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ACESSO: 11/02/20160 as 20:08h
Miguel Zabalza, professor da Faculdade de Ciências da Educação da
Universidade de Santiago de Compostela, é hoje um dos autores espanhóis
influentes na educação brasileira. Também doutor em psicologia pela
Universidade Complutense de Madri, Zabalza tem dedicado grande parte de
seus estudos à questão do currículo escolar. Com reflexões relevantes
sobre diversas etapas da educação, algumas delas materializadas em
livros publicados no Brasil - como é o caso de O ensino universitário e seus cenários (2003), Diários de aula (2004) e Qualidade em educação infantil (1998),
todos lançados pela Artmed, os dois últimos esgotados -, Zabalza
acredita que, face a demandas multivariadas, caminhamos na direção de um
currículo mais flexível, de modo a atender mais ao interesse de
sujeitos diversos. Leia, a seguir, a entrevista concedida via e-mail ao
repórter P aulo de Camargo.
Dentro das preocupações principais da educação contemporânea, que lugar ocupa a discussão sobre o tema do currículo?
Sem
dúvida, é um dos temas centrais. A escolha dos conteúdos culturais está
se mostrando chave na abordagem das questões educacionais relativas à
multiculturalidade, à língua, às culturas indígenas, à incorporação das
Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) como conteúdo de
aprendizagem, à aparição das aprendizagens transversais etc. Isso inclui
os debates mais recentes sobre os modelos formativos, como no caso da
educação por competências. Os debates sobre currículos referem-se também
a questões que afetam a própria liberdade dos indivíduos com respeito à
sua formação contra a imposição dos governos de um currículo rígido que
todos têm de cursar. Vamos, hoje, no sentido de um currículo flexível,
que respeite a diversidade de capacidades e interesses dos sujeitos e
responda mais às suas demandas.
Quais são os fatores que exercem maior poder de pressão na definição dos currículos? A avaliação está entre eles?
Sim,
o ditado "diz-me como avalias e te direi como ensinas" segue sendo
válido. Com muita frequência, confundimos as avaliações com o currículo,
ou, para dizer de outra maneira, outorgamos tanta importância às
avaliações que acabam se apropriando do currículo, modificando-o,
acomodando-o ao objetivo da avaliação. É, portanto, verdade que o
vestibular brasileiro, ou o selectividad da
Espanha pervertem o currículo do ensino médio. Do mesmo modo, os exames
posteriores para as carreiras universitárias pervertem o sentido
formativo destas. Ao final, os cursos se convertem em dispositivos para
superar as provas, contaminam-se de sua ideia de aprendizagem, quase
sempre de forma a enfatizar as operações de memorização e um
conhecimento enciclopédico. Para os professores que atendem cursos
anteriores a esses exames, a questão se torna um dilema profissional
básico: devem ensinar para que seus alunos se formem ou devem ensiná-los
para que superem o exame?
Como deve ser então uma proposta curricular preocupada com a formação?
Deve
ser um projeto para durar vários anos, deve ser progressiva e abarcar
todas as dimensões dos sujeitos: seus conhecimentos, suas habilidades
para o estudo e para a vida, suas atitudes, seus comportamentos. É
evidente que esse enfoque é muito mais amplo e poliédrico do que apenas
superar um exame. Por isso, falar de currículo tem importantes
implicações para a vida escolar: significa trabalhar em equipe (os
docentes), pois ninguém pode desenvolver um projeto dessa natureza por
si só; significa enfrentar as disciplinas, mas também as outras
dimensões do desenvolvimento pessoal e social dos estudantes (sobretudo
na escola secundária, onde estão se elaborando os projetos de vida);
significa oferecer aos alunos elementos que enriqueçam esses projetos de
formação e os aproximem da cultura local, que os habilitem a uma vida
intelectual, social, de lazer e, inclusive, espiritual adequada a nossos
tempos e à sociedade na qual vamos inserir cidadãos competentes.
Significa orientar o trabalho educativo para uma aprendizagem a mais
personalizada possível, de forma que os estudantes assumam
responsabilidade na sua própria formação e se preparem para continuar
seu processo de formação ao longo da vida.
Quem decide o que é ou não é relevante que os alunos aprendam? Como é essa discussão hoje no âmbito da Comunidade Europeia?
Pouco
a pouco se vai consolidando a ideia de que essa é uma atribuição das
federações ou dos estados autônomos que têm competência sobre isso. Nos
modelos curriculares centralizados, de origem napoleônica, esta foi
sempre uma verdade incontestável. O mesmo ocorre nos antigos países
comunistas. Nos países anglo-saxões, com modelos curriculares
descentralizados, essa era uma competência que se atribuía aos
professores e professoras das escolas. Cada escola possuía sua própria
proposta curricular. Mas mesmo em países como a Inglaterra, onde era
essa a tônica geral, o modelo desapareceu porque se geravam muitas
diferenças entre umas escolas e outras.
Isso é feito por medidas legais obrigatórias?
Hoje
em dia se generalizou a ideia de que os conteúdos básicos do ensino são
decididos pelo Estado, mediante leis de cumprimento obrigatório. As
escolas e mesmo os governos regionais devem obedecer a essas leis. Bom
exemplo disso é o que sucedeu nestes anos na Espanha, com a disciplina
de educação para a cidadania, estabelecida por lei e contra a qual se
opunham os partidos de direita e a própria igreja católica, porque
diziam que a educação entrava em valores da vida social (por exemplo,
explicava-se o matrimônio entre homossexuais, igualdade de gênero etc.) e
isso colidia com valores familiares. A situação mais geral hoje em dia é
que o Estado nacional define os conteúdos básicos do ensino que depois
são completados e adaptados a cada situação pelos professores. Desta
maneira, ambos, governo e escola, se convertem em agentes curriculares.
Mais complicado é o papel das famílias, a quem se dá pouca chance de
seleção dos conteúdos, salvo os mais sensíveis aos valores pessoais. Por
exemplo, os pais podem escolher se seus filhos vão ou não às aulas de
religião.
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