita informação e poder se atualizar ou aprender sobre novos assuntos, os mais variados possíveis. Em outras palavras, é possível fazer o que todo bom professor gosta: aprender para ensinar, cada vez mais e melhor. Mais vantajosa ainda é a possibilidade de se valer das plataformas livres de aprendizagem, nas quais se pode realmente ser autodidata, sem necessariamente se manter um vínculo formal, cumprir prazos predefinidos, ter que atender demandas determinadas por outros ou arcar com custos que costumam ser exorbitantes para o minguado salário de professor em nosso país. É de fato muito bom poder aprender por conta própria, sem risco, sobretudo, de cair em certas ‘arapucas comerciais’ que, visam em geral a apenas lucrar sobre a demanda atual que recai sobre os profissionais da educação para se atualizarem.

Dica

      Além do Veduca, portal na internet que tem reunido e disponibilizado aulas e cursos de universidades e institutos estrangeiros e nacionais. Agora, a dica é : queremos incentivar você a fazer um passeio virtual e conhecer os cursos livres disponíveis na Univesp TV, canal de comunicação da Fundação Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp).
Valerá a pena. Certamente, você ficará encantado com a variedade de temas e possibilidades apresentados. Para quem é professor de história ou interessado na área, por exemplo, há cursos livres sobre a história do Brasil colonial, da América independente, das relações internacionais, da Grécia antiga, de São Paulo e da arte. E, em cada um desses cursos, há muita coisa boa e interessante, em aulas oferecidas de primeira mão por quem é professor e pesquisador da área nas melhores universidades do país. Mas, talvez, a sua área de atuação ou interesse não seja a história. Se for, por exemplo, ciências da natureza, também há muito o que aprender na Univesp TV. É possível ver aulas, cursos, livros e ciclos de conferência, que abordam vários temas relacionados à oceanografia, à astronomia, à física geral e às geociências, entre outros.
       Se você é professor de ciências, procure, em especial, assistir aos cursos ‘Sistema Terra’ e ‘Mudança climática global’.
       O primeiro deles é composto pelas aulas que integram a disciplina Sistema Terra, oferecida aos alunos do primeiro ano do curso de Licenciatura em Geociências e Educação Ambiental, do Instituto de Geociências da USP (IG/USP), e ministrada pelos professores Wilson Teixeira, Paulo Boggiani e Veridiana Martins, pesquisadores do próprio IG/USP.
        Além de fornecerem informações que permitem, de fato, se atualizar em relação às teorias mais aceitas sobre a origem, a constituição e o funcionamento do planeta em que vivemos, esses cursos chamam a atenção também pelo esforço em buscar apresentar a informação científica mais atualizada sobre a Terra e as mudanças a que ela está submetida em uma abordagem mais integrada, dinâmica e sistêmica.

Convite à reflexão

        Os professores não se contentam apenas em fornecer informações variadas e originárias das diferentes áreas do conhecimento, mas buscam também exercitar o indispensável e saudável hábito científico de refletir sobre diferentes aspectos, buscar relações e tentar estabelecer novas sínteses – uma atitude que, convenhamos, embora seja ideal, não é a mais comum em ciência, inclusive, na nossa formação de professores ou em nossas salas de aula.
         No ensino de ciências, de modo geral, da educação infantil à pós-graduação (incluindo, portanto, a formação de nossos professores de ciências), impera a fragmentação. Somos todos apresentados a informações, ideias e conceitos os mais variados possíveis, mas de forma dispersa, estanque e compartimentalizada, em um processo que se acentua conforme se avança na escolarização e que torna, cada vez mais, as disciplinas científicas – e as suas temáticas isoladas – surdas e mudas umas em relação às outras.
          A ciência perde assim seu lado mais encantador, uma vez que ela é apresentada em fragmentos, como se fossem retalhos de uma linda e enorme colcha que nem ao menos sabemos existir. De vez em quando, no entanto, travamos contato com alguém que nos ajuda a tecer a costura entre alguns desses fragmentos e a antever a beleza possível do conjunto. Esse é o caso desses cursos. Também é um dos maiores méritos de um bom professor de ciências, sobretudo nesta era da informação.
         Estando os retalhos mais disponíveis, torna-se cada vez mais urgente ensinar os alunos a selecioná-los, a unir aqueles possíveis e a ganhar gosto por admirar o conjunto. De outro modo, a informação, dispersa e fragmentada, como em geral nos é fornecida, é apenas como uma colcha em frangalhos: não serve a muita coisa nem interessa a muita gente.
Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP

E A DECOREBA....EM TEMPOS MODERNOS AINDA FUNCIONA?

DISPONÍVEL: http://cienciahoje.uol.com.br/alo-professor/intervalo/2014/10/o-dilema-da-decoreba
ACESSO: 03/11/2014


O foco do nosso processo de ensino e aprendizagem ainda recai demais na memorização de informações. Educadora questiona se essa regra deve ser mantida, ou se devemos usá-la apenas em casos específicos.
       
Por: Vera Rita da Costa
Publicado em 29/10/2014 | Atualizado em 29/10/2014
O dilema da decoreba
O caráter enciclopédico de nosso ensino pode acabar afastando os estudantes do interesse e da busca pelo conhecimento. Qual o objetivo de decorar, por exemplo, os afluentes do rio Amazonas ou as fases da mitose?
(foto: Freeimages/ Picaland)        
            Uma das grandes lástimas do ensino é o caráter enciclopédico e decorativo que ele pode assumir. E também o desgosto e o desânimo que isso pode causar, afastando por longo tempo, talvez por uma vida toda, a pessoa da busca e do mundo fascinante que leva ao conhecimento.
Lembre-se do seu tempo de escola. Certamente você tem um caso para contar. Muito provavelmente, foi obrigado a decorar, em geografia, os afluentes da margem direita e esquerda do rio Amazonas ou, em língua portuguesa, as preposições essenciais. Em última instância, caso não tenha caído em nenhuma das ciladas, não deve ter se livrado da ‘sagrada tabuada’, que precisava ‘estar na ponta da língua’.
            No meu caso, por exemplo, fui vítima de todas elas. Sei de cor os afluentes da margem direita (Javari, Jutaí, Juruá, Madeira...) e esquerda (Negro, Jari, Paru...) do rio Amazonas. Sei também as preposições essenciais (a, ante, até, após, com, contra ...) e a tabuada completa, inclusive a do nove. Mas, nenhuma dessas ‘decorações’ me incomoda tanto como ter sido induzida a memorizar a tabela periódica.
            Isso mesmo! Você pode não acreditar, mas fui levada a isso por um professor de química do ensino médio que achava fundamental ter 'na ponta da língua’ a sequência dos grupos (metais alcalinos; alcalinos terrosos, de transição...), bem como memorizar a posição e os respectivos números atômicos de cada elemento. “A tabela periódica – dizia ele – é a tabuada da química e tem que estar decoradinha como ela.”

Tabela e tabuada

         Não sou tão velha assim. Isso ocorreu há cerca de 30 anos e, no passo em que as coisas andam em educação, imagino que isso ainda possa acontecer em nosso vasto e diversificado sistema de ensino. Se não com a química, talvez com outras disciplinas. Se não com temas como a tabela periódica, talvez com alguns tidos como mais atuais.
Em biologia, por exemplo, sei que ainda se manda (ou se aconselha – esse termo é melhor para os tempos modernos) os alunos decorarem a sequência das fases da mitose (prófase, metáfase, anáfase e telófase) com a famosa frase mnemônica: “prometa à Ana telefonar”.
         Ou seja, fico aqui martelando os meus pensamentos e refletindo sobre o fato de que as coisas podem estar mais amenas ou mais ‘pedagogicamente corretas’ em nossa educação formal, mas que decorar ainda está muito presente em nossas escolas.
O foco do nosso processo de ensino e aprendizagem ainda recai demais na assimilação e memorização de informações. As questões que coloco sobre isso são: deveria ser mesmo assim ou, pelo menos, em que casos isso ainda deveria acontecer?
Tabela periódica
Memorizar a sequência dos grupos, a posição e os números atômicos de cada elemento da tabela periódica pode ser contraproducente. Mais importante do que assimilar informações é aprender a lidar com elas.
(imagem: Wikimedia Commons)Adicionar legenda
        Talvez se justifique, por exemplo, saber a tabuada de cor, pois não é sempre que temos à mão uma calculadora (fato que, no entanto, está mudando com a invenção do telefone celular e seus aplicativos). Além disso, sempre é bom saber fazer ‘contas de cabeça’, sobretudo para quem vive em meio urbano, em que as relações de consumo regem praticamente todas as situações diárias.
Mas o que dizer de saber de cor os afluentes da margem direita e esquerda do Amazonas, as preposições essenciais, as fases da mitose e a própria tabela periódica? Não parece um exagero injustificável? Em relação a esses temas, tenho minhas dúvidas. Não que eles não sejam interessantes ou que não devam estar presentes em nossas aulas. Ao contrário, sobre muitos desses temas precisamos ter informações, saber discutir e até opinar.

Qual o critério?

         Sobre a geografia do Amazonas, por exemplo, é necessário saber em detalhe as características da bacia hidrográfica amazônica para se compreender e opinar adequadamente sobre os projetos hidrelétricos que se pretende realizar lá. Sobre a mitose, também: quanto mais se conhecer sobre esse processo de divisão celular, inclusive as fases e a sequência de mecanismos associados a ele, melhor se compreenderá o que é o câncer, como ele se espalha pelo corpo e como agem as terapias que o combatem. O mesmo vale para os elementos químicos e a tabela periódica em si.
          Não me parece justo, portanto, julgar os temas de conhecimento e tentar decidir se são mais ou menos válidos, mais ou menos úteis. A questão central está mais na forma como ensinamos e aprendemos esses temas e, principalmente, no que desejamos para a educação de nossos filhos e alunos. Queremos que eles apenas assimilem informações ou, mais que isso, que também a compreendam e saibam lidar com ela?
          Há um degrau significativo que separa ter informação (ser bem informado) e ter conhecimento (saber usar a informação e ser conhecedor, de fato, das coisas). Mas, em nosso dia a dia atribulado, nem sempre nos damos conta disso e é comum que acabemos valorizando, induzindo e, em algumas situações mais graves, cobrando e avaliando nossos filhos e alunos pelo que não é o mais importante.
Meu professor de química do ensino médio, por exemplo, esqueceu-se de contar a incrível história de construção da tabela periódica; de usar a história de Dmitri Mendeleiev (1834-1907) como exemplo para transmitir uma vívida sensação de como se age em ciência ou, ainda, de exemplificar com esse caso como a obtenção de dados, sua organização e sistematização são valiosas ferramentas na busca pelo conhecimento, podendo levar a sínteses brilhantes, a previsões e a novas descobertas científicas. Isso poderia ter me animado em relação à química.
       Mas, embora sério e dedicado, meu professor de química se preocupou, sobretudo, com que assimilássemos a informação literal que se encontra na tabela periódica e nos incentivou a decorá-la sem qualquer compreensão de nível um pouco mais avançado. Mesmo sem o querer, restringiu, assim, o foco de seu ensino (e da minha aprendizagem) a uma visão medíocre da química, e fez com que, durante muito tempo, cada pequeno quadradinho da tabela periódica se apresentasse para mim como nada mais que a representação de um elemento químico – seu símbolo, nome e peso atômico –, sem qualquer relação com o que estava por traz da tabela, o mundo vívido da química.
         Hoje não precisa ser mais assim. A informação está amplamente disponível e temos recursos muito bacanas para acessá-la.
        Dê uma olhada, por exemplo, na tabela periódica interativa que a fundação Technology, Entertainment, Design (TED), por meio de sua área voltada à educação, a TED-Ed, acaba de disponibilizar na internet. Nela, cada pequeno quadradinho da tabela periódica abre-se, como uma janela, para vídeos sobre cada um dos elementos. São 118 vídeos. Informação e explicações à beça.
Se meu professor de química fosse vivo, o que pensaria sobre isso? O que diria sobre o ensino? Insistiria em que a tabela periódica é a “tabuada da química” e precisa ser decorada ou me ajudaria a descobrir seus mistérios?
         Como era um professor interessado, imagino que tomaria o segundo caminho. Acho que se debruçaria sobre a tabela periódica comigo e me auxiliaria a pensar sobre ela, fazendo relações que hoje, justamente porque perdi tempo na adolescência decorando a própria tabela, além dos afluentes das margens do rio Amazonas, nem suspeito que existam.
Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Treinamento avançado: Plataforma on-line utiliza recursos de games para motivar alunos a estudar conteúdo de disciplinas do ensino médio

DISPONÍVEL: http://revistapesquisa.fapesp.br/2014/08/21/treinamento-avancado/
ACESSO: 28/10/2014


     Uma plataforma on-line chamada Meu Tutor, criada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) com foco na preparação e treinamento de alunos que irão se submeter ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), tem se expandido rapidamente e recebido um expressivo fluxo de adesão. Somente entre abril e junho deste ano, o número de usuários ativos da plataforma, que pode ser acessada pela internet ou pelo Facebook, saltou de 5 mil para 10 mil. O Meu Tutor disponibiliza os conteúdos de todas as disciplinas abordadas no Enem por meio de mecanismos de recompensa como pontuação, níveis a serem atingidos, rankings e missões a serem cumpridas pelos participantes. E também permite fazer os simulados do exame nacional. Para que o estudante se sinta motivado, ele é desafiado e quando vence ganha bonificações em prêmios virtuais.
     Os pesquisadores trabalharam com três conceitos no desenvolvimento da ferramenta. Um deles é a aprendizagem personalizada, em que o ritmo é ditado pela dificuldade do aluno em assimilar a disciplina. “O conteúdo é adequado às necessidades de cada aluno”, diz o professor Seiji Isotani, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP de São Carlos, um dos criadores da ferramenta. A motivação é outro elemento utilizado no processo. “Um aluno que não está engajado e comprometido com a sua própria educação não aprende. Para mudar esse quadro, utilizamos de maneira inteligente técnicas de games para motivar o aprendizado on-line”, diz o pesquisador. “Essa é uma das características inovadoras que diferenciam o projeto.” A plataforma educacional também aposta na aprendizagem social ao formar grupos colaborativos, em que o conhecimento e as experiências são compartilhados. Além disso, há também a preocupação de propiciar uma aprendizagem personalizada, adequando o conteúdo às necessidades específicas de cada aluno. Na avaliação de Isotani, a inovação tecnológica pode melhorar o processo de ensino e aprendizagem de forma a aumentar a motivação e o rendimento dos alunos, o que resultará na melhora de índices escolares em avaliações nacionais e internacionais.
     Uma startup, sediada na Ufal, foi criada em 2012 com o objetivo de trabalhar na ferramenta e dar continuidade a novos projetos de uso da plataforma em trabalhos educacionais. Ela foi premiada na Olimpíada USP de Inovação 2014 na categoria Empresa Nascente e também recebeu neste ano o prêmio Alagoano Empreendedor Inovador. Atualmente é cobrada uma mensalidade de R$ 9,90 para cada aluno cadastrado. “Ao se cadastrar, ele pode fazer o treinamento em todas as disciplinas dadas no ensino médio e realizar simulados do Enem”, diz Isotani. Caso o foco do aluno seja apenas matemática, ele pode usar a ferramenta livremente, sem pagar nenhuma taxa.
 
Parceria universitária
     A ideia de criar uma empresa para produzir plataformas educacionais surgiu em 2007, durante um congresso. Na ocasião, Isotani, que estava terminando o seu doutorado na área de computação aplicada à educação na Universidade de Osaka, no Japão, conheceu o também pesquisador Ig Ilbert Bittencourt, atualmente professor na Ufal. “Vimos que havia um grande potencial de uso de tecnologias inteligentes no processo de aprendizagem e pouca coisa desenvolvida no Brasil”, relata. “Decidimos então abrir uma empresa para suprir essa lacuna.”
     As pesquisas são realizadas em conjunto entre as duas universidades, com o envolvimento de 10 alunos de mestrado e doutorado atualmente. Na empresa outras 10 pessoas trabalham no desenvolvimento de softwares. “A plataforma que criamos pode ser utilizada em diferentes domínios”, diz Isotani. O grupo de pesquisa está trabalhando agora no Meu Tutor Prova Brasil – avaliação em larga escala aplicada aos alunos de 5º a 9º ano do ensino fundamental nas redes municipais, estaduais e federais – e outras frentes estão sendo estudadas, como o treinamento de pessoas em empresas.
     Segundo Isotani, o mercado de aplicativos e softwares educacionais tem registrado crescimento no Brasil. Ele cita dados apresentados em um estudo realizado em parceria pelas empresas Inspirare e Potencia Ventures, intitulado “Oportunidades em educação para negócios voltados para a população de baixa renda no Brasil”, que mostram um mercado potencial de R$ 60 bilhões para a educação, sendo que cursos, games e softwares representam 78% desse mercado potencial.
     Uma das principais linhas de pesquisa no Laboratório de Computação Aplicada à Educação do ICMC, que tem Isotani como um dos coordenadores, é a formação de grupos de aprendizagem e uso de dispositivos móveis no ensino. Na sua avaliação, para que os alunos aprendam de maneira colaborativa, a seleção dos grupos não pode ser baseada em afinidades entre os participantes, nem o ambiente de ensino deve estar restrito a uma sala de aula. “Nesses casos, os conflitos, que contribuem para novas ideias e aprendizados, quase sempre são evitados.” Entre os critérios a serem levados em conta para a criação de grupos com bons resultados estão alunos com níveis de conhecimento variados, para garantir que o grupo seja o mais heterogêneo possível, além de aspectos culturais, socioeconômicos e motivacionais dos participantes. A partir da identificação dessas características os pesquisadores criam algoritmos – sequências de comandos passadas para o computador – para que esses grupos sejam formados da melhor forma possível em ambientes apoiados por dispositivos móveis como tablets e celulares.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

CONVICÇÕES e CRENDICES

ACESSO: 27/10/2014
Educadora recomenda livro que mostra como o cérebro constrói nossas crenças e as transforma em verdades, e constata quão árdua é a tarefa de substituir ideias preconcebidas baseadas no conhecimento intuitivo pelas de caráter científico.
Por: Vera Rita da Costa
Publicado em 23/10/2014 | Atualizado em 23/10/2014
Acabo de ler um interessante livro que todo professor de ciências deveria conhecer. Trata-se de Cérebro e crença, de Michael Shermer, historiador da ciência, editor e fundador da revista Skeptic e colunista da Scientific American.
O porquê dessa indicação? É simples e se encontra no próprio subtítulo da publicação, o qual informa que o objetivo da obra é justamente discutir ‘como nosso cérebro constrói nossas crenças e as transforma em verdades’.
Em outras palavras, mais próximas do universo pedagógico, o livro trata, indiretamente, sobre por que é tão difícil ensinar ciências e promover em nossos alunos a substituição das ideias preconcebidas, baseadas em geral no conhecimento de senso comum, intuitivo e cotidiano, por aquelas de caráter científico.
Pesando melhor, a leitura de Cérebro e crença não interessaria apenas a professores de ciências. Mas a todos, principalmente nestes tempos bicudos em que, escudados pelo distanciamento físico que as redes sociais propiciam, promovem-se na internet discussões virtuais e virulentas sobre tudo.
Com a leitura deste livro, seria possível refletir melhor e ponderar sobre a origem e a racionalidade das próprias ideias, antes de defendê-las a qualquer custo ou de combater com unhas e dentes aquelas que lhes são diferentes ou opostas.
Seria possível perceber, por exemplo, que muitas das convicções que se tem são apenas racionalizações pessoais ou versões próprias a que se chegou por uma grande variedade de razões, nas quais se incluem fatores como a personalidade e o temperamento, a dinâmica familiar e o ambiente cultural com que se convive, além das experiências de vida acumuladas.
Nossas convicções, como diz o autor, não necessariamente estão baseadas apenas em fatores relacionados à inteligência, à escolarização ou ao nível de informação que pretensamente julgamos ter. Também não se baseiam em uma análise imparcial de prós e contras ou no uso da lógica e da razão para definir e escolher os fatos que as apoiam.
A maioria de nós, a maior parte do tempo, como nos informa Shermer, fundamenta suas opiniões e crenças em fatos filtrados pelo cérebro através das “lentes coloridas de visões de mundo, paradigmas, teorias, hipóteses, conjeturas, pistas, tendências e preconceitos que se acumulam durante a vida”.
Em ‘pedagogês’, diríamos que nosso conhecimento se baseia muito mais em formas de pensamento e aprendizagens implícitas do que em formas explícitas, racionais e lógicas, como é característico do pensamento científico.
Por isso, como dizem Juan Ignácio Pozo e Miguel Crespo em seu livro A aprendizagem e o ensino de ciências – do conhecimento cotidiano ao conhecimento científico, a aprendizagem de ciências é tão difícil. Para se concretizar, ela exigiria uma mudança conceitual profunda, com a substituição do conhecimento de caráter cotidiano e implícito por aquele científico e reflexivo. Ou, pelo menos, como defendem certos autores, que o aprendiz reconheça a existência desses dois diferentes tipos de conhecimentos e aprenda a ativá-los em diferentes momentos e situações, de acordo com o contexto e a necessidade.

Truques cerebrais

Mas, voltando ao livro de Shermer, é interessante acompanhar as informações e a argumentação que ele usa para mostrar que somos ‘viciados’ em selecionar, entre todas as informações e fatos com os quais travamos contato, apenas aqueles que confirmem o que já acreditamos, ignorando ou afastando mediante racionalização aquilo que contradiz nossas crenças. Com isso, diz o autor, tornamo-nos mais e mais seguros e convictos de nossas posições. Tornamo-nos, também, mais e mais refratários a ideias diferentes e menos permeáveis às propostas de mudanças.
As ideias expressas em Cérebro e crença estão baseadas em pressupostos das neurociências e da biologia evolutiva e, dentro desta, em uma área que vem sendo chamada de ‘biologia da crença’.
Nuvens
Quando identificamos rostos humanos em nuvens, estamos diante da tendência de nosso cérebro à ‘padronicidade’ – a tentativa cerebral de encontrar e reconhecer padrões onde na verdade não existem. (foto: Grażyna Suchecka/ Freeimages)
Um desses pressupostos é a ideia de ‘padronicidade’, segundo a qual nosso cérebro estaria “pré-programado pela evolução” para reconhecer padrões e agir com base neles. Outro é a ideia de ‘acionalização’ ou a tendência que nosso cérebro possui de também forjar justificativas que validem esses padrões e os transformem em crenças.
A ‘padronicidade’, como explica Shermer, é uma característica adaptativa que conferiu à nossa espécie vantagens evolutivas, entre as quais a rapidez de pensamento e ação.
Somos tão ‘apegados’ a certos padrões e ‘viciados’ em reconhecê-los, informa o autor, que nos arriscamos a encontrá-los rapidamente onde não existem, ou tentamos enquadrar fatos neles, de forma a torná-los significativos, mesmo quando não o são.
Quando, por exemplo, identificamos rostos humanos em nuvens e paisagens, estamos frente a frente com a tendência de nosso cérebro à ‘padronicidade’ ou, ainda, diante de uma reação mental ‘automatizada’ de reconhecimento de padrões faciais e da imagem humana, onde, de fato, eles não existem.
A ‘acionalização’, por sua vez, está relacionada à tendência do cérebro humano de completar informações, inferir, deduzir e criar enredos apenas com base em fragmentos da realidade.
Como explica Shermer, além de buscar sempre filtrar os dados, segundo os padrões pré-existentes e que lhe são mais facilmente reconhecíveis, o cérebro humano também tem a tendência de acomodar ou adaptar o que é novidade a esses padrões e modelos já conhecidos.
O cérebro acaba, assim, ‘editando’ as informações que recebe, complementando-as, realçando aquelas que conferem com os padrões que já possui e reinterpretando-as a sua maneira própria. Dessa forma, acaba também por justificar e validar as ideias e modelos preexistentes, em um processo de retroalimentação e reforço de ideias e padrões.
Tornamo-nos, assim, crentes em nossas próprias ideias e defensores intransigentes de nossas posições, mesmo que elas tenham sido forjadas de maneira ‘rápida e rasteira’ ou estejam baseadas em pressupostos distantes daqueles considerados racionais.
Se você é professor de ciências ou frequentador das redes sociais na internet, lembre-se disso em sua próxima aula e em sua próxima discussão virtual. As ideias, quando se transformam em crenças arraigadas, se tornam fortalezas contra a aprendizagem.
Lembre-se também de que o processo vale para os dois lados. Nem mesmo a mente de um gênio – como diz Shermer – é capaz de anular os desvios cognitivos que favorecem o pensamento não científico.
Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP