terça-feira, 11 de novembro de 2014

Vivendo e Aprendendo ou Vivendo e Resolvendo?

ACESSO: 11/ 11/ 2014
 
Surpreendidos cotidianamente por problemas, tentamos buscar uma solução para eles. Explorar essa habilidade pode ser muito útil no ensino de ciências, sugere bióloga e educadora.
Por: Vera Rita da Costa
Publicado em 07/11/2014 | Atualizado em 07/11/2014
 
Viver é resolver
Em nosso cotidiano, somos desafiados constantemente a tomar decisões e a fazer escolhas. Por isso, faz todo o sentido investir em um ensino de ciências baseado na resolução de problemas. (foto: Elke Rohn/ Freeimages) 
        Mesmo sem conhecer você pessoalmente, não corro risco ao afirmar que o seu dia a dia, assim como o de outros leitores destas linhas, é cheio de problemas a serem resolvidos. Você pode não ter consciência ou não se dar conta deles, mas isso não quer dizer que eles não estejam presentes. Do despertar ao adormecer, “viver é resolver problemas”.
Não sei exatamente quem afirmou isso, mas sei que desde que ouvi essa frase pela primeira vez firmou-se em mim a ideia de que ela tem tudo a ver com o que imagino que é a ciência e com o que deveria ser o ensino de ciências. Pense por um instante. Em nosso cotidiano, nos deparamos com inúmeras situações sobre as quais precisamos tomar decisões (conscientes ou não). É preciso acordar, é preciso achar onde estão os sapatos, depois calçá-los, alimentar-se, trabalhar, assim como é preciso seguir em frente, com tudo o que isso possa significar. Em todos esses casos, somos desafiados a tomar decisões. E o mesmo acontece em todas as outras situações imagináveis, sejam elas as mais simplórias e cotidianas ou as mais complexas e inusitadas. Lidar com problemas parece, portanto, ser da nossa ‘natureza’. Ou, em outras palavras, parece que somos dotados evolutivamente de habilidades que nos permitem lidar de maneira básica e essencial com as questões que o mundo nos coloca. Diante das situações que se apresentam a todo o momento, observamos, analisamos e concluímos, agindo em função de um roteiro básico e essencial que em muito se parece com aquele praticado em ciência. Mas, nessas atividades corriqueiras, nem sempre nos damos conta de que usamos esse mecanismo básico de reflexão e ação sobre o mundo e sobre as questões que ele nos apresenta. E, talvez por isso, muita gente ache que fazer ciência é algo exclusivo de um grupo excepcional de pessoas.
        O fato, no entanto, é que, em essência, todos somos cientistas. Podemos não ser profissionais e não fazer isso de maneira sistematizada. Mas é inegável que somos todos surpreendidos por questões e por problemas e buscamos criativamente (em maior ou menor grau) soluções para eles.
Tudo bem que em muitas situações também agimos de maneira não necessariamente reflexiva. Para resolver determinadas questões, por exemplo, recorremos a ‘respostas prontas’ ou a soluções já estabelecidas e herdadas culturalmente, lançando mão desse também poderoso mecanismo de enfrentamento de problemas e busca por respostas.
Folha de caderno
Embora recorrer às ‘respostas prontas’ seja um mecanismo rápido e acessível, seria melhor que nossos alunos aprendessem a pensar em soluções diferentes para as situações que surgem. (foto: Bethany Carlson/ Freeimages)Adicionar legenda
        Mas é interessante pensar que, embora recorrer às ‘respostas prontas’ seja um mecanismo facilmente disponível e rápido para lidar com as questões que surgem, ele não é único e exclusivo. Convive com outro, o qual nem sempre valorizamos, mas que, se aprendido e desenvolvido, poderia nos tornar ainda mais eficientes na resolução de problemas.
Percebeu, portanto, a ligação existente entre as nossas (possíveis) formas de pensar e lidar com os problemas do mundo e sua relação com o ensino de ciências?

Pronto ou por fazer?
        Podemos recorrer às ‘respostas prontas’, aquelas já instituídas, obtidas de maneira pragmática (por tentativa e erro, por exemplo), intuitivamente ou herdadas por tradição, baseadas em mitos e crendices. Esse é um caminho curto e rápido, nem sempre confiável, mas que sem dúvida leva também a respostas e soluções. Mas podemos, também, recorrer à produção de novas respostas, em um processo em que é preciso colher dados, organizá-los, compará-los, formular hipóteses, planejar situações, testar, recoletar dados, reorganizá-los, testá-los novamente etc. etc. etc., até se chegar ao ponto de concluir ou poder afirmar algo.
      É evidente, no entanto, que essa segunda opção ou forma de lidar com problemas é um caminho muito mais longo e cansativo, mesmo que seja percorrido apenas mentalmente.
Pensar e fazer por conta própria leva mais tempo e dá muito mais trabalho do que se valer do que se encontra pronto – e de certa forma todos sabemos disso, a ponto de, tendo oportunidade, recorrer sempre ao caminho mais curto e fácil, que leva ao já estabelecido.
Buscando relacionar essas questões à atual situação de nossa educação, em especial de nosso ensino de ciências, vejo, portanto, que nos encontramos em uma encruzilhada que contempla essas duas formas de pensar e agir disponíveis aos humanos. É preciso decidir entre apresentar o ‘prato pronto’ aos alunos ou incentivá-los e auxiliá-los no exercício da busca incerta por novas respostas. Entre incentivá-los (e a nós também) no uso de uma forma de pensar ‘econômica’, que se contenta em assimilar e reproduzir o conhecimento já instituído, e outra mais ‘dispendiosa’ (pelo menos em termos de tempo e trabalho), que se dispõe a gerar novos conhecimentos.Tradicionalmente, as apostas do ensino de ciências recaíram na primeira opção: oferecer respostas prontas aos alunos, inclusive, aquelas estabelecidas pela própria ciência. Apresentavam-se (e apresentam-se ainda) nas nossas aulas apenas os conceitos, as teorias, as descobertas e os pensamentos formulados por outros. Em linguagem popular: oferecemos aos nossos alunos o ‘prato pronto’ da ciência. Mais recentemente (e isso desde pelo menos o movimento da Escola Nova, ou seja, há mais de meio século), a segunda opção entrou para o cardápio. Começou-se a investir no desenvolvimento da iniciativa, da autonomia, da criticidade ou, ainda, a se falar em um ensino focado em habilidades e competências e voltado à resolução de problemas.
     Por muito tempo pensei que essas expressões eram vazias de significado. Mero jargão pedagógico. Mais recentemente, no entanto, sobretudo depois de ouvir a expressão “viver é resolver problemas”, passei a reconsiderar essa minha visão crítica e ácida das novas tendências no ensino de ciências.
     Afinal, se estar vivo é ter que lidar com problemas, de fato faz todo o sentido investir em uma educação baseada na resolução de problemas que não se valha simplesmente das respostas prontas e estabelecidas. Também faz sentido investir no ensino e na aprendizagem das habilidades que podem nos tornar competentes nesse quesito. Se viver é resolver problemas, ensinar e aprender meios de se lidar com eles de maneira mais eficiente (objetiva e racional) parece indicar uma boa direção para o ensino de ciências. Não?
 
Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP

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